Cultura pop

Lista do Spotify mostra hegemonia dos artistas solo e das duplas sertanejas

Uma das características do top 10 dos músicos mais ouvidos na plataforma em 2019 no Brasil e no exterior é a ausência de bandas; especialistas analisam o fenômeno

Por Bruno Mateus
Publicado em 15 de dezembro de 2019 | 03:30
 
 
 
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No início do mês, o Spotify divulgou a lista dos dez artistas mais ouvidos na plataforma em 2019 e na década, tanto no Brasil quanto no exterior. De cara, um fato chama atenção. Na verdade, uma ausência: não há, em nenhum dos levantamentos, a presença de bandas, outrora tão populares no cenário da música pop – quem domina a parada são os artistas solo e, no caso brasileiro, as duplas sertanejas. A exceção fica por conta do Coldplay, que figura entre os mais populares da década no ranking internacional.

A perda de prestígio das bandas tem a ver com um certo enfraquecimento do rock. É o que pensa o jornalista e crítico musical Jotabê Medeiros: “O mundo mudou, e o rock esqueceu de mudar, talvez isso explique um pouco essa questão. A última banda de rock que teve repercussão nacional no Brasil foram os Los Hermanos”. 

Para falar sobre o conceito clássico de banda, é preciso voltar ao início dos anos 60. Foi naquele período que grupos como Beatles, Rolling Stones e The Who, tripé fundamental do fenômeno chamado “Invasão Britânica”, quando fincam o pé no mercado norte-americano, popularizaram no imaginário coletivo a onipresença da guitarra, da bateria e do baixo em uma formação musical. “A ideia da banda é a grande contribuição britânica para o rock moderno”, diz o pesquisador e autor do livro “O Som da Revolução: Uma História Cultural do Rock 1965-1969”, Rodrigo Merheb.

Contudo, o monopólio dos artistas solo e das duplas sertanejas entre a preferência dos consumidores de cultura pop no Brasil e no exterior não pode ser explicado somente pelo cenário no qual o rock tem aparecido com menos força.

Questões econômicas – sobretudo em tempos de crise –, comportamentais e tecnológicas também ajudam a elucidar esse fenômeno. Nas últimas décadas, muita coisa mudou com a internet e os smartphones, e as transformações no mercado fonográfico deixaram suas consequências. 

O auge e a queda das gravadoras, por exemplo, influenciaram enormemente os momentos bons e ruins das bandas. “Nos anos 80, auge das gravadoras e único momento em que o rock foi, de certa forma, moda, tínhamos várias bandas ocupando os primeiros lugares”, lembra o jornalista e apresentador do programa “Alto Falante”, da Rede Minas, Terence Machado.

O cenário, porém, começou a mudar quando a era digital avançou progressivamente pelos anos 2000. “O declínio das bandas tem muito a ver com o declínio das gravadoras. Se você não tem uma grande estrutura por trás, é muito difícil sobreviver no mercado”, afirma Merheb. 

Se a artilharia econômica das companhias caiu com a vertiginosa queda da indústria do disco e do CD, elas se ajustaram às necessidades e passam a investir em formatos mais baratos. Merheb diz que não se pode desprezar essa lógica em um momento de máxima valorização e exposição do artista solo: “Em vez de dividir o lucro por cinco, divide-se por dois: o artista e o empresário”. 

Marco Mazolla foi vice-presidente da Warner Music, presidente da Ariola Discos e, em 1996, fundou a sua própria marca, a Mza Music. Ele viveu – e vive – de perto dois momentos distintos e traça um paralelo: “O departamento artístico das gravadoras tinha de dez a 20 produtores nos anos 80 e 90. Hoje em dia, esse número caiu muito, o mercado mudou”.

Hoje, quando se fala em carreira solo, outro fator que não pode ser desprezado é a utilização de softwares e aplicativos que fazem as vezes de uma banda e auxiliam os músicos a gravar e até mesmo a recriar sons de instrumentos diversos. Assim, no próprio quarto, o artista edita e compartilha sua música nas redes. O problema é ser pescado nesse oceano onde milhões e milhões lutam por um lugar de destaque.

Terence Machado comenta que, além da derrocada das gravadoras, o impacto das redes sociais na promoção do artista, especialmente aqueles que trafegam solo pelo caminho do pop, é imenso. “Eles vendem imagem e música. Virou ao extremo, as músicas estão no YouTube, não precisa mais da MTV ou da indústria”, ressalta.

Mas o momento ruim para as bandas é definitivo ou apenas um ciclo? “Acho que é meio irreversível, mas a gente nunca sabe. Me pergunto como seria se aparecesse uma banda como os Beatles ou os Stones. Eles sobreviveriam nesse universo?”, indaga Rodrigo Merheb.

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