Em certo momento, no meio da tempestade que dá título ao novo longa de Hirokazu Koreeda, o detetive Ryota (Hiroshi Abe), seu filho Shingo (Taiyô Yoshizawa) e sua ex-esposa Kyoko (Yôko Maki) saem correndo atrás de bilhetes de loteria carregados pelo vento incessante. É uma cena poética e carregada de sentido, em que o diretor japonês tenta mostrar a seu protagonista que aquele momento, aquela cumplicidade, aquela união é o prêmio valioso de verdade. Não o dinheiro que os bilhetes podem trazer.

Não que Ryota entenda totalmente a lição. Porque as pessoas não mudam quem elas realmente são. Elas são imperfeitas. E ainda assim, é possível amá-las e entender sua dor.

E esse forte teor humanista é a matéria-prima de “Depois da Tempestade”, belíssima obra de Koreeda que estreia nesta quinta-feira (17) nos cinemas. O longa acompanha Ryota, escritor fracassado que paga as contas como detetive. Ou não paga as contas, já que usa quase todo seu dinheiro apostando em corridas. O que fez a ex-mulher Kyoko – cuja vida ele espiona obsessivamente – pedir o divórcio. Durante o 23º tufão do ano no Japão, porém, eles acabam presos na casa de Yoshiko (a ótima Kirin Kiki), mãe de Ryota, e o protagonista tem sua última tentativa de conquistar sua família de volta.

O melhor de “Tempestade” é que Koreeda não faz disso um grande dramalhão moralista. O filme é uma pequena crônica da sociedade japonesa contemporânea, narrada pelo cineasta com um humor sarcástico afiado e um olhar nada romântico sobre seu protagonista.

Ryota é frustrante, imaturo e, em alguns momentos quando interage com o filho, quase imperdoável. E Koreeda não tenta idealizá-lo, pelo contrário: ele é alvo de piadas de Kyoko, do colega de trabalho e da própria mãe, que enxerga perfeitamente as falhas do filho que tem, tenta em vão corrigi-las, e o ama mesmo assim.

Nos diálogos inteligentes e impecáveis, você vai rir e se emocionar com esses personagens porque eles são seres humanos que o excelente roteiro de Koreeda torna absolutamente próximos e universais. Pessoas que sofrem a tempestade e, mesmo sem saírem ilesos, sobrevivem e seguem em frente. E essa é a grande riqueza e o grande trunfo do filme.

Mais estreias

Julio Andrade protagoniza duas das sete novidades: o drama médico “Sob Pressão” e a adaptação literária “Maresia”. O cinema nacional ainda oferece “O Amor de Catarina”, com a youtuber Kéfera, e o documentário “Marias”, sobre religião no país.

A fé também está presente em “As Confissões”, que acompanha um monge em uma reunião do FMI; e em “Um Estado de Liberdade”, que traz Matthew McConaughey como um líder messiânico na Guerra Civil dos EUA. Mas quem quer um mistério mais policial e menos religioso pode ir de “Creepy”, que marca o retorno do japonês Kiyoshi Kurosawa ao terror.