“A falta de contato com o público é a pior coisa nesse período. Qualquer tipo de ajuda que vier não supera os aplausos da plateia.” A frase do apresentador, locutor e palhaço Waldir Braga dá a dimensão das dificuldades enfrentadas pelos trabalhadores do circo em tempos de coronavírus. Desde que a Covid-19 foi declarada uma pandemia pela Organização Mundial de Saúde (OMS), as atividades que reúnem público no país foram paralisadas, trazendo prejuízos ainda incalculáveis aos produtores culturais.
Proprietário do Fantástico Circo Show, Braga já havia interrompido a programação dos shows por motivos pessoais antes mesmo da crise, mas continuou se apresentando em aniversários e festas fechadas como o Palhaço Pimentão. “A gente faz de tudo um pouco, né?”, comenta. Com a nova realidade, a agenda de eventos está vazia. “O circo já estava passando por uma crise, o público já estava meio devagar. Infelizmente, não acho que vamos sair dessa tão rápido. A preocupação com a situação dos colegas do circo é grande”, completa o artista, que se apresentou pela última vez em uma festa de carnaval no Mercado Distrital do Cruzeiro, em Belo Horizonte.
Lona recolhida, ônibus e trailers estacionados em um campo de futebol. Essa é a realidade da equipe do Circo Castelli, formada por 25 artistas, a maioria da mesma família. A trupe chegou à Minas Gerais no início de março para uma temporada de dois fins de semana em Belo Horizonte e região. No entanto, o avanço do coronavírus e as medidas de precaução para conter o avanço da pandemia mudaram a história e deram um breque no entusiasmo do grupo, que se apresentou em Igaratinga, no Centro-Oeste do Estado, entre os dias 13 e 15 de março. Depois disso, a programação cessou e o Circo Castelli hoje se encontra parado ao lado do Ginásio Poliesportivo do Riacho, em Contagem, onde também se apresentariam.
Secretário do tradicional circo de família, Augusto Lincoln classifica o futuro a curto prazo como “muito preocupante”. “Como todos os circos, vivemos de bilheteria. Se não tem público, não temos nada”, pontua. Para Lincoln, a atividade cultural enfrenta um desafio ainda maior nesse cenário: “O comércio normal pode vender pela internet, pode entregar em casa, ele tem esse meio de vender, de girar o caixa, enquanto o nosso congela, pois vendemos espetáculos”.
Sonho adiado
Há duas semanas, o Grupo Trampulim, que completa 26 anos em 2020, recebeu um e-mail que trazia péssimas notícias. Devido à pandemia que também esvazia as ruas da Espanha e faz com que as pessoas se protejam do coronavírus por meio do isolamento social, o projeto de pesquisa em técnicas de improvisação que eles fariam em Madri, em julho, teve de ser adiado. Os artistas ficariam um mês na capital espanhola, mas já haviam planejado estender a temporada por mais 30 dias em Barcelona e em Portugal.
Diretora do grupo, Adriana Morales, que vive a palhaça Benedita Jacarandá em espetáculos da equipe, lamenta: “Estudar em Madri é nosso sonho, na semana que íamos comprar as passagens recebemos a notícia, o planejamento já estava sendo feito. Vamos ter que fazer esse estudo no ano que vem”, conta a gestora. Além disso, Adriana diz que eventos em Minas e também fora do Estado foram canceladas: “Tínhamos uma data em Brasília para apresentar o espetáculo ‘Pratubatê’, que seria muito importante financeiramente para nós”.
Adriana também se preocupa com as famílias tradicionais de circo. “Somos até privilegiados, temos uma ponte com o meio corporativo, fazemos eventos em empresas e continuamos fazendo nossa arte, mas há quem vive outra realidade. Ninguém ainda tem uma resposta do que vai acontecer”, avalia.
Para ela, o momento é de compreender a situação, organizar questões administrativas e artísticas e tentar encontrar maneiras de resistir ao delicado momento - sem deixar de tomar as devidos precauções. “Recebemos uma consulta de trabalho, uma ação para médicos que estão trabalhando na linha de frente do combate ao coronavírus. É uma possibilidade, uma porta que se abre. Também é importante levar o riso, a alegria e o entretenimento a esses lugares”, afirma Adriana Morales.
Cirque Du Soleil em crise
A pandemia do coronavírus que deixa o mundo em alerta também atingiu o Cirque Du Soleil. A companhia teve de adiar espetáculos em diversos países e dispensar temporariamente boa parte de sua equipe devido às medidas de isolamento social impostas pelos governos. Até um pedido de falência está sendo estudado pela companhia. A Covid-19 acabou por acelerar uma crise financeira pela qual o grupo passa há alguns anos. O Cirque du Soleil acumula uma dívida de aproximadamente US$ 900 milhões e tenta uma reestruturação financeira para superar o desequilíbrio no caixa.