Mesmo sem nunca ter ido ao Japão, Kleiton Ramil deve à Terra do Sol Nascente a motivação para escrever seu romance de estreia, “Kyoto”. Autor de sete livros de não ficção sobre assuntos tão diversos como sonhos, psicologia, técnicas de respiração e, naturalmente, música, o romancista é mais conhecido por integrar a dupla Kleiton e Kledir. Ávido leitor de autores que vão de James Joyce a Daniel Galera, o gaúcho confessa nunca ter pensado em escrever uma ficção de próprio punho.
“Sempre achei a vida real muito interessante”, diz Ramil. “Então eu pensava: ‘porque vou escrever algo ficcional se a vida é tão mágica, tão maravilhosa – pelo menos no ambiente que eu vivo, de música, de espetáculos, de criação?’”. Assim, foi somente depois de conhecer a obra do japonês Haruki Murakami, autor de obras como “IQ84” e “Kafka à Beira-Mar”, que veio a Kleiton a vontade de desenvolver um enredo de sua própria autoria. “Encontrei nos livros dele uma maneira de escrever romance, um jeito claro, detalhista, mas tranquilo”, conta.
Depois disso, vieram os esboços, mas nenhum deles tinha força o bastante para se tornar uma grande história. Então, Kleiton se deparou, em um jornal carioca, com uma reportagem sobre o bambuzal de Kyoto, cidade que foi capital do Japão até 1868. “Dizem que bate um vento entre os bambus que se transforma numa espécie de melodia. Isso acabou mexendo com meu lado músico e aguçou essa sensibilidade – foi o ponto de partida para o livro”.
“Kyoto”. A história do romance gira em torno dos desencontros amorosos entre Murano, músico nascido no Sul do Brasil, e Naomi, japonesa filha do poderoso Akio – que proíbe o envolvimento dos dois amantes e a leva de volta para o Japão. Akio quer que a filha se case com um homem poderoso, não com um músico brasileiro, e a coloca em uma prisão de luxo em sua mansão. Murano e Naomi, cada qual a seu jeito, buscam formas de superar esse obstáculo.
Com uma escrita leve, clara e direta, “Kyoto” trata das aproximações, dos afastamentos e do reencontro dos amantes. São 36 capítulos, repletos de diálogos e com referências ao mundo da música – como aos compositores eruditos Richard Wagner e Maurice Ravel.
As semelhanças entre o protagonista e o escritor – gaúcho, músico, residente na capital fluminense – não são mera coincidência. “Acho que, sob uma ótica mais profunda, tudo o que os ficcionistas escrevem é uma fotografia interior deles mesmos”, analisa Ramil. “Simplificando, os personagens têm, sim, traços biográficos. Criei um personagem músico porque é um ambiente que eu conheço e domino, assim posso trazer assuntos mais interessantes para a história”.
Além disso, o autor também se debruçou sobre materiais de estudo e se deixou influenciar por vivências de outras pessoas. “Fiz muitas pesquisas, naturalmente, para poder criar ambientes e situações dentro da história. Acho que esse é um dos maiores prazeres da escrita. Outro é justamente a criação dos personagens: você cria um ser que se torna seu amigo”, diz Ramil, cuja primeira incursão como ficcionista mostra que não é apenas uma experimentação: o gaúcho comemora já estar trabalhando em esboços para um novo trabalho.