Não foram poucas as vezes que Juie Wein ouviu que seria difícil conciliar as duas carreiras. No caso, música e neurociência. Mas ela resolveu persistir. E tem dado certo. "A partir do momento que resolvi acreditar que era possível, não houve mais conflito interno. É claro que esse conciliar é algo extremamente cansativo, mas, por outro lado, muito recompensador. Não é incomum eu trabalhar de domingo a domingo, intercalando compromissos científicos e artísticos. São duas carreiras super demandantes e desafiadoras - mas, ao mesmo tempo, muito fascinantes", diz a moça, que acaba de lançar, nas plataformas digitais, o disco "Infinitos Encontros" (Biscoito Fino).
Com produção musical do violonista Victor Ribeiro e participação especial de Ed Motta, o disco reúne dez faixas que, diz ela, têm como linha condutora a música romântica. "Minha música é inspirada principalmente nos meus encontros com as pessoas. Esse disco versa sobre experiências pessoais, amores perdidos e achados, dentre tristezas e alegrias, momentos dolorosos e engraçados. Há uma inspiração também no meu interesse pela natureza e mistérios do universo. Tem muitas coisas sobre mim ali. Minhas letras envolvem histórias específicas, todas reais. Sinto que isso é uma linha central do disco também, é um discurso muito íntimo, sincero, da minha verdade mais profunda", conta Julie, ao Magazine. "Acredito que as pessoas que ouvirem o disco, vão chegar ao final sabendo mais da minha própria vida do que eu mesma", ri.
Na verdade, Julie confessa que adora narrar a gênese das músicas nos shows. "Gosto que o público saiba de onde as composições vêm, as histórias por trás de cada processo. No encarte do CD, também escrevi um pequeno parágrafo explicando a origem de cada faixa". Desafiada a falar para a reportagem, ela escolheu as faixas "Trânsito de Marte", "Valsa em Sim" e "Mar Demais", que destrincha, a seguir. "'Trânsito de Marte' é a música que abre o álbum. Compus após uma desilusão amorosa na época em que dois fenômenos naturais muito marcantes ocorriam: a máxima aproximação de Marte da Terra e o eclipse lunar de 2018. Essa inspiração em fenômenos naturais tem a ver com o fato de ter me mudado para o Rio em 2009 para cursar astronomia na UFRJ (cursei 2 anos). Meu objetivo inicial era me especializar em astrofísica e cosmologia, mas acabei mudando para biofísica, onde acabei me formando".
"Valsa em Sim", por seu turno, corresponde à terceira faixa do disco e foi inspirada em uma música que Julie recebeu de um antigo amor, depois de três anos separados. "Nela, ele dizia que ainda me amava, mas que logo ia passar. A música era linda. Foi a primeira vez que me vi sendo 'musa inspiradora'. Mas não concordava com algumas coisas que ele dizia na letra (risos). Então, respondi através de 'Valsa em Sim', na qual digo, entre outras coisas, que não iria passar e que ele me amaria para sempre (risos)". "Mar Demais" é a faixa que encerra o disco e foi feita em parceria com a jornalista Mariana Ferrão. Aliás, a amizade das duas começou por obra da ciência, quando Mariana foi fazer uma entrevista no Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino, onde Julie colabora como pesquisadora desde 2011. Foi amizade à primeira vista. "Certo dia, estava tentando expressar o amor e o carinho que sentia pela nossa relação, sentei ao piano e improvisei uma música, 'Borboletas no Jardim'. Gravei no celular mesmo e mandei para ela. No dia seguinte. ela me ligou emocionada. Conversamos muito aquele dia. Comentei com ela que estava musicando alguns poemas. Eu sabia que ela escrevia lindos poemas. No dia seguinte, ela me enviou 'Mar Demais', que musiquei e virou nossa primeira parceria", rememora Julie. A homenageada retribuiu com as seguintes palavras: "Nunca recebi um presente tão lindo na minha vida; presente que vale uma vida".
Trajetória. Nascida em Curitiba, Julie Wein (o sobrenome artístico é uma abreviação do real, Weingartner, de origem alemão), 28 anos, teve seu interesse pela neurociência despertado ainda na adolescência, quando, como ela mesma narra, começou a refletir sobre o universo. Mais precisamente, quando se inteirou de que a luz que chega das estrelas aos nossos olhos nunca representa o momento presente. "Isso acontece porque, mesmo viajando a mais de 290 mil quilômetros por hora, quando a luz chega aos nossos olhos, estamos vendo o passado da estrela, já que a distância entre as estrelas e a Terra é muito grande. Literalmente, ao olharmos para o céu noturno, estamos vendo um recorte do passado. É impossível ver o presente. Tomar consciência disso mudou minha vida. Me impactou de talm modo que fui procurar entender mais sobre as estrelas e o universo", narra.
Foi quando decidiu se mudar para o Rio de Janeiro, especificamente para cursar faculdade de Astronomia na UFRJ, a fim de estudar os mistérios mais profundos do universo. "No segundo ano da faculdade, em meio a todos aqueles cálculos e equações, percebi que, mesmo com todo o entendimento teórico e a abstração matemática que um dia eu pudesse vir a ter, continuaria sem ter consciência da real dimensão do universo. Sem ter a sensação subjetiva do que é isso. Então, me dei conta que a principal questão, para mim, era entender se o nosso cérebro era capaz de compreender o universo. Desse momento em diant,e me propus a investigar os limites da nossa mente. Até que ponto o nosso cérebro pode de fato compreender a natureza. E, principalmente, investigar em que ponto se dá o interlace entre nosso entendimento racional do mundo e nossa sensação subjetiva sobre ele". Por isso, resolveu virar neurocientista.
Não bastasse, estudar a música no cérebro trouxe a ela uma nova visão sobre a música como um todo e sobre o que ela é capaz de fazer. E, principalmente, sobre sua indispensável importância para a sociedade. "Hoje em dia, enxergo a música como uma característica intrínseca ao ser humano. A musicalidade tem uma importância no desenvolvimento da nossa espécie e na sua coesão em sociedade muito maior do que eu poderia imaginar. Logo, estudar a neurociência da música me fez perceber o quão importante é o papel da música no mundo. E me deu a certeza de que eu estava no caminho certo em fazer a escolha de levar as duas carreiras simultaneamente".
Hoje, Julie diz que uma carreira afeta a outra de forma muito bonita. "Conheci muitas pessoas importantes do mundo profissional da música através de caminhos científicos. A ciência me abriu - e abre - muitas portas no mundo da música. É impressionante perceber como o mundo é pequeno e como esses assuntos estão muito interligados na vida prática, além da teoria. Conheci músicos que se formaram em medicina, jornalistas e produtores musicais biólogos e matemáticos, distribuidores que se formaram em física e por aí vai ... Muitos assuntos em comum".
Três perguntas para Julie Wein
Quando se convenceu a lançar um disco autoral? As faixas, pelo que li, foram compostas em 2018, mas você já compunha antes? E atualmente, na quarentena?
Começar a compor foi algo que me surpreendeu profundamente. A primeira vez que compus uma canção foi quando recebi um poema para musicar da minha mãe, que, como letrista, assina como M. Vieira. E ela falou: “Tenta fazer uma música com isso”. Esse poema me inspirou de tal maneira que não tive outra opção, senão fazer uma música. Fiquei muito surpresa, porque gostei do resultado. Isso me abriu um caminho de compor. Essa canção foi a primeira música composta do disco e se chama 'Poemas de Ti', é a faixa 7. Eu gosto muito de musicar poemas que chegam pra mim. Metade do disco são parcerias que foram construídas dessa forma, com letristas mulheres. E a outra metade são letras e músicas minhas. Senti minha carreira de cantora ganhar um rumo bastante intenso quando comecei a compor. E senti que as minhas composições me aproximaram do público. Foi então que nasceu essa urgência em gravar um disco todo autoral. Mas a determinação a gravar um disco já vem de bem antes de eu começar a compor, tanto que o primeiro projeto do disco não era autoral, e sim, de intérprete. Mas, de repente, a composição ganhou um lugar tão especial na minha vida que tudo mudou (risos). Inclusive, esse momento de recolhimento está sendo um bom momento para compor.
Quais são as suas influências musicais e, em particular, as cantoras que gosta de ouvir, que admira?
Dentre as minhas influências musicais, estão: Chico Buarque, Caetano Veloso, Tom Jobim, Elis Regina, Dolores Duran, Joyce, Ivan Lins, Tânia Maria, Ed Motta, Milton Nascimento. Já entre as cantoras que amo ouvir e admiro, Marisa Monte, Bibi Ferreira, Sueli Costa, Shirley Horn, Mônica Salmaso, Leila Pinheiro, Alcione, Ana Mazzotti ... Também fui profundamente influenciada por artistas da minha família, como Romildo Weingartner (meu pai/violoncelista), Rocio Infante (minha mãe/coreógrafa/letrista), Juliane Weingartner (minha madrasta/violinista), Mario da Silva (meu padrasto/violonista) e Sergio Albach (meu primo/clarinetista).
Alguma relação com Minas Gerais? E em relação à música mineira, gosta de alguma artista em particular?
Sim! Praticamente morei em Minas Gerais durante um mês, em 2015. Estive em cartaz no CCBB BH com o espetáculo musical “Contra o Vento – Um Musicaos” (dirigido por Felipe Vidal), uma peça musical que contava sobre a história do Solar da Fossa (casarão no Rio de Janeiro que abrigou muitos artistas do período tropicalista, como Caetano Veloso, Gal Costa, Rogério Duarte ...). Eu interpretava, como atriz, a escritora Maura Lopes Cançado, mas também atuava como musicista, cantando, tocando piano e violoncelo. Era um espetáculo muito gostoso de fazer e o CCBB BH me deixou belíssimas memórias. É um lugar lindo! Fiquei encantada. Sou apaixonada por Minas Gerais e pelo seu povo. Costumo dizer que o sotaque mineiro é irresistível. Lindo demais. Sobre as artistas mineiras, gosto muito da Jussara Silveira!
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