Preocupação

Com pandemia, cena gastronômica de BH entra em crise e restaurantes fecham

Atingido diretamente pelas restrições provocadas pela Covid-19, setor amarga queda drástica no faturamento, e casas encerram atividades ou sofrem com os boatos de fechamento

Por João Renato Faria e Renato Lombardi
Publicado em 25 de junho de 2020 | 19:52
 
 
 
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A pandemia do novo coronavírus tem transformado cidades do mundo inteiro, deixando o recado de que nada será como antes. Em Belo Horizonte, a situação não é diferente. A capital mineira, que no ano passado recebeu o título de Cidade Criativa da Gastronomia pela Unesco e é conhecida também como a capital mundial dos bares, enfrenta uma grave crise justamente nesse setor. Muitos estabelecimentos, inclusive renomados, viram o faturamento cair drasticamente durante a quarentena e encerraram suas atividades. Segundo a Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), a estimativa é que um em cada quatro negócios do segmento não reabra mais na cidade após a pandemia.

Desde o dia 18 de março, esses estabelecimentos estão com as portas fechadas. Com isso, o atendimento ao público só pode ser realizado por delivery ou com retirada dos produtos no local. “Belo Horizonte é a única cidade do mundo com bares e restaurantes fechados por tanto tempo assim”, afirmou o presidente executivo da Abrasel-MG, Paulo Solmucci, referindo-se à marca de cem dias, alcançada ontem, desde que essas casas suspenderam o atendimento presencial.

De acordo com Solmucci, as medidas impostas pela Prefeitura de Belo Horizonte e a falta de perspectiva de reabertura desses estabelecimentos contribuíram para o fechamento de restaurantes como Alma Chef, Guaja e Tasca do Miguel. Em Nova Lima, o espaço gastronômico Mercado da Boca também decidiu, nesta semana, encerrar as atividades. Segundo o presidente da Abrasel, em BH e na região metropolitana, pelo menos 5.000 bares e restaurantes não vão retomar as atividades, e mais de 40 mil pessoas já perderam o emprego.

Enquanto isso, empresários como Fernando Areco Motta, proprietário do A Favorita, ainda avaliam o atual cenário na cidade para decidir os próximos passos que vão tomar. “Neste momento, é certo que o A Favorita vai funcionar para delivery nesta sexta, neste sábado e neste domingo”, garantiu Motta. “Depois, vamos avaliar, e existe, sim, a possibilidade de que tenhamos que fechar as portas”, revelou o empresário. Sem citar nomes, o presidente da Abrasel-MG afirmou que restaurantes famosos da cidade estão apenas acertando a devolução de seus imóveis e resolvendo outras questões burocráticas e devem anunciar, já na semana que vem, seu fechamento. 

Já no Alma Chef, a decisão tem ares de definitiva. O espaço não tem previsão de retomar suas atividades e vai repensar toda a sua maneira de trabalhar. “Achamos melhor parar, respirar e ressignificar todo o nosso serviço. O objetivo de entregar comida com afeto, com ingredientes de extrema qualidade, que valorizam os pequenos produtores, nunca vai mudar. Porém, todo restante, como o local e o modo de operação, tudo isso tem que ser repensado”, afirmou Guilherme Kubitz, um dos sócios. “Esse momento de repensar a maneira de ser e trabalhar não pode ter prazo. Não é uma reforma ou uma remodelagem, é repensar o propósito”, completou.

Para Solmucci, a situação pode piorar, já que há a possibilidade de a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) decretar lockdown – proibição de circulação na cidade – na tarde desta sexta-feira. “Na nossa visão, a prefeitura acertou em fechar o comércio na data que fechou, mas errou ao planejar a reabertura”, pontuou. “Esperávamos um plano de reabertura coerente, consistente, para que o setor tivesse algum faturamento”, detalhou o representante da Abrasel.


Ação na Justiça

Solmucci disse que a PBH ainda não elaborou um manual com as medidas a serem seguidas por bares e restaurantes na cidade. Ele confirmou que a instituição acionou a prefeitura da capital na Justiça pela ausência de um plano de reabertura que englobe o setor. “Tomamos essa decisão após acompanharmos por três semanas as reuniões e constatarmos a falta desse plano”, afirmou. Segundo Solmucci, uma definição sobre o caso pode sair nos próximos dias.  

Em nota, a Prefeitura de Belo Horizonte informou que “em nenhum momento impediu o funcionamento de bares e restaurantes” e que “apenas fez restrições para que o atendimento seja realizado nas modalidades delivery ou retirada no local”. Segundo a PBH, essas medidas foram adotadas “em razão do risco sanitário para consumo no local, já que os clientes permanecem por tempo relativamente alto e sem máscara”.

“A Abrasel foi convidada a participar de todas as reuniões para construir, juntamente com todo o grupo de trabalho de retomada, propostas e sugestões para a reabertura do comércio. O processo vem ocorrendo de forma transparente e aberta, sempre pautado nos indicadores epidemiológicos e no risco sanitário apresentado por cada atividade”, informou o executivo municipal. “A Abrasel, embora estivesse na mesa de negociações, optou pela judicialização”, finalizou a nota.  

Boatos atrapalham ainda mais sobrevivência das casas

Dono do tradicional Vecchio Sogno, o chef Ivo Faria ficou surpreso quando passou a receber, na última quinta-feira, ligações questionando se era verdade que ele teria fechado o espaço e devolvido imóvel no qual o restaurante funciona, no bairro Santo Agostinho, na região Centro-Sul de Belo Horizonte. “É boato”, afirmou ele. “A gente já está vivendo um momento delicado, e as pessoas ainda ficam puxando pelo lado negativo”, garantiu o chef, que ressaltou que o espaço segue fechado seguindo determinação da Prefeitura de Belo Horizonte. Segundo o chef, eles continuam atendendo o público aos finais de semana, só que na modalidade delivery. 

A Parrilla do Mercado, que também vem sendo alvo de comentários negativos nas redes sociais, desmentiu a informação de que o restaurante teria dívidas trabalhistas. “Não procede, não tem nada disso. Quem espalhou isso deve ser alguém com muita maldade, foi meio assustador, uma falta de respeito”, afirmou Fernanda Tomás, uma das sócias do estabelecimento.

Outro local apontado por boatos com fechamento definitivo, o bistrô Paris 6 negou, por meio de sua assessoria de imprensa, que estaria encerrando suas atividades. O restaurante não está com delivery durante a pandemia, mas, ainda segundo a assessoria, pretende retomar as atividades assim que for possível. 

Reinvenção

O chef Ivo Faria, proprietário do Vecchio Sogno, afirma que o momento é de reinvenção para o setor. Ele conta que, mesmo após o fechamento do espaço do restaurante, demorou um pouco para se render ao serviço de entregas. “O delivery é para tapar o buraco do dente, só”, disse o chef, referindo-se ao fato de o faturamento ter diminuído bastante neste período. Além dessa modalidade de serviço, Ivo também revelou que vai investir em lives nas redes sociais, ensinando a preparar algumas receitas. “A ideia é atender a clientela mesmo que de longe”, afirmou.

Para se adequar ao novo cenário imposto pela pandemia do novo coronavírus, Ivo contou que precisou demitir alguns funcionários e não descarta desligar outras pessoas do restaurante. “Tenho que começar a pensar que vou ter que trabalhar com equipe mínima, pensar que estou abrindo restaurante pequeno”, explicou. “Você tem que readequar o quadro à realidade. O mundo é outro”, completou o chefe.

Mesmo sem perspectiva de que a reabertura de bares e restaurantes aconteça por agora, o dono do Vecchio Sogno já tomou algumas providências, por conta própria, para voltar a receber clientes no restaurante. “Já preparei meu cardápio para ser acessado por QR Code e também uma versão plastificada, para ser fácil de desinfetar; já providenciei também protetor facial de acrílico”, exemplificou. Entretanto, o chef ressalta que é importante as autoridades locais criarem um manual para ser seguido pelo setor: “As autoridades precisam elaborar diretrizes, porque não adianta chegar no meu restaurante e cobrar o que eu não sei”.

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