A peça “Rosa Choque”, que estreia hoje, faz parte do projeto Cena Espetáculo, que acompanha o processo de construção do trabalho teatral, desde o esboço de uma ideia, passando pela construção das primeiras cenas curtas até a apresentação de uma montagem de longa duração. Realizado pelo Galpão Cine Horto desde 2008, o projeto selecionou para a sua sétima edição a proposta apresentada pelos atores Cris Moreira e Guilherme Théo, que parte de uma inversão de papeis para discutir os preconceitos de gênero.
Para chegar à versão do trabalho que poderá ser visto pelo público até o dia 16 de maio, no próprio centro cultural do Grupo Galpão, a criação passou pelo crivo da seleção de um edital e pelo julgamento de duas comissões que avaliaram as cenas apresentadas, uma de oito minutos que, em seguida, se desenvolveu em um trabalho de 15 minutos. A construção foi acompanhada por debates com o público, artistas e com críticos teatrais convidados para refletir fragilidades e potencialidades da criação.
A atriz Cris Moreira relembra que foi a partir desse processo reflexivo que os atores perceberam a importância do aperfeiçoamento de uma visão mais humanista das relações e dos papéis construídos do homem e da mulher. “Embora não fosse nosso objetivo, algumas pessoas perceberam uma perspectiva maniqueísta do trabalho. As intenções nem sempre se realizam em cena. O olhar externo foi importante porque, quando estamos imersos na criação, acabamos não dando conta de certas coisas que nos escapam”, conta Cris
Ao processo, a dupla de atores, que concebeu a proposta da criação, se propôs acrescentar a densidade política da diretora Cida Falabella, que comunga os propósitos do coletivo Os Conectores, do qual Cris faz parte ao lado de Rogério Araújo e André Veloso. Criado em 2009, o grupo se denomina como “artevistas”, fazendo uso da intervenção urbana e da performance como linguagens reflexivas e questionadoras. Do trabalho do coletivo, respingam no espetáculo momentos performáticos que se entrelaçam à linguagem cênica teatral.
À equipe, somaram-se também Assis Benevenuto e Marcos Coletta, escolhidos pelo duo para introduzirem, à dramaturgia, a sensibilidade a um tema tão duro quanto é o machismo e a violência contra a mulher. “Falar do feminismo traz alguns questionamentos. Falar de qual mulher? A branca? A negra? A mulher de qual idade e de qual bairro? A trans está contemplada? Por isso, a gente se esforçou para direcionar o olhar para o ser humano. O feminismo está presente, mas, antes dele, tem um ser humano”, reflete Assis.
Ao abordar um tema tão político, impôs-se ao processo criativo do espetáculo a preocupação por não se tornar um trabalho inquisidor e panfletário. “O espetáculo cria microcenas, microilhas que não estão ligadas de forma direta, e isso contribui para que essa mania que a gente tem de conceituar as coisas até o fim não aconteça. O espetáculo não fecha, não traz uma conclusão. Se trouxesse, seria contrário à nossa forma de pensar a arte”, conta Assis.
Para ele, o espetáculo aguarda o contato com o público para revelar outras camadas da dramaturgia. “O político desse trabalho é o olhar para o outro e, nessa perspectiva relacional, a gente acredita que a peça pode se transformar, dando um caráter mais decisivo e menos introspectivo a partir dessa dimensão de tribuna que é o teatro”, diz o dramaturgo.