Há dois anos, o rapper mineiro Djonga fazia shows acompanhados das vendas de camisetas estampadas com uma de suas frases mais emblemáticas – “fogo nos racistas” – que ficou popularizada na letra da música “Olho de Tigre”, lançada em 2017. Na roupa, a expressão ganhou ainda mais força, tornando-se um símbolo da luta contra o racismo. Na semana passada, Djonga inaugurou a loja virtual A Quadrilha. E a camiseta com a frase está entre os seis modelos de peças disponíveis. “Quando a pessoa usa a camisa com essa mensagem, é uma coisa forte. É uma extensão do que a gente já faz na música, mas agora com o visual das pessoas”, contou o músico.
Além dessa camiseta, há itens como tapete, toalha e moletons com estampas que remetem ao seu quinto álbum, “Nu”, lançado em março deste ano. “É o meu disco de trabalho mais importante para mim, que eu trago muita coisa no quesito artístico também. ‘Nu’ veio para começar a mudar algumas coisas em relação à minha carreira, de modo geral”, contou. A arte das peças ficou por conta de Alvinho, artista visual parceiro do rapper e responsável pelo visual todos os seus álbuns. “Nós sentamos com mais calma e pensamos em algumas peças e têm algumas que ainda nem foram lançadas. Foi um processo de criar junto, como sempre. Tudo o que eu faço eu gosto de participar da criação. Moda é uma parada que eu gosto muito, sabe? Gosto de me vestir bem e gosto de consumir coisas dos artistas que eu acompanho”, explica.
As peças lançadas pela loja virtual custam de R$ 100 a R$ 300, e o cantor, claro, foi questionado pelos valores. Caro demais? Bom, uma situação semelhante aconteceu com o rapper Emicida sobre os preços das roupas de sua marca, Laboratório Fantasma. Para o rapper paulistano, os valores se justificam por conta da valorização da cadeia produtiva do seu negócio. Djonga concorda. “Quando eu ponho o preço um pouco mais alto, talvez eu esteja contribuindo muito com a relação que a gente já tem com o dinheiro e o fetiche das marcas. Mas se eu colocar um preço muito mais baixo eu também estou contribuindo com a exploração dos trabalhadores, bota fé?”, questiona. “E a gente fica nessa sinuca de bico e tenta encontrar um preço que seja praticável, ainda mais neste momento de pandemia, que a galera não tem tantas condições de consumir, ao mesmo tempo que a galera que está trabalhando para fazer as coisas do lado de cá também tem recebido pouco, então sempre que tem a oportunidade acaba cobrando um valor mais alto para compensar a falta da grana, né?”, emenda Djonga, considerado um dos principais rappers da atualidade.
Ele ainda abriu o jogo sobre os preços de suas peças e sobre as pessoas “da sua área”, como ele costuma dizer, que conduzem a cadeia de produção de forma responsável. “Eu não tenho uma fábrica de roupa, então tudo tem um custo um pouco mais alto. Cada peça passa por uma pessoa que vai costurar, outra que vai silkar, pelo amigo que fez a arte, a pessoa que vai trabalhar no e-commerce para vender… Tudo passa por todos os 25 funcionários d’A Quadrilha, e tá todo mundo recebendo”, disse. Uma das peças, a camiseta chamada de “Nós”, tem estampado o nome das pessoas que participaram do lançamento do clipe da música. “Querendo ou não, estamos homenageando toda a rapaziada do audiovisual”, defende.
Ele garante a qualidade do que entrega também no vestir, além da sua música, que o alçou como o único representante da América Latina no prêmio BET Awards Hip Hop 2020. “Eu garanto que a blusa é pra vida toda, não vai estragar na primeira, segunda ou terceira lavagem. Pode lavar mil vezes. Fiz questão disso também porque eu não gosto de comprar uma coisa que você usa uma vez e acabou”, contou.
Como você define o seu estilo? Tem curtido essa fase de pensar na roupa e em peças cada vez mais inclusivas? Eu tenho fases de estilo e gosto de me vestir de um jeito que eu me olho no espelho e falo “tô bonito pra caralho”, tô confortável tanto para ir à padaria quanto para receber um prêmio. A roupa diz sobre a gente também. Mas tô usando coisas mais básicas, sem muita estampa, sem muita marca… E tenho consumido produtos dos meus amigos, principalmente. Fora o tênis que, quando eu tenho oportunidade, eu gasto mais. Eu dedico mais a ele. O que tá no pé da pessoa, seja tênis, sandália, chinelo, é a coisa que mais diz no corpo inteiro.
Além do viés mercadológico da marca, a moda também pode ser um meio para ampliar discursos e encampar lutas contra preconceitos. Quem você quer ver usando as peças? Eu quero ver todo mundo usando. Vamos usar aquele espaço não só para lançar produtos do Djonga, mas de todos os artistas com quem vamos trabalhar n’A Quadrilha. O foco é que chegue até geral, que todo mundo goste, queira vestir, não por um lance. Uma coisa que eu aprendi pelas parcerias que fiz é que muito mais importante do que você ganhar uma grana para divulgar o produto é que você realmente goste daquele produto, sabe? Também não quero que todo mundo use A Quadrilha só para me fortalecer, quero que eles gostem real do produto, que pra mim é obra de arte. Moda pra mim é arte, quero me comunicar com todos os públicos, com pessoas que queiram passar um recado com as roupas nossas, pelo menos as coisas que forem relacionadas à minha carreira, com mensagens mais fortes.
Qual a importância de entender a cadeia produtiva da moda e ser justo com os funcionários? Quando eu ponho o preço um pouco mais alto, talvez eu esteja contribuindo muito com a relação que a gente já tem com o dinheiro e o fetiche das marcas. Mas, se eu colocar um preço muito mais baixo, eu também estou contribuindo com a exploração dos trabalhadores, bota fé? Então fica sempre esses dois lados, essa relação de cliente e empreendedor e como ser um empreendedor justo dentro do sistema que explora. Eu fico refletindo e eu vejo que a gente precisa começar a questionar as grandes marcas e as grandes formas de produção, de um modo geral.