Como a cultura pode se reinventar em tempos de distanciamento social imposto pelo advento do coronavírus? Esse foi um dos eixos de um evento virtual realizado nesta terça-feira, pela manhã. O Webinar CBMM, iniciativa do grupo de mesmo nome, contou com a participação de Antonio Grassi, diretor-executivo do Instituto Inhotim; Fábio Mechetti, diretor artístico e regente titular da Orquestra Filarmônica de Minas Gerais, Raquel Hallak, CEO da Universo Produção, realizadora da Mostra de Cinema de Tiradentes, e Patrícia Pinho, da Rede Minas. O Magazine acompanhou a discussão como ouvinte e destaca, a seguir, alguns trechos. Em tempo: algumas falas tiveram palavras alteradas para evitar, por exemplo, a repetição de termos.
Um dos pontos focados na conversa foi a relevância do setor cultural para a economia. Raquel Hallak, por exemplo, lembrou da gênese do Festival de Cinema de Tiradentes, há mais de 20 anos, quando a cidade histórica nem de longe era o polo turístico que veio a se tornar. "Quando a gente começou, certamente ouviu que estávamos doidos. Mas, com o tempo, veio a descoberta da vocação turística da cidade, basta ver o aumento do número de leitos (na rede hoteleira), de restaurantes. Se a gente olhar pelo retrovisor, virou um case de sucesso. Hoje, a cidade vive de eventos - inclusive, está sofrendo muito com isolamento social, praticamente fechou. Idem Ouro Preto. A gente está gerando emprego, renda. Em Tiradentes, são mais de 250 empresas mineiras contratadas (durante o Festival de Cinema), centenas de empregos. Um estímulo ao investimento na economia local", frisa.
O maestro titular da Filarmônica emenda. "Acho que do ponto de vista da economia, existe uma certa indisposição de algumas pessoas em acreditar que a cultura é capaz de gerar tanto retorno...Mas há pesquisas desenvolvidas no mundo inteiro que concluem que cada centavo investido em cultura se converte em três, quatro, cinco vezes mais, diante da repercussão econômica que causa. Essa conscientização é possível e necessária, pois são benefícios que se reproduzem exponencialmente".
Já Antonio Grassi acrescenta. "Do ponto de vista econômico, o Instituto Inhotim, ao longo dos anos, não só gerou, na região de Brumadinho, um aumento, por exemplo, do número de leitos (em hoteis e pousadas), como uma empregabilidade em setores dos mais diversos, como o da construção civil (no caso da construção dos pavilhões, por exemplo). No Inhotim, 80% da mão de obra é constituída por locais", relata. Ultrapassando o âmbito de Inhotim, Grassi falou da cadeia cultural como um todo. "Quando você vê qualquer manifestação artística, por trás dela há uma cadeia que é muito relevante. Não dá para fechar os olhos a isso", defende.
Os convidados também lembraram da importância da cultura e da arte como agentes transformadores da sociedade. Antonio Grassi citou os vários projetos desenvolvidos pelo Inhotim, muitos deles direcionados à comunidade do entorno, como a Orquestra de Câmara, formada por jovens talentos da região. "São 82 integrantes, que, aliás, neste momento, estão tendo aulas virtuais". Não bastasse, ele salienta as ações do Instituto que envolvem outras comunidades locais, como os quilombolas. E, ainda, as iniciativas destinadas a escolas públicas e mesmo as já desenvolvidas nas redes sociais do Inhotim, que abarcam um público amplo, com acesso gratuito.
O maestro Fabio Mechetti citou projetos da Filarmônica como o "Concertos Para Juventude", que tem como um dos objetivos a formação de público. Ou, ainda, o "Jovens Compositores", destinado a descobrir talentos. "Temos também o 'Concertos Didáticos', que leva alunos da rede pública para assistir a concertos, possibilitando o contato com uma linguagem a qual raramente eles (de outra forma) teriam acesso, e digo isso independentemente da classe econômica, pois sabemos que não é comum que as crianças sejam expostas a essa linguagem. A gente tenta combater eventuais resistências, por acreditarmos na capacidade transformadora que a cultura tem".
Na pandemia. A jornalista Patricia Pinho, da Rede Minas, lembra que, com a quarentena, nunca se consumiu tanto arte e entretenimento. "É o que está dando algum alento para muita gente que está em casa. Um momento em que a arte esquenta nossos corações, dá forças para continuarmos. E a gente precisa desses respiros artisticos e culturais". No entanto, ela aponta uma contradição. "É preciso destacar que, por outro lado, é um momento no qual muitos agentes (do setor cultural) estão encontrando dificuldades. Mas quem sabe depois disso a gente não consiga um pouco mais de reconhecimento?", lança. "A gente precisa de leis emergenciais, de socorro. Precisa de ajuda para que o nosso setor continue proporcionando tantas iniciativas e conteúdos", endossa Raquel.
Fabio Mechetti entende que é possível que a sociedade comece sim, agora, a entender mais o papel da arte e da cultura. Inclusive a de entretenimento. "Se não fosse a Netflix, muitas pessoas estariam extremamente ansiosas", brinca. Raquel, por seu turno, ressalta o fato de estar vendo mais uma uma vez a cultura como um palco de transformações. "A gente não imaginava viver esse cenário, mas na Mostra de Tiradentes deste ano, o tema já dava o recado: 'A Imaginação como Potência'. Veja, um mundo sem cultura é como é uma escola sem livros, um casamento sem música. Não dá para desprezar a cultura, e ai da gente se não fosse ela nesse momento, no qual estamos em casa . Neste momento em que a gente está se reinventando, a cultura está sendo uma ponte fundamental".
Patrícia Pinho acrescenta ao rol de iniciativas válidas para esses tempos os debates, "como o que a gente está fazendo aqui". "E tudo bem se a imagem não estiver 100%, ou o áudio também não. O conteúdo chega à frente", argumenta. Antonio Grassi também recorda que um das lições que a humanidade está tendo agora é validar a importancia da arte, da educação, da ciência e da imprensa. "Fica aqui uma frase do Gilberto Gil que acho importante: 'O povo sabe o que quer, mas também quer o que não sabe'. E acho que essa é nossa tarefa".
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