Artes visuais

Diálogo com questões ambientais permeia trabalho de artistas

De Frans Krajcberg a Júlia Pontés, vários nomes brasileiros lançam olhares para as relações com a natureza antes e depois de desastres ecológicos

Por Carlos Andrei Siquara
Publicado em 01 de setembro de 2019 | 03:00
 
 
 
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Frans Krajcberg (1921-2017) foi um artista polonês que imigrou para o Brasil em 1948, depois de perder a família, assassinada pelo exército nazista, do qual fugiu, e encontrar refúgio na antiga União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). Durante a Segunda Guerra, ele foi oficial do exército polonês e recebeu das mãos de Josef Stalin uma medalha em reconhecimento de sua atuação no conflito.

Mas aquela experiência traumática o impediu de continuar na Europa e o fez imaginar outra possibilidade de vida num país conhecido internacionalmente pela exuberância de sua natureza, o Brasil. Assim, ele aportou no Rio de Janeiro e, em seguida, mudou-se para São Paulo. A urbanidade paulista não era o que o interessava, e, por isso, ele partiu para o Paraná, onde buscou contato íntimo com a floresta.

Krajcberg queria o isolamento para poder criar e, no Sul, deparou-se, pela primeira vez, com as queimadas, o que logo o remeteu às imagens da guerra. Sua reação imediata foi voltar ao Rio e, de lá, seguiu para Paris até retornar definitivamente ao Brasil na década de 60. Daquele momento em diante, em vez de evitar a visão incômoda das queimadas e da devastação, o artista lidou com esses problemas de frente, tornando-se um nome pioneiro na aproximação entre a arte e o olhar para as questões ecológicas.

Reconhecido mundialmente, o trabalho de Krajcberg encontra paralelo com o da fotógrafa Claudia Andujar, de origem suíça, que produziu uma vasta obra aliada à defesa da causa indígena, permanecendo sempre ao lado dos índios Yanomami. Ambos demonstraram a habilidade de unir engajamento e alto valor estético em suas criações, o que, de lá para cá, encontra eco nas obras de outros vários artistas. 

“Krajcberg sempre se preocupou com o meio ambiente numa época em que isso não passava pela cabeça de ninguém. E, nos últimos dez anos, eu noto que há uma conscientização maior, e temos alguns artistas que estão olhando mais para a natureza”, observa a curadora Denise Mattar, que organizou a mostra “Imagens do Fogo” de Krajcberg, no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, em 1992. A exposição foi inaugurada durante a conferência mundial das Nações Unidas sobre meio ambiente e desenvolvimento.

Denise observa que, mais recentemente, em razão dos desastres ambientais eclodidos no país, como as queimadas em larga escala na Amazônia e, principalmente, o rompimento das barragens em Mariana e em Brumadinho, novas produções com esse viés têm aparecido.

“Alguns artistas já tinham essa preocupação em seus trabalhos, e outros agora estão se sentindo mais mobilizados a lidar com isso, o que acontece normalmente em momentos como o de agora. Lembro, por exemplo, do trabalho de Sebastião Salgado, em Serra Pelada, que mostrava toda aquela destruição (causada pela extração de metais preciosos) com fotografias incríveis”, sublinha Denise.

Uma artista mineira que tornou essa relação com o meio ambiente definitiva em seu trabalho é Júlia Pontés. De acordo com ela, a experiência de sobrevoar as regiões afetadas pelo colapso das barragens de Mariana e Brumadinho foi um divisor de águas em sua trajetória.

“Venho de uma família que foi proprietária de siderúrgica por 50 anos, e eu nunca tinha questionado a minha relação com a mineração. Depois de ver a dimensão do impacto das barragens, aquilo transformou a minha vida para sempre”, diz Júlia. 
A partir da próxima quarta-feira (4), ela vai participar de uma coletiva em Nova York, com uma foto aérea inédita de uma mina de extração de ardósia em Papagaios, no interior de Minas Gerais.

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