Costelinha de porco e moela de frango foram os ingredientes principais do Arroz de Quintal, prato que garantiu a vaga do belo-horizontino Caio Soter, de 30 anos, na segunda temporada do reality “Mestre do Sabor”, na TV Globo. No episódio de estreia, no dia 7 deste mês, o mineiro foi apresentado aos jurados da competição e conquistou o paladar do lisboeta José Avillez e do também mineiro Leo Paixão – ambos compõem o júri do programa ao lado da chef carioca Kátia Barbosa. A apresentação é de Claude Troisgros e de seu fiel escudeiro, Batista.
Apesar da presença do conterrâneo – o restaurante de Paixão fica a dois quarteirões do Alma Chef, estabelecimento onde Soter comanda a cozinha, no Lourdes –, o competidor mineiro optou por seguir na disputa integrando o time do cozinheiro português. “Quero levar Minas Gerais para o mundo”, justificou após a escolha.
A estratégia de Caio Soter, entretanto, não deu certo. No meio do reality, que foi gravado durante a pandemia do novo coronavírus, Avillez precisou sair do programa para retornar a Portugal para ajudar alguns de seus funcionários. Para o lugar dele, a emissora contratou o chef carioca Rafael Costa e Silva, que estreia justamente no programa nesta quinta-feira (28), que vai ao ar logo após a novela “Fina Estampa”.
“Essa talvez tenha sido uma das partes mais duras do programa, ter que me despedir do Avillez, que sempre foi um ídolo pra mim e é um cara muito bacana. É difícil ter que mudar os planos no meio do caminho, mas são coisas que fogem do nosso controle, né?”, comentou Soter com O Tempo.
Carreira. Caio Soter comanda a cozinha do restaurante Alma Chef há um ano, quando optou por abandonar de vez seu escritório de advocacia. “Nem nos meus melhores sonhos eu imaginaria que chefiaria aquele restaurante”. Há uma década, em um intercâmbio em Montana, nos Estados Unidos, Soter teve seu primeiro contato com a cozinha, lavando pratos em um restaurante. Na época, ainda cursava direito e chegou a se formar. Porém, foi chefiando a cozinha de um grande restaurante que ele descobriu sua real vocação.
Sua relação com a comida está no prato, em que explora produtos mineiros com técnicas apuradas, e também no contato estreito que faz questão de estabelecer com os pequenos produtores do Estado. Agora, sendo o único representante do Estado, Soter sabe que o retorno, como campeão ou não, será diferente. “Uma coisa é ser um chef conhecido aqui, em Belo Horizonte, outra coisa é estar em horário nobre na TV Globo, falando para o Brasil inteiro”, compara.
Qual a importância de levar Minas Gerais para um programa de TV com repercussão nacional? Sou suspeito pra falar, mas a cozinha mineira é a melhor do Brasil, e por isso queria que em todo lugar do país as pessoas conhecessem um pouco do que a gente cozinha por aqui. E, nesse sentido, o programa é um ótimo caminho para isso. O programa está me dando a oportunidade de contar as minhas histórias e de tantas cozinheiras mineiras que vieram antes de mim para o Brasil inteiro. Isso é algo inacreditavelmente especial.
O que fez você escolher o time do Avillez, apesar de o Leo Paixão ser também mineiro? O Leo é uma das grandes referências da cozinha mineira contemporânea. Eu acho que a gente fala a mesma língua, conta as mesmas histórias, se debruça há algum tempo sobre os mesmos ingredientes e receitas. Eu acabei escolhendo o Avillez para poder diversificar um pouco mais a parte de técnicas, ingredientes e receitas, para ter um olhar novo sobre a minha cozinha e forma de cozinhar, trazer um pouco de Portugal para Minas e fazer com que ele volte para Portugal com um pouco mais de Minas no coração.
Qual foi o maior desafio até este momento no programa? Eu acho que, pra todos nós, o maior desafio é nos reconectar ao nosso lado cozinheiro e voltar a trabalhar atrás do fogão sob pressão de tempo. A maioria de nós já está em um ponto em que chefia seus próprios restaurantes, então, muitas vezes a gente só cozinha de fato durante uns 20% a 30% do tempo em que estamos trabalhando. Eu confesso que, no começo, estava um pouco enferrujado, e é claro que a gente demora um pouco a se habituar com as câmeras, com o tempo, com a cozinha.
No episódio que foi ao ar no dia 14 você quase foi eliminado com uma receita feita à base de ingredientes com os quais parecia não ser muito familiarizado (truta com couve-de-bruxelas e pepino). Qual foi o seu principal erro? Infelizmente, naquele dia, eu mudei de ideia durante a prova sobre como servir o peixe, e isso me fez perder muito tempo. Na hora de empratar, na hora de colocar o vinagrete no prato, meu tempo acabou, e ele acabou ficando fora da montagem. Eu fiquei muito nervoso e tinha certeza de que ia sair, então foi muito bom pode ficar mais uma semana na competição para poder mostrar pra todo mundo a minha cozinha e mais um pouco de Minas Gerais.
O que é mais importante na sua cozinha? Ingredientes de qualidade, técnicas bem apuradas, respeito aos produtores? Eu acho que é uma mistura boa de cada coisa, mas eu diria que o respeito aos produtores e aos ingredientes deve vir em primeiro lugar, simplesmente porque sem eles a gente não tem matéria-prima para cozinhar, não conseguimos sair do lugar. Eu costumo dizer que o que os cozinheiros mais gostam é de receber aquele produto incrível que pede o mínimo possível de intervenção.
Em tempos de respeito maior à cadeia produtiva na gastronomia, como você enxerga a sua relação com a comida? Acho que hoje em dia não há mais espaço para um consumo irracional e sem consciência de alimentos. Na maioria das vezes, a comida não preenche um espaço somente de subsistência do corpo, mas também de nutrição da nossa alma, do nosso psicológico. Se a comida tem essa importância pra gente, também temos que tratar ela com o máximo de respeito possível. É olhar para o talo de uma erva e não aceitar jogar no lixo; é olhar para os miúdos de uma ave e pensar em qual o melhor modo de usar aquilo sem jogar fora. Isso é essencial pra mim. É dar para o alimento tudo que ele nos dá.
E como os seus ideais gastronômicos são fortalecidos no restaurante onde você trabalha, o Alma Chef? O Alma pra mim sempre foi o restaurante mais incrível da cidade, e o Felipe Rameh foi o cara que trouxe um novo olhar para a cozinha mineira, para o serviço de sala, para os ingredientes do nosso cotidiano. Então, todos esses conceitos que são tão importantes pra mim eu aprendi com ele e já existiam no Alma bem antes de mim. Eu me sinto muito honrado, grato e feliz por estar tendo a oportunidade de continuar esse trabalho lindo que ele vem fazendo desde 2015.