O poeta Mario Alex Rosa confessa que não imaginava que a pandemia pudesse afetar de tal modo a sua escrita. "Na verdade, sinto que mesmo depois de praticamente um ano já, sinto que ainda estou afetado. Diria mesmo triste, com tudo que vem acontecendo no mundo, em particular no Brasil", confessa.
Não por outro motivo, o mineiro reconhece que escrever foi uma via de salvação. "Aliás, tem sido uma salvação. Naqueles primeiros meses de 2020, consegui me salvar de muitas tristezas, de uma melancolia, de muitos medos. O tempo todo queria saber como estavam as pessoas mais próximas. Hoje, continuo assombrado e torcendo que as vacinas cheguem a mais pessoas", confessa ele, acrescentando que, mesmo com o alívio que elas (vacinas) trazem, não podemos por ora relaxar.
Atento e forte, Rosa lançou, no final do ano passado, "CASA" (Editora Leme), livro que já de pronto chama atenção pelo belíssimo projeto gráfico (assinado por Elza Silveira, com sobrecapa de João Diniz), e ilustrações de Ronald Polito e Wallison Gontijo. Aliás, Polito assina o prefácio, sendo também um dos nomes citados pelo autor na dedicatória.
O título faz uma analogia com o espaço que mais frequentamos nestes meses de suspensão social. Quarentenado, o ser humano passou a se atentar mais para o espaço que lhe serve de guarita, por vezes encontrando conforto, ainda que sob a ameaça constante de um vírus que pode ser mortal. E foi neste período de distanciamento que a obra foi gestada. Poemas curtos, de apenas três versos, mas plenos de significados. Desta vez, as palavras ganharam vida por meio de um caderno com pauta, que ele ganhou dos amigos Elza e Wallison (citados no parágrafo anterior). Até então, Alex Rosa trabalhava mais amiúde com folhas em branco. "Não sei como cada poeta pensa seus livros. No meu caso, compro ou até mesmo ganho cadernos sem pauta. São neles que vou rascunhando novos poemas. São nesses cadernos-livro que andam dentro de mim que poderá sair um novo livro ou não", descreve. No caderno sem pauta, acrescenta, a escrita pode correr para qualquer lado. "Há uma liberdade naquele espaço todo branco. No caderno com pauta, ao contrário, pois parece que temos que seguir aquelas linhas. Parece que estamos limitados não só por aquelas linhas mas também pelos intervalos entre uma e outra. Então, a experiência com caderno com pauta foi como me impor um limite de escrever equilibrando a palavra sobre cada linha e sem estender o verso, ainda que sobrasse o resto das linhas da esquerda ou da direita".
Evidentemente, nem todos os poemas que emergiram neste período tão intenso foram no livro apresentados. "No processo da escrita, mostrei vários para minha companheira Michele (Mello, a quem o livro também é dedicado), e ela, com seu olhar muito crítico, reprovou diversos. Leitor de poesia, o jovem crítico Rafael Fava Belúzio também trouxe comentários essenciais sobre alguns poemas. Depois pedi o meu amigo poeta Ronald Polito para fazer uma leitura crítica e (avaliar) se os poemas serviam para alguma coisa. Mas a Michele e sobretudo o Ronald foram fundamentais para o processo final do livro. Aliás, o Ronald fez o prefácio e contribuiu com o desenho que está na contracapa do livro", conta.
Por fim, Mário Alex fez a sua própria peneira, procurando um equilíbrio entre os cômodos básicos de uma casa. "Com tudo isso o livro só existe da forma que saiu graças aos editores Wallison e Elza, da Impressões de Minas, que não só aprovaram como cuidaram muito bem da minha casa". O autor reforça, porém, que os poemas foram acontecendo sem o critério da divisão que ficou posteriormente no livro, com seus cinco cômodos: sala, cozinha, área de serviço, quarto e banheiro.
Aliás, a pedido da reportagem, Mário Alex escolheu cinco poemas, um de cada cômodo da casa, para que o leitor possa ter uma breve ideia do livro. Mas resssalvou: "Comentar os próprios poemas pode parecer certa pretensão, mas pode ajudar elucidar esse gênero tão coberto por metáforas".
Cômodo Sala
"quanto tempo
o tempo demora
na quarentena?"
Mário Alex: "Penso que na sala é o lugar onde ainda sentamos para refletir sobre algo das nossas vidas. Como estamos confinados dentro de casa, acredito que a ideia de tempo começou a ser observada de outra maneira do que a do nosso velho cotidiano".
Cozinha
"ovo quebrado
na frigideira
um sol"
"No período de maior isolamento tomar sol ao livre ficou mais difícil. Mas vê-lo imageticamente na gema de um ovo poderia ser um consolo. No prefácio, Ronald Polito fez uma brevíssima e bela leitura desse poema".
Área de Serviço
"estendida no varal
a roupa espera
uma nova era"
"Embora há uma simplicidade nele, me pareceu que era uma boa metáfora do corpo que espera uma outra era".
Quarto
madrugada fria
na noite sozinho
velo seu sono
"No cômodo Quarto, diante de tanta insônia velar o sono de quem está ao lado dormindo poderia ser um afago".
Banheiro
"no espelho
a solidão
é de dois"
Talvez seja nesse espaço que temos a liberdade da solidão.
Na sua opinião, qual papel a poesia exerce hoje, no mundo? Ou a arte, em um pensamento mais amplo?
Mesmo estando confessadamente abatido com os rumos do país ("quando temos um governo desastrado, sem nenhum projeto para o país"), ele entende que a poesia, assim como no passado, será sempre uma “reserva ecológica de palavras”, da qual cada leitor pode retirar, ler o que mais lhe agradar. "Há livros de poemas ou mesmo poemas isolados que podem nos servir em diversos momentos da nossa vida. Carlos Drummond é um exemplo clássico, pois, lendo sua obra, podemos entender um pouco da nossa existência. Então, se cabe a poesia exercer algum papel, é o de nos acordar de sentimentos talvez adormecidos, sejam eles amorosos, políticos, sociais ou ecológicos. Em todas essas instâncias precisamos procurar reconhecer a linguagem trabalhada por cada poeta em cada poema. Não me parece diferente pensar assim também sobre as outras artes".
Confira, a seguir, outros trechos da entrevista
Como estão seus dias, atualmente, em que estado de espírito você se encontra, que pensamentos te assolam, o que pensa que pode ser o aprendizado de tudo isso? Os meus dias estão sempre na esperança que essa vacina chegue logo e a vida volte ao que era antes, pois essa coisa de “novo normal” não é para mim e acho que para ninguém. Espero não precisar escrever mais nenhum poema e muito menos um verso que possa remeter a essa angústia desse mundo pandêmico. Muitas vezes aprendemos na adversidade, infelizmente. Mas se posso aprender algo desse horror, é jamais esquecer a palavra solidariedade.
Na sua opinião, a pandemia atrapalhou a carreira do livro? Em parte sim, pois não fizemos o lançamento presencial, que é quando reencontramos as pessoas para um abraço. Por outro lado, e graças à internet e às novas plataformas, podemos aproximar pessoas distantes e que não poderiam estar fisicamente presentes para um lançamento. Agora é evidente que com a pandemia que se juntou com a crise financeira das pessoas que necessitam de comprar outros produtos como alimentos, a venda do livro está mais lenta, o que é compreensível.
No mais, quais são seus planos para 2021? Está trabalhando em outro projeto? Segue escrevendo poesia? Mesmo com tantas incertezas - afinal, estamos infelizmente em plena pandemia -, entendo que precisamos continuar a trabalhar. No momento, tenho me debruçado sobre um livro de poemas que, na verdade, comecei em 2010. Tenho também me dedicado a três livros infantis. Gostaria muito de publicá-los, sobretudo os infantis.
O que tem lido, ouvido e visto de interessante? Estou lendo e relendo quatro livros de poemas que saíram no final de 2020: "Terrário", da poeta Simone Andrade Neves, "Um bicho, dois gravetos, quatro pingos", que é a estreia da poeta Adriana Versiani no universo infantil, "Poesia Completa do Cacaso" e "Arremate", do poeta Armando Freitas Filho. Recentemente comecei a ler o volumoso livro "Poesia completa Emily Dickinson – volume I", com mais de 800 poemas, cuja tradução, notas e posfácio foi do professor Adalberto Muller. Tenho ouvido muito as músicas do rapper Emicida. Vi no ano passado (dezembro) a exposição em comemoração ao centenário do grande artista Amilcar de Castro, na Galeria de arte do Minas Tênis Clube.