Artes cênicas

Alegoria em escala reduzida

Cia. dos Atores celebra 30 anos de trajetória com 'Insetos', que cumpre temporada em BH a partir da próxima quinta-feira

Por Alex Bessas
Publicado em 18 de setembro de 2018 | 03:00
 
 
 
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Com versos fáceis e um zumbido hipnótico, Raul Seixas incorporou uma mosca e foi pousar na sopa dos militares que governavam ditatorialmente o Brasil, em 1973. Muito antes, em 1915, Kafka metamorfoseou um personagem seu em um inseto, mergulhando no âmago de certo automatismo da vida ordinária. Pois, ainda hoje, fazer-se inseto continua sendo recurso para compreender aspectos da humanidade, seja por meio de uma analogia aos jogos de poder ou como lente de aumento sobre as relações cotidianas.

Agora, com o espetáculo “Insetos” – que aterrissa em Belo Horizonte na próxima quinta e cumpre temporada no CCBB-BH até dia 15 de outubro –, a Cia. dos Atores, do Rio de Janeiro, amplia esse olhar para a vida em sociedade através de uma polifônica mistura de cigarras, abelhas, besouros e gafanhotos que evoca comportamentos coletivos e individuais e questões sociopolíticas e diz, ainda, sobre as condições de vida na Terra.

O espetáculo marca os 30 anos do grupo e traz quatro de seus fundadores no elenco: Cesar Augusto, Leonardo Netto, Marcelo Olinto e Susana Ribeiro. “A gente acaba vivendo uma relação de família. Começamos com 20 anos, e agora estamos na casa dos 50! Temos a confiança de nos jogar nos braços do outro, até porque não tem mais jeito...”, brinca Susana. Um detalhe que pode passar despercebido é que outros projetos do grupo aparecem em cena, já que materiais são reutilizados e compõem o figurino da peça – que traz referências ao universo dos insetos, como antenas e asas, mas não é uma representação fiel deles.

Curiosamente, a fábula que marca as três décadas do grupo foi idealizada pelo dramaturgo carioca Jô Bilac. Ele já havia escrito para a companhia a peça “Conselho de Classe” (2014), que marcou os 25 anos da trupe. Para o novo aniversário, propôs “Insetos”. A ideia foi acolhida de pronto, afinal a primeira parceria foi não só um sucesso como também provou uma capacidade particular de dialogar com a realidade. “Logo depois que estreamos ‘Conselho de Classe’, uma peça que falava sobre a situação das escolas, tinha um quê de protesto, estouraram as ocupações de secundaristas em todo país”, recorda a atriz.

Único estreante em trabalhos da companhia, Rodrigo Portella assumiu a direção a convite dos atores, que assistiram no ano passado à peça dele “Tom na Fazenda”. “Ele foi um achado! Imagine trabalhar pela primeira vez com um grupo que está há tanto tempo junto... Ele soube ter uma escuta impressionante, só depois entrou, com observações precisas e delicadas”, elogia Susana. O reconhecimento é mútuo. Tanto que a Cia. dos Atores foi uma referência para a formação artística do diretor, como ele mesmo faz questão de frisar.

É notável que os artistas tiveram completa liberdade de trabalhar sobre o texto inédito de Bilac para chegar ao que se vê em cena. Tanto que o livro “Insetos” (Ed. Cobogó) traz tanto a versão do dramaturgo quanto a da trupe. “Há casos em que toda encenação e montagem estão a serviço de dar conta de uma história escrita por alguém. Nesse caso, não, o texto funciona como um disparador. Ele tem uma característica que eu acho muito interessante: a cada novo acontecimento no Brasil e no mundo, muitas das cenas e passagens são ressignificadas”, estabelece Portella.

 

Cenas podem ser observadas à luz do noticiário

“Insetos” é composto por um mosaico de 12 quadros que se entrelaçam. Vem à cena um imenso êxodo que desequilibra a natureza. Baratas são pisoteadas, abelhas desaparecem. Diante do colapso, uma nova ordem se impõe sob a figura autoritária de um louva-a-deus. Por vezes, a analogia entre insetos e humanos é óbvia, em outras cenas, é velada. E, assim como em “Conselho de Classe”, a realidade se cola à ficção.

“A gente estava na segunda semana da temporada, no Rio. Há uma personagem, uma joaninha, que é executada, e ela defendia algumas pautas... Então, houve a execução de Marielle Franco, e a cena ganhou outra conotação”, observa Susana, lembrando também que o tema do militarismo já estava presente no espetáculo e, então, com a intervenção federal no Estado, o público passou a fazer a associação. Ela lembra, no entanto, que as personagens não se relacionam a pessoas reais de forma direta. “Na peça, estão representações de forças, não de pessoas, afinal precisamos pensar e refletir sobre essas situação de caos e colapso que vivemos”, pondera. Esse dinamismo do espetáculo, abrindo possibilidade que as cenas sejam observadas à luz do noticiário mais recente, é também notável na cenografia de Augusto e Beli Araújo, composta por pneus, que são manipulados pelo elenco.

“Insetos” já passou por quatro Estados antes de chegar a Minas Gerais. No percurso, a atriz observa que o espetáculo “se comunica e provoca o público de forma muito frontal”, causando reações nas amigas de sua filha, de 13 anos, e nos amigos do seu pai, de 70. “O grande mérito é esse, essa abrangência de compreensão”, comenta Susana, que ressalta ser algo facilitado pelo uso do humor, o que dá leveza à fábula.

Agenda

O que. Espetáculo “Insetos”, da Cia. dos Atores

Quando. Do próximo dia 20 ao dia 15 de outubro, de quinta a segunda-feira, às 20h

Onde. CCBB-BH (praça da Liberdade, 450, Funcionários)

Quanto. R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia)

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