Música

Francis Hime celebra 80 anos com 'Hoje', álbum com 12 canções inéditas

Chico Buarque, Adriana Calcanhotto, Lenine, Sérgio Santos e Olivia Hime marcam presença com participações especiais

Por Raphael Vidigal
Publicado em 19 de novembro de 2019 | 03:00
 
 
 
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O novo disco de Francis Hime nasceu de um sonho. Esta era uma prática comum do cineasta italiano Federico Fellini (1920-1993), que costumava dormir nos sets de filmagem e, ao acordar, escrevia e desenhava as imagens que lhe tinham aparecido durante o sono, a fim de tirar ideias para suas obras. 

Mas, no caso de Hime, foi tudo por acaso. “Isso nunca me tinha acontecido. Sonhei com uma música e, meio dormindo, gravei no celular para não perder”, conta. A melodia de Hime acabou “cotejada”, como ele expressa, com um poema de Tiago Torres da Silva, escritor e dramaturgo português que iniciou parceria com o anfitrião há dez anos, no álbum “Fado Mulato”. Com a voz de Lenine, a recente “O Tempo e a Vida” se tornou um blues rascante. 

O pernambucano é outro companheiro de Hime de longa data e esteve presente em um trabalho do compositor carioca pela quarta vez. A primeira foi em “Sinfonia do Rio de Janeiro de São Sebastião”, nos anos 2000. “Lenine é um artista completo, um dos maiores músicos do Brasil, porque ele vai do rock à MPB”, exalta Hime. 

“Hoje”, título de uma discografia inaugurada em 1965 com o LP instrumental “Os Seis em Ponto”, no qual atuava como pianista, também aposta na diversidade. O próprio compositor fez questão de destacar na ficha técnica os gêneros das faixas, que passam por choro, samba, valsa, seresta, beguine, blues e canção. “A música brasileira é um manancial inesgotável de inspiração, sempre explorei essa diversidade”, afiança Hime.  Já o funk marca presença no título da faixa “Samba Funk”, com letra do belo-horizontino Geraldo Carneiro, integrante da Academia Brasileira de Letras. 

“Esse poema estava na gaveta há um tempo – tenho muita coisa guardada que espero maturar. Saiu uma música mexida, animada. Pedi ao (saxofonista) Marcelinho Martins e ao (trompetista) Jessé Sadoc, que são uma dupla incrível, para improvisarem livremente e acho que ficou bem ao espírito do Geraldinho”, opina ele. 

Presente

O conjunto de 12 inéditas conversa com o futuro e o passado, porém ele é, acima de tudo, um testemunho do presente do cantor. “É uma mostra da minha produção atual, eu quis lançar logo para dar tempo de comemorar os meus 80 anos”, confirma o entrevistado, que aniversariou em 31 de agosto. “Desdenhosa”, que abre os trabalhos, é um chorinho letrado por Hermínio Bello de Carvalho, cujo currículo traz composições com os ídolos Pixinguinha e Jacob do Bandolim. 

Ao esquecer a modéstia, Hime resolveu convidar Hermínio para colocar letra no “choro mais bonito que tinha feito até hoje”. Não é pouco para quem criou, com Chico Buarque, a célebre “Meu Caro Amigo” (1976), carta em formato de música para o dramaturgo Augusto Boal (1931-2009), à época exilado em Lisboa. 

A clássica canção foi rebobinada por Hime em 2019, numa celebração à libertação do ex-presidente Lula, um dos assuntos recorrentes nos e-mails trocados entre o pianista e Chico Buarque. “Falamos muito sobre política, às vezes de futebol. A gente não sabe o dia de amanhã, a situação do Brasil é preocupante, tememos algo que parecia impossível, que é a volta da ditadura, a censura já está instalada”, denuncia. 

Apesar dos pesares, a música voltou a reunir os dois velhos amigos, que não compunham juntos desde a política e emblemática “Vai Passar”, de 1984. Feita com a esposa Olivia Hime, “Laura” ganhou a interpretação e “um pitaco” de Chico, que sugeriu substituir a palavra “princesinha” por “prenda minha”. A homenagem para a neta do casal Hime foi envolta em laços de família. “Chico é padrinho da minha filha Luiza, que, por sua vez, é madrinha da minha netinha Laura”, revela o músico, que não descarta a possibilidade de voltar a compor com Chico e “comparecer nas famosas peladas” do compadre. “Eu ficava só na banheira e marcava gols antológicos”, diverte-se. 

O esporte mais popular do país é o tema da ainda inédita “Ópera do Futebol”, com músicas de Hime e libreto de Silvana Gontijo. O compositor aproveitou a deixa para incluir, no disco, “Pietá” e “Jogo da Vida”, esta com a participação especial do cantor mineiro Sérgio Santos. 

“Há três anos quase encenamos a ópera em São Paulo, mas, por problemas de produção, tivemos que cancelar”, lamenta Hime, que segue cheio de planos. “Não abro mão de viver pelo menos até os 100 anos. Tenho projetos eruditos e populares. Antigamente, eu morria de medo do palco, mas, agora, adoro conversar, dar autógrafos e cantar”, conclui. 

Encontros

Quase no final do prazo, Francis Hime, 80, recebeu a letra “inteligente e bem-construída, ao estilo” de Adriana Calcanhotto. “Feito azaleias na caatinga/ Guaraná na goiabeira/ Araucárias em Brasília”, dizem os versos de “Flores pra Ficar”, que apresenta um dueto de Hime com a cantora gaúcha. “Adriana é uma artista muito importante, sou admirador da delicadeza que ela traz na voz”, elogia Hime.

Professora do curso de letras da Universidade de Coimbra, em Portugal, Adriana veio ao Brasil especialmente para participar da gravação. Curiosamente, Hime passava férias em Lisboa quando enviou um samba para Thiago Amud, um dos nomes mais incensados da nova geração de compositores. Ao receber a letra de Amud, a música ganhou o nome de “Sofrência”, termo desconhecido por Hime “até outro dia”, admite. 

“Conheci o Thiago graças ao Guinga, e logo começamos a compor juntos. Ele é um poeta contemporâneo, muito perspicaz e ligado nos cantos que tomam conta do Brasil”, afirma. Hime chegou a pensar em “Sofrência” para abrir o disco. O arranjo e a letra conquistaram o coração do pianista. No entanto, a fascinação com “Desdenhosa” pesou mais, até pela memória afetiva do autor.

“O choro é um dos ritmos que mais ouvi na minha vida, de Pixinguinha a Chiquinha Gonzaga”, diz. Hime também se orgulha das parcerias com Paulo César Pinheiro, na melancólica “Soneto de Ausência”; e com Ana Terra, com quem assina a apaixonada “Mais Sagrado”. “Mais do que parcerias, esse é um trabalho de encontros, amizade e muito amor”, resume ele. 

Disco

“Hoje”, o novo disco de Francis Hime, apresenta 12 canções inéditas e traz as participações de Lenine, Chico Buarque, Adriana Calcanhotto, Sérgio Santos e Olivia Hime.

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