Crítica

'Neblina' se despede da capital mineira nesta segunda-feira

A temporada começou no dia 10 de janeiro e de Belo Horizonte seguirá em turnê para mais três capitais

Por Patrícia Cassese
Publicado em 17 de fevereiro de 2020 | 19:51
 
 
 
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Ao adentrar o teatro,  o público de pronto percebe a neblina que paira sobre o ambiente, em consonância  com o nome da empreitada. "Neblina", montagem com texto de Sergio Roveri, se despede da capital mineira nesta segunda-feira (17), onde ficou em cartaz no CCBB BH (a estreia foi no dia 10 de janeiro). Segue rumo às outras praças que completam o circuito cultural Banco do Brasil:  de 24 de abril a 15 de junho, no CCBB São Paulo; 17 de junho a 26 de julho, no CCBB Rio de Janeiro; e 9 de agosto a 13 de setembro, no CCBB Brasília. O público belo-horizontino, portanto, foi brindado com a estreia da empreitada, que traz a direção insuspeita de Yara de Novaes, tendo a atriz Fafá Rennó dividindo o palco com Leonardo Fernandes. Ao descerrar das cortinas, o primeiro (bom) impacto é o da cenografia, com  a neblina, agora mais intensa, contrapondo-se a um globo gigante que conclui-se ser a lua.

A peça tem início com uma situação tensa: numa casa situada em um lugar ermo, uma batida na porta anuncia uma visitante inesperada. É Sofia, uma turista a caminho de um hotel, mas que, em função do mau tempo, acaba com seu carro avariado após topar com o que parecia ser uma pedra. Ela caminhou muito até encontrar uma casa que parece ser habitada. Está com frio, suja de lama, desesperada. Cansada. Não bastasse, seu telefone está sem bateria. Problema é que Diogo não parece inclinado a abrir a porta a uma estranha, ainda mais naquela hora da noite. Na verdade, ele sequer consegue visualiza-la no olho mágico, tamanha a neblina. Sofia insiste: ele pode emprestar seu celular sem abrir a porta, por uma fresta. Ou, pelo menos, ligar para o hotel para que, quem sabe, possam buscá-la. Em meio a alguns cortes, já temos Sofia dentro da casa, após ter sido socorrida por Diogo, ao desmaiar. Ele lhe dá um leite quente, mas reclama das pegadas deixadas pela lama. Ela reluta em tomar a bebida, a cor está estranha, não parece leite.

Por razões que vão sendo explicadas pelo anfitrião, Sofia terá que dormir ali. Ao menos naquela noite. Ela não quer. Há um clima de suspense no ar. Pelo menos há um violão. Mas eis que uma reviravolta coloca em cena Rafael e Júlia, que também estão passando por uma noite interminável, na qual o raiar do dia parece ser um evento quase inacessível. Os dois vivem um luto. Estão presos naquela noite escura, como tantas pessoas mundo afora. Sozinhos, com suas feridas não cicatrizadas. O impacto da finitude que lhes bate em cheio, como a bola (lua) pendurada no dedo.

Com cerca de 1h20, o espetáculo consegue sensibilizar a plateia com um texto enxuto, sem delongas desnecessárias, e com vários pontos a favor, a começar da atuação dos dois mineiros. Em tons diferentes, Fafá e Leonardo defendem seus papéis com gana e entrega. O trabalho corporal, assinado pela bailarina Eliatrice Gischewski, impacta, e muito. A equipe técnica como um todo revela o esmero que cerca a produção, seja na sonoplastia, na iluminação, cenários e figurinos (corretíssimos e coerentes com a trama). A música de Cazuza se encaixa com maestria.

Leonardo Fernandes, conhecido do público belo-horizontino por "Cachorro Enterrado Vivo", pelo qual foi premiado pela Associação Paulista dos Críticos de Artes em 2016, dá mais uma bela mostra de seu talento (e, por que não dizer, potencial, já que é nítido que irá além). Fafá Rennó tem uma presença marcante e conduz a personagem com a dramaticidade necessária à revelação do que torna a vida de um casal uma noite escura e dolorosa.   Pungente, a encenação deixa algumas lacunas, aparentemente de modo proposital. Porque os torvelinhos que caracterizam nossa passagem pela Terra estão de fato longe de seguir scripts.

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