“Sintonia” estreou na Netflix para provar que o audiovisual brasileiro tem conseguido tratar a periferia com um olhar de quem vive esta realidade. Hoje, em séries e filmes, a vida nas comunidades mais pobres das grandes cidades tem sido abordada sem romantização nem maniqueísmos.
Em parceria com a Kondzilla e a Losbragas, a Netflix volta seu holofote para a cultura do funk fora do Rio. Ambientada nos bairros mais pobres de São Paulo, “Sintonia” traz não só a música, mas também os sonhos de jovens que vivem nessas comunidades.
O maior trunfo da atração – cuja primeira temporada possui seis episódios – é mostrar que nada tem apenas dois lados. Os protagonistas Doni (MC Jottapê), Nando (Christian Malheiros) e Ritinha (Bruna Mascarenhas) cresceram num mesmo ambiente, mas enxergam o sucesso de formas bem distintas. Enquanto Doni sonha em ser um astro do funk, Nando acredita que, para ele, o sucesso só pode vir do crime. Já Ritinha faz seus “corres” e deixa seu barco seguir a correnteza. Nenhum deles é bom ou mau. Todos são jovens tentando vislumbrar um futuro fora da pobreza. Quem vai julgar?
Enquanto conta as histórias e os apertos de seus personagens, a série também discute questões como o racismo, a violência policial, o papel da religião e o tráfico, claro. É boa a cena em que Doni, jovem branco, passa pela polícia sem levantar suspeitas durante uma batida, enquanto Nando, negro, é parado, maltratado, revistado, ameaçado e preso. O bacana é que essa passagem não está lá só para fazer uma denúncia. Ela faz parte do contexto da trama.
Outra sequência que vale destaque é a que retrata a igreja ora como refúgio, ora como caça-níquel. A atriz Fernanda Viacava encarna com competência a pastora Sueli, figura que apresenta ao público o passado de Ritinha e dá base para o espectador se conectar com a personagem.
Com “Sintonia”, a Netflix prova, mais uma vez, que está disposta a apostar em projetos ousados, sem elenco estrelado. Bacana é ver séries como “3%”, uma ficção ambientada em um futuro distópico, ganhando espaço no exterior. “Sintonia” também causou barulho lá fora, ganhando análises da imprensa, impressionada com o universo da favela e do funk.
Pontos altos e baixos da série
Christian Malheiros
Ator que cresceu na Baixada Santista, no litoral paulista, dá vida de forma intensa ao jovem Nando, um rapaz que vê no crime uma forma de ascensão social, mesmo sendo um cara gente boa e pai de família.
Questões sociais
A série consegue abordar temas de relevância social de forma interessante e nada forçada. Questões como a truculência policial, o racismo e a proliferação dos cultos evangélicos têm boas inserções na história. Na figura de Rita e da pastora Sueli, a série abre uma discussão interessante sobre o papel da religião nas comunidades carentes.
Trilha sonora
O funk é praticamente um personagem na trama, que traz o “fluxo” – os bailes de rua nas favelas – como grande ponto de encontro dos personagens. A série tem um MC no papel principal, Jottapê, e traz Leilah Moreno como a MC Dondoka. A trilha, claro, é assinada por Kondzilla.
Caracterização
O figurino é bacanérrimo e coloca a série definitivamente em São Paulo. As gírias também são bem paulistanas e, às vezes, demandam um certo esforço de compreensão.
Diálogos
Está certo que cada episódio de “Sintonia” tem, em média, 40 minutos, mas o ritmo dos diálogos poderia ser menos recortado. Fica faltando informação para o público saber o que pensam esses jovens personagens.
Superficialidade
Por mais que o retrato da periferia seja bem feito, a série poderia ter cenas melhor construídas para mostrar a real da vida dos personagens, em especial de Nando e Ritinha, destaques da trama.
Direção
Em contraponto à superficialidade de algumas cenas, a direção de Kondzilla e Johnny Araújo colocam o público dentro do “rolê”.