Perfil

O brasileiro que renovou o jazz

Aos 27 anos, Amaro Freitas lança o segundo disco pelo selo inglês Far Out, realiza turnê na Europa e redimensiona o gênero centenário

Por Raphael Vidigal
Publicado em 19 de novembro de 2018 | 03:00
 
 
normal

Mar que arrebenta quebrando nos arrecifes. É assim que Amaro Freitas, 27, entende o seu Estado natal, batizado com palavras em tupi-guarani que deram origem ao nome Pernambuco. E o entendimento, claro, ultrapassa a mera questão caligráfica para alcançar o profundo sentido presente em cada uma das letras. Nada é por acaso na terra do frevo, do samba de coco e do maracatu, onde nasceram Capiba, Luiz Gonzaga e Alceu Valença.
 
“Fui a uma festa de São João no interior, numa cidade chamada Arcoverde, e me deparei com várias bandas de coco que tocavam em tablados de madeira. Aquilo me influenciou, assim como ver o Marco Zero no Carnaval e atravessar de barco os arrecifes. São coisas que me emocionam”, afiança Freitas, nascido na capital, em Recife. Depois de debutar em disco com “Sangue Negro” (2016), ele agora coloca na praça “Rasif”.

Original. O título do álbum retoma a questão das origens tão incrustada no trabalho do músico, repetindo a relação das algas com as pedras nos mares da região. Foi da palavra árabe “rasif” que nasceu “recife”, a primeira significando “estrada pavimentada”. O interessante é que esse contato com outras línguas – e, por que não dizer, “linguagens” – tem tudo a ver com a música de Freitas. “Acusado” de renovar o centenário jazz, ele colhe frutos dentro e fora do Brasil.

Tanto que o novo disco sai pelo selo inglês Far Out, pelo qual já passaram Joyce Moreno, Marcos Valle, Arthur Verocai e a banda Azymuth. Outra prova do sucesso no Velho Continente é a turnê que ele empreende com seu trio, com passagens por Portugal, Espanha, França, Alemanha, Inglaterra e Suíça. Em janeiro, o pianista retorna para as Américas e se apresenta em São Paulo, Buenos Aires e Salvador. A agenda lotada, no entanto, não o distancia do essencial.

Sobre a tal renovação, Freitas explica: “Culturalmente, nossa música tem uma tradição binária. O frevo é binário, o samba é binário. Isso é maravilhoso. Mas o que propomos é trabalhar outras estruturas rítmicas de compasso. Dentro do frevo, do samba, do coco, do baião, há muitos caminhos polirrítmicos que dão um novo sabor a essa música”, diz. Ao longo de nove faixas, o entrevistado coloca esse discurso em prática. “Trupé” e “Afrocatu” são referências explícitas a ritmos consagrados em Pernambuco.

Já “Plenilúnio” retoma o convívio com a natureza ao se inspirar numa das fases da lua, em que ela se define pela completa iluminação. “Tento fazer uma música que seja uma paisagem fotográfica da realidade”, sublinha o compositor. O disco é totalmente instrumental, mas Freitas teve outro momento de destaque recentemente, quando foi chamado a participar em duas canções do conterrâneo Lenine, para o CD e DVD “Em Trânsito”.

Gerações. O convite partiu do autor de “Paciência”, que depois de assistir a um vídeo na internet foi ao Rio presenciar, na boate Blue Note, as habilidades do novo pupilo. “Não tivemos tempo para ensaiar, foi tudo feito na hora, e deu certo. O Lenine disse que a música que eu faço, apesar de ser diferente da dele, tem uma grande representatividade sobre Pernambuco, o Brasil e o que está acontecendo no mundo atual”, revela Freitas.

Criado em um ambiente familiar fervorosamente evangélico, o músico traz na memória a primeira música que o tocou: “Viverei e Viverás”, um dos muitos hinos religiosos que o pai cantava. “Hoje já não tem a ver com o que eu faço, mas tem um valor afetivo”, admite ele, que coloca na lista de seus ídolos nomes como Moacir Santos, Naná Vasconcelos, Thelonious Monk, Chick Corea e Vijay Iyer.

Observação foi o ponto de partida para descobrimento

Sem formação clássica no piano, Amaro Freitas estudou produção fonográfica e se formou em um curso “mais voltado para o mercado da música”, como ele diz. O desenvolvimento junto ao instrumento que ele escolheu para a vida teve como ponto principal a observação. “Eu prestava atenção em cada pianista a que assistia e depois fazia mil perguntas”, confessa.

A paixão pelas teclas envolve o interesse por engenharia e possibilidades sonoras. “O piano é o instrumento do arranjador, ele tem uma complexidade fascinante”, diz. Freitas é um dos presentes no CD “Arrisque!”, que lista 18 destaques contemporâneos da música pernambucana.

Notícias exclusivas e ilimitadas

O TEMPO reforça o compromisso com o jornalismo profissional e de qualidade.

Nossa redação produz diariamente informação responsável e que você pode confiar. Fique bem informado!