Tratava-se de uma língua macia, defumada, que derretia na boca e com um toque ácido da vinagrete por cima. Ao morder, era imediata a sensação agradável do estalar de sua base mais firme, que dava não só uma textura única, como potencializava a experiência sensorial com seu som de “croc-croc” à boca.
Pois bem: precisa fazer barulho pra que a gente possa ouvir a comida – no caso, o canapé de língua bovina com base crocante de mandioca que muito lembra o nostálgico mandiopã, sucesso nos anos 60 e 70, servido na Cozinha Tupis, no Mercado Novo. O chef Henrique Gilberto começa o tal feito selecionando o ingrediente e combinando técnicas de desidratação da mandioca, desintegrando cada molécula e transformando em uma goma que, após boas horas de descanso, serve de base para o canapé. Toda a química leva cerca de 12 horas, provando que o fator “tempo” também entra como ingrediente fundamental antes da fritura. E, claro, garante estabilidade ao segurar com as mãos antes de comer.
Da cozinha do chef, muitos ingredientes têm potencial para virar chips crocantes que servem de base para os petiscos servidos por lá. “Alguns tubérculos e cereais servem de base para esse processo de desidratação, bem como o arroz, o milho e a araruta. Vale até de tendão bovino e pele de galinha”, disse ele, sob a única condição: os chips precisam ser bem crocantes. “Quanto mais fino, melhor o resultado. E não pode ficar grudando no dente”, diz ele, honrando a textura como condição fundamental. Murchar? Nem pensar!
Já a chef Ju Duarte buscou justamente no mandiopã a inspiração do seu belisquete. O salgadinho à base de mandioca foi colocado em outro patamar na Cozinha Santo Antônio: a casquinha é servida com ragu de linguiça caipira, vinagrete de jiló e um pinguinho de mostarda e mel.
“Na infância, eu amava ver a mágica acontecer: colocava o mandiopã para fritar e aquela coisa sem graça virava uma escultura crocante e deliciosa! No dia que eu o reencontrei, não tive dúvidas de que ele precisava vir para a minha cozinha”, disse ela quando reencontrou o salgadinho na tradicional Mercearia Paraobeba, em Itabirito.
Defensor de diferentes texturas ao paladar, o chef Jorge Ferreira, do restaurante Olivia Mediterrâneo, também cria seus próprios chips. “Prezo pela importância da crocância no paladar, que é uma das sensações mais prazerosas quando juntamos a maciez, a cremosidade e outras tantas construções”, disse. Uma obra que reúne todas as nuances é o canapé feito com base de arroz negro cozido em fogo baixo com bastante água e bem batido até virar uma massa. “Depois, ele é desidratado no forno lentamente e finalizado na fritura para ficar crocante”, explica sobre o processo que demora cerca de 20 horas. O resultado é uma textura que lembra o vidro: fina, delicada, mas bem estruturada para segurar o peso do lagostim grelhado com aioli defumado, tangerina e broto de coentro.
ONDE IR:
Olivia Mediterrâneo - Alameda Oscar Niemeyer, 1.033 – loja 18 – Vila da Serra
Cozinha Santo Antônio - R. São Domingos do Prata, 453 – Santo Antônio
Cozinha Tupis - Av. Olegário Maciel, 742 – loja 2161 – Centro (Mercado Novo)