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Mineiro Eduardo Damasceno integra equipe de animação que disputa o Oscar

Quadrinista com trajetória reconhecida em Belo Horizonte é o supervisor de arte-final de cenários de 'Wolfwalkers', produção do estúdio irlandês Cartoon Saloon

Por Ana Clara Brant
Publicado em 10 de abril de 2021 | 03:00
 
 
 
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No dia 28 de fevereiro, data do Globo de Ouro deste ano, os funcionários do renomado estúdio irlandês de animação Cartoon Saloon receberam kits com comes e bebes para acompanhar de suas casas a cerimônia que premia os melhores profissionais do cinema e da televisão. Na verdade, já era madrugada de 1º de março em Kilkenny, cidade do interior da Irlanda e sede da empresa, mas mesmo assim a “festinha virtual” não deixou de acontecer. Tudo para torcer por “Wolfwalkers” (sem tradução para o português), produção do Cartoon que concorria na categoria de melhor animação. O troféu acabou indo para “Soul”, da Pixar/Disney.

Apesar de não estar confirmado ainda, o mesmo esquema deve se repetir no próximo dia 25, quando será realizada a mais aguardada premiação do cinema mundial, o Oscar. Isso porque o desenho animado irlandês de fantasia e de aventura, dirigido por Tomm Moore e Ross Stewart, disputa a estatueta e tem mais uma vez como principal adversário “Soul”.

 

Ainda não se sabem detalhes da cerimônia da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood. Tudo leva a crer que será presencial, mas com pouquíssimos convidados. Aliás, disputar o Oscar não é uma novidade para o Cartoon. Além de “Wolfwalkers”, mais três produções do estúdio já foram indicadas: “O Segredo dos Kells”, em 2010, “A Canção do Mar”, em 2015, e “A Ganha-Pão”, em 2018. “É sempre surpreendente (a indicação) apesar de o estúdio já ter uma tradição em prêmios. E sempre organizavam um encontro presencial no dia da cerimônia pra gente acompanhar, mas, com a pandemia, tudo mudou. Eles ainda não falaram como vai ser o esquema deste ano para o Oscar, mas certamente deve rolar algo igual ao Globo de Ouro, com eles enviando os kits de drinks e comidas para cada um torcer de sua casa”, comenta o quadrinista mineiro Eduardo Damasceno, 37, que foi o supervisor de arte-final de cenários em “Wolfwalkers”.
 
Ou seja, a animação da Irlanda tem, literalmente, um toque das Gerais. Natural de Formiga, no Centro-Oeste do Estado, Damasceno integra uma equipe grandiosa, com profissionais do mundo inteiro que participaram do longa, que está disponível para streaming na Apple TV+. “Estou orgulhoso, sim, mas sei que sou uma parte muito pequena de um time de mais de cem pessoas. O que me dá orgulho de verdade é ter participado de uma animação que faz bem para o mundo. Fico muito feliz por todos os que trabalharam no filme, pelos diretores que contaram a história que queriam contar e por terem conseguido fazer isso com uma equipe tão legal e de um jeito saudável e carinhoso. Esse tipo de empreitada ser reconhecido por essas instituições quer dizer que estas têm algo de humano, e isso é um bom sinal para todos”, observa.

“Wolfwalkers”, que já arrebatou 21 prêmios de um total de 66 nomeações, conta a história de Robyn, uma jovem aprendiz de caçadora que chega à Irlanda com seu pai durante uma época de superstição e magia para acabar com a última matilha de lobos. Enquanto explora as terras proibidas fora das muralhas da cidade, Robyn faz amizade com uma garota de espírito livre, Mebh, membro de uma tribo misteriosa que dizem ter a habilidade de se transformar em lobos durante a noite. A produção aborda temas importantes e atuais como amizade, liberdade, preservação ambiental e empoderamento feminino. “Quando vi o filme pronto, percebi que ele era importante e necessário para o tempo que a gente está vivendo; é um filme que dá tempo para as coisas acontecerem. Tempo pra existir com calma e atenção e repensar em como a gente constrói narrativas. É um filme do bem em todos os sentidos”, opina.  

 
Morando desde agosto de 2018 em Kilkenny, a 130 km da capital Dublin, Damasceno revela que se mudou de mala e cuia para a Europa por falta de perspectivas no Brasil. Na época, ele tinha acabado de ser um dos coordenadores de mais uma edição do Festival Internacional de Quadrinhos (FIQ), em Belo Horizonte, considerado o principal do gênero no país.

“Mesmo ele tendo toda essa importância, foi complicado fazer o FIQ daquele ano. Foi um dos melhores que já fiz, mas ralei demais e até parei no hospital. Quadrinhos exigem muito tempo e dedicação. Viver só disso, e não só no Brasil, é muito complicado. Eu estava cheio de dívidas e com poucas possibilidades de trabalho”, recorda. Foi então que uma amiga viu que o Cartoon Saloon estava contratando justamente para trabalhar em “Wolfwalkers”. “Eu me inscrevi, mas não esperava nada. Eles gostaram do meu trabalho, eu já tinha alguma experiência com animação, e foi bem rápido. Em dois meses eu me mudei com a cara e a coragem para a Irlanda”, relata.

‘Jogados aos lobos’
Eduardo Damasceno admite que teve muito frio na barriga de encarar essa empreitada e que – fazendo uma alusão ao nome da animação – foi jogado no meio dos lobos, mas os lobos do bem. “Confesso que no começo eu fiquei meio desesperado (risos). Não tinha muita noção do tamanho do estúdio, onde eu estava me metendo. Mas me dediquei muito ao meu trabalho e ao da minha equipe. E acabou dando tudo certo”, celebra.

O quadrinista mineiro supervisionou os 1.200 cenários do filme e seguiu à risca as orientações do diretor de arte Ross Stewart, demarcando a diferença visual entre a floresta e a aldeia e explorando a beleza dos desenhos à mão e a riqueza do folclore irlandês.  

“Para os cenários na cidade, usamos uma técnica que imitava xilogravura, e para a floresta a finalização era a lápis, dando a impressão de um esboço. Para dar esse contraste de que a floresta respirava liberdade, e a aldeia, aquela coisa mais fechada”, explica Damasceno, que já trabalha em um novo projeto do Cartoon Saloon, a animação “My Father’s Dragon”, desta vez para a Netflix, e ainda faz coisas paralelas, como editar quadrinhos de autores mineiros.

Formado em produção editorial no Uni-BH, Damasceno revela que desde que se entende por gente já desenhava, mas foi só quando fez um curso na Casa dos Quadrinhos, em BH (onde também foi professor), que realmente tomou gosto pela coisa e passou a ganhar dinheiro fazendo o que mais gosta. Circulando no meio, acabou conhecendo um grande parceiro profissional, Luís Felipe Garrocho, com quem desenvolveu trabalhos importantes, como o site Quadrinhos Rasos (que publicava webcomics a partir de letras de música), além dos livros “Achados e Perdidos” (primeira HQ financiada pela Catarse, plataforma de financiamento coletivo), “Cosmonauta Cosmo!”,  “Quiral” e “Bidu: Caminhos” – integrante da Graphic MSP, projeto da Mauricio de Sousa Produções que consiste em histórias dos personagens do estúdio feitas por artistas brasileiros consagrados e com estilos diferentes do padrão.
 
Eduardo Damasceno exalta o trabalho dos seus conterrâneos e ressalta a importância da capital mineira em sua formação. “Tenho certeza de que eu não faria o que faço e não estaria onde estou se não tivesse passado por Belo Horizonte. Tenho muito orgulho de fazer parte dessa comunidade de quadrinistas de BH que tem como marca a liberdade criativa. Tanto é que são profissionais que se tornaram referências não só no Brasil, como no exterior”, destaca.

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