Em um feito inédito, o coletivo Família de Rua fará da web o principal palco de uma edição especial do Duelo de MCs. Nesta sexta-feira (5), pela primeira vez em 13 anos, o movimento de cultura urbana, que tem no evento sua mais marcante manifestação e que, em sua gênese, está associado à ocupação do espaço público, acontece apenas em ambiente virtual. Uma adaptação necessária para garantir a realização da atração, que, no ano passado, reuniu cerca de 20 mil pessoas sob o viaduto Santa Tereza – algo impossível no contexto de uma pandemia que exige a adoção de medidas de distanciamento social.
“Não tem batalha acontecendo em lugar nenhum no Brasil, e existe uma demanda, uma necessidade, um desejo e uma saudade que nos fizeram tomar essa decisão de transportar o evento para esse ambiente e criarmos o Duelo na Tela ao Vivo”, explica o MC Pedro Valentim, o PDR, integrante do Família de Rua.
No novo formato, as disputas serão transmitidas pelo YouTube em três sextas-feiras, sempre às 21h. No dia 5, oito rappers em uma chapa digladiam suas rimas até que seja definido um finalista, modelo que é repetido na semana seguinte, quando a outra metade dos competidores se enfrenta para definir o segundo finalista. Então, no dia 19, acontece a grande final. As batalhas serão decididas pelo voto de dois jurados e do público, assim como acontece nos eventos nas ruas. “Vamos levantar enquetes no Instagram para que o pessoal possa escolher os vencedores de cada rodada”, explica PDR.
Os 16 MCs que participam vêm de nove Estados distintos: Drizzy, Chris e Colombiana, de Minas; Winnit, Zuluzão, Monna Brutal, Salvador e Kamila, de São Paulo; Noventa, do Espírito Santo; MCharles, do Ceará; Sid, do Distrito Federal; Nicolas Walter, do Rio Grande do Sul; Tai, de Pernambuco; Japa, da Bahia; Neo, do Rio de Janeiro; e Menor, do Amazonas. Cada participante disputa, rima a rima, a melhor performance em rounds de 45 segundos, divididos em ataque e resposta.
Além dos duelos, nas terças-feiras, acontece o #FlowdaRodada, programa apresentado pelo MC mineiro Pedro Vuks e pela jornalista Carol Anchieta, do Rio Grande do Sul, que reúne os melhores momentos das disputas, reações do público e análises técnicas. “Vamos fazer uma experiência inspirada nas mesas-redondas dos programas esportivos”, explica PDR, adiantando que o conteúdo contará com a participação de pessoas ligadas ao universo das batalhas, além de convidados especiais.
Lugar de encontro
Fazer das redes sociais o principal palco do Duelo de MCs é um feito especialmente marcante quando se tem em vista uma cronologia do evento. No ano de 2009, por exemplo, um decreto proibindo a realização de manifestações na praça da Estação, na área central de Belo Horizonte, publicado pelo então prefeito Márcio Lacerda, causou indignação e motivou protestos de diversos grupos, entidades e coletivos – entre eles o Família de Rua, que desde 2007 realiza o Duelo de MCs, geralmente debaixo do viaduto Santa Tereza, área adjacente ao complexo da praça em questão.
Mais tarde, em 2014, foi a vez de a região ser fechada para uma controversa reforma – as obras não tinham sido autorizadas pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha), e a interdição do lugar era vista como forma de desmobilização de eventuais protestos. À época, afinal, o país vivia a ressaca das chamadas Jornadas de Junho de 2013 e se preparava para a Copa do Mundo de futebol masculino. Em resposta, mais uma vez, esses vetores culturais, sociais e políticos belo-horizontinos se movimentaram, demonstrando força e coesão e identificando como as manifestações da arte urbana estavam demarcadas por uma confluência de lutas.
Em nenhum desses momentos, mesmo a contragosto das autoridades, os movimentos ligados ao hip-hop deixaram de reivindicar o uso dos espaços públicos. Uma pauta que continua salutar para o Família de Rua. E, em 2019, o evento voltou a fazer história reunindo dezenas de milhares de pessoas.
Neste momento, no entanto, a organização entendeu que seria preciso se reinventar para continuar a ser um lugar de encontro e de formação enquanto a pandemia da Covid-19 promove certa paralisia de uma série de atividades em todo o mundo.
“Cada um de nós vem de um lugar de muitos anos de uma experiência de encontros na cidade e na rua, muito a partir das manifestações do hip-hop e do skate. Em certo momento dessa história, a gente percebeu a necessidade de criar um ambiente de encontro”, comenta PDR sobre o surgimento do movimento, que vai ganhando robustez com o passar dos anos. “Era um momento que, sem pensar sobre isso, a cidade estava se transformando, sobretudo a partir de 2009, quando surge a Praia da Estação e acontece uma coqueluche das batalhas em BH”, pontua.
O pioneirismo belo-horizontino em adaptar o formato das batalhas para as redes sociais dialoga com uma vanguarda do Família de Rua, que em 2012 criou um projeto ambicioso, conectando todos os Estados brasileiros em um duelo nacional. “Era um momento em que a gente sentia a necessidade de ampliar essa voz para o resto do país e que buscamos manter agora”, garante.
Durante esses 13 anos, manter o hip-hop pulsante sempre foi fator de motivação para o grupo, diz. “A gente se entende com essa responsa de ser um espaço de encontro, de formação artística, de afirmação e de disputa pelo desejo da cidade”, completa, dizendo que muitos frutos dessa geração de resistência política e cultural vieram desse lugar.
Duelo na Tela
Em 2017, o Família de Rua lançou o Duelo na Tela, um quadro semanal do canal de vídeos do grupo no YouTube, que tem mais de 500 mil inscritos. A cada edição, o programa apresentava uma batalha gravada, com MCs convidados, em ambientes sem a presença de público. Agora, em sua versão ao vivo, o projeto chega com o desafio de retomar as atividades do Duelo de MCs durante o período de isolamento social.
SERVIÇO:
Duelo na Tela ao Vivo
Batalhas de rimas ao vivo.
Sextas-feiras, 5, 12 e 19 de junho, às 21h
www.youtube.com/familiaderua
#FlowdaRodada
Terças-feiras, 9, 16 e 23 de junho, às 21h
www.youtube.com/familiaderua