Homenagem

Caetano Veloso, 77 anos de uma beleza inesquecível

Compositor leonino é autor de clássicos da música popular brasileiro e foi um dos artífices da Tropicália

Por Juliana Magalhães
Publicado em 12 de agosto de 2019 | 17:24
 
 
 
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Penso em 1967. Ano que ainda não existia o domingo no parque. Era um Domingo de ventania que balança saias de meninas em uma praça longe do mar, ainda que estivesse acesa a memória viva e líquida da atmosfera baiana: onde eu nasci passa um rio. Rio esse que não deságua apenas no mar. Atravessa e deságua no lirismo de Caetano Veloso. O disco de lançamento de Caetano e Gal Costa, Domingo, possui qualquer aspiração perene: brisa verde, verdejar/vê se alegra tudo agora.

Há sol e há lua. Há o amor presente em distância e em quimera. Há Caetano num gesto de tamanha delicadeza, rogando ao sabiá para dizer o que precisa ser feito para não morrer de amor, em Zabelê. O suspiro pela saudade do mar e de todos os simbolismos que refletem a Bahia como um fim de tarde que nunca passa. Um domingo insólito, consumido não pela monotonia característica do dia, mas pelo sentimento afável em ritmo bossa-novista e por reflexões líricas.

Em 1968, distanciou-se da suavidade irretocável de Domingo, rompendo com o molde esférico e leve da bossa nova. São tempos de Terra em Transe do Glauber Rocha e de leituras provocadoras de Brasil. A beleza agora é totalmente outra e o tropicalismo começa a dar o seu primeiro respiro no disco Caetano Veloso – 1968. No centro da capa vermelha há Caetano, rodeado de uma paisagem intrépida: uma mulher de cabelo laranja com folhas verdes na cabeça e com uma cobra no corpo; um dragão; bananas e mais folhas verdes.

A faixa inaugural do disco não é só início do Tropicalismo, é um início de um olhar primeiro de Brasil. Um trecho da Carta de Pero Vaz de Caminha: o primeiro registro histórico e literário do país. Nesse disco há Carmem Miranda, Iracema, Brigitte Bardot, Coca-Cola, Bahia, entre outros símbolos modernos que nos inserem num espaço-tempo. Caetano explode a linguagem e a música utilizando-se antropofagicamente de vários elementos. Navegar é preciso. E experimentar também.

No ano em que o compositor completa setenta e sete anos de vida eu poderia discorrer ou fazer infinitas análises críticas sobre mais discos geniais de Caetano Veloso: Tropicália ou panis it Circense(1968); Transa – 1972; Jóia- 1975; Muito(Dentro da estrela azulada) (1978); Cinema Transcendetal(1979) entre tantas obras intocavelmente bonitas, lúdicas, políticas e inteligentemente pensadas por Caetano Veloso para o ‘terceiro mundo’. Mas não quero falar sobre isso. Quero falar da beleza viva que é Caetano. Em tempos trágicos de Brasil, é significativo e revigorante saber que Caetano Veloso respira e pensa brilhantemente há 77 anos.

Ele nos faz crer que viver e criar grande ainda é possível. E resiste: à ditaduras, exílios, censuras, ódios. Resiste à própria função do tempo. Artista e belo. O canto de Caetano há 77 anos faz ecos e mais ecos em diversos mundos dentro de um só Brasil e em diversos mundos dentro da gente. ”A beleza salvará o mundo” disse Fiodor Dostoiewski. Eu acredito nesses dizeres porque acredito, sobretudo, em Caetano Veloso.

Caetano Veloso. Penso nesse nome por mais algum tempo, ajeito os meus óculos de grau no rosto e encaro a tela em branco, que numa espécie de diálogo silencioso que estabelecemos, implora por mais algum ruído que precisa iniciar no meu cérebro e terminar no movimento dos meus dedos. Esse diálogo nunca me assombrou ou causou algum tipo de intimidação. É sobre a beleza dele que eu quero dizer, repito para mim.

Mas eis que me ponho aqui, a escrever sobre o meu artista brasileiro preferido que se chama Caetano Veloso. Olho por muito tempo essa tela, tento vasculhar na minha cabeça as palavras que conheço para dizer algo sobre ele e falho. As palavras me encontram, é o que sempre pensei. Mentira. Elas também se esquivam ou simplesmente somem. Nessa incapacidade de dizer, descubro que a grandeza de Caetano me espanta a ponto de transformar a minha busca pelas palavras certas num exercício quase impossível.

Nunca sei escrever nada tão inteligente ou interessante sobre Caetano Veloso. Nada que se compare e muito menos que o supere. É difícil falar sobre alguém que já disse ou já pensou sobre tudo. E continuo achando, que aqui e agora, nessa tela, nessas duas páginas desse jornal, eu não disse absolutamente nada.

No fim, o silêncio que faço agora é a minha maior declaração de amor.

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