Daqui a um mês, o festival Artes Vertentes voltará a ocupar a histórica Tiradentes, algo que acontece anualmente desde 2012. Mas desta vez será diferente. Em 2021, o festival chega à 10ª edição, e a celebração será em grande estilo, com o reencontro com o público presencialmente - isso porque no ano passado, por causa da pandemia, toda a programação foi virtual. “A ‘família Artes Vertentes’ vem crescendo a cada ano. Em 2020, esse encontro (presencial) foi suspenso, e isso faz com que essa 10ª edição seja preparada com mais carinho”, afirma o pianista Gustavo Carvalho, diretor artístico do festival Artes Vertentes.
Neste ano, o evento acontecerá entre os dias 25 de novembro e 5 de dezembro e, assim como em 2020, terá a água como tema curatorial. “Falar sobre a água é uma ideia já muito antiga na história do Artes Vertentes; essa ideia chegou muito antes da crise hídrica”, diz Carvalho, referindo-se à situação enfrentada pelo Brasil, agravada nos últimos meses pelos longos períodos de seca e escassez de chuva no país.
“De certa forma, a água é um protagonista na formação do Estado de Minas Gerais. Se a gente pensa que as primeiras cidades fundadas no Estado se deram justamente devido a busca de ouro, que eram encontrados nos cursos fluviais, estamos falando de um Estado que começou devido ao extrativismo mineral. E hoje a gente vive as consequências desse extrativismo, né?”, explica ele. “Eu acredito que Minas propõe uma reflexão sobre o comportamento humano muito antes daquilo que a gente está chamando hoje de antropoceno (termo usado para definir a era geológica atual, marcada pela ação humana). E a crise hídrica é uma consequência inevitável desse comportamento”, completa o diretor artístico.
Gustavo Carvalho conta que a decisão de estender o tema água, abordado no festival Artes Vertentes em 2020, para a edição deste ano foi devido à riqueza e complexidade do assunto. “Ano passado, em função da pandemia, nós tivemos que repensar e adaptar toda a programação do festival que aconteceu somente de modo virtual”, pontua o pianista. “Nós decidimos, então, não nos restringir a essa presença virtual, pois vimos a necessidade de falar sobre o assunto presencialmente, usando o território de Tiradentes”, ressalta.
Arte como ferramenta de educação e reflexão
O intuito do festival Artes Vertentes, ao propor o debate sobre temas como a água, por exemplo, é de não se ater apenas à questão do entretenimento. “Vemos muito isso no cenário cultural, um festival como um mero entretenimento. Porém, a gente quer um evento que vá fomentar a arte contemporânea e, através dessa arte, ser uma ferramenta para reflexão sobre temas que são importantes e bastante urgentes”, frisa o pianista.
Ele defende a arte como uma ferramenta para também se pensar numa educação ambiental, com um debate inclusivo - assim como acontece na Ação Cultural Artes Vertentes, que atende crianças e adolescentes de Tiradentes, e que vem trabalhando o tema água em suas atividades.
“Em 2020, por exemplo, o Artes Vertentes teve uma série de artistas em residência na cidade. Neste ano, estamos trazendo os resultados dessas residências artísticas. Isso é muito importante e um ganho de se pensar esse tema estendido em dois anos. É uma maneira de mostrar para a população de Tiradentes e para o público o resultado de um processo artístico que se deu na cidade”, cita Carvalho.
Um exemplo é o trabalho desenvolvido pela ilustradora mineira Marilda Castanho, que apresentará neste ano o resultado da residência que fez em Tiradentes, em 2020, e que contou com a participação de moradores, inclusive crianças, da cidade histórica. “Dessa maneira, a população tiradentina não só restringe como público do festival Artes Vertentes, mas se torna também um participante ativo dessa programação”, garante o diretor artístico.
Programação terá reencontros e estreias
“A expectativa para a 10ª edição do Artes Vertentes é muito grande, sobretudo pelo desejo de encontrar um público que a cada ano se tornou mais fiel ao festival”, afirma o diretor artístico Gustavo Carvalho. A programação oficial, segundo o pianista, deve ser divulgada ainda neste mês, mas ele adianta ao Magazine algumas das atrações deste ano.
“A gente conta, nesta 10ª edição, com a vinda de alguns artistas que construíram uma história junto com o Artes Vertentes, que tem uma presença que marcou o festival nos últimos anos. Um deles é o pianista russo Jacob Katsnelson, que participou de várias edições do festival. Inclusive, é graças ao Artes Vertentes que ele hoje fala fluentemente português tal foi o entrosamento dele com a cidade”, conta Carvalho.
Ainda na música, o festival trará uma novidade. “Neste ano, ao lado da música clássica, que é um dos carros-chefe do festival Artes Vertentes, estamos preparando uma programação de músicas do mundo, de diversas origens, que terá como nome ‘Ritmos que Cruzaram o Atlântico’”, revela o diretor artístico. “É, também uma maneira de, através da água, realçar os diversos povos que foram tão importantes para a formação do povo brasileiro. É uma programação que vai desde o congado, que é presente também em Tiradentes, até ritmos do Norte do Brasil e da costa Oeste africana”, comenta.
Nas artes visuais, quem também vai participar é o ilustrador mineiro Nelson Cruz. “Ele terá uma exposição, chamada ‘Benjamina’, e é uma série de obras que surgiram a partir do desmatamento das árvores Ficus benjaminas, na avenida Bernardo Monteiro, em Belo Horizonte. Quando o Nelson Cruz viu esse desmatamento acontecendo, ele sentiu essa necessidade de eternizar essas árvores como obra de arte e utilizou como matéria para isso o papelão, que de certa maneira é o destino de várias árvores cortadas. É uma obra que fala justamente da importância da reciclagem, de um consumismo consciente por meio da arte”, explica Gustavo Carvalho.