Clássico do rock

Robby Krieger e John Densmore, dos Doors, falam dos 50 anos de 'L.A. Woman'

Em entrevista exclusiva, os dois sobreviventes da lendária banda norte-americana desvendam os mitos por trás das gravações do aclamado LP

Por Alex Ferreira
Publicado em 30 de agosto de 2021 | 03:00
 
 
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Muito mitos e mistérios permeiam as histórias que envolvem a carreira da banda norte-americana The Doors. Nomeado entres os artistas mais influentes da música contemporânea, o grupo foi um dos primeiros a elevar o pop ao patamar da arte, incorporando às suas canções linguagens culturais abrangentes com elementos do cinema, do teatro, e acima de tudo, promovendo a aproximação entre a literatura e o rock.

Grande parte do status lendário da banda vem do carismático vocalista e letrista Jim Morrison, morto em 1971, aos 27 anos.Mas seria um equívoco menosprezar a contribuição das outras três "portas" – o tecladista Ray Manzarek, o baterista John Densmore, e o guitarrista e co-autor Robby Krieger – para o avanço do conceito musical da banda, arquitetado e nutrido através de seis álbuns de estúdio que o grupo produziu durante seus cinco anos de existência.

Entre os discos seminais gravados pelos Doors está, sem dúvida, "L.A. Woman", último trabalho dos músicos ao lado de Morrison. Lançado três meses antes da morte do cantor e letrista, o LP completa 50 anos em 2021. 

Para celebrar a data, os dois membros sobreviventes dos Doors, John Densmore (76) e Robby Krieger (75), revelam, em entrevista exclusiva direto de Los Angeles, detalhes e curiosidades sobre as gravações do icônico álbum. 

Num bate-papo sugestivo e direto, a dupla fala das agonias, êxtases e loucuras dos anos 60, e ainda discute seus mais recentes projetos –, como o livro "The Seekers: Meetings With Remarkable Musicians and Other Artists", que John publicou no ano passado, e a muito aguardada biografia de Robby, "Set the Night on Fire: Living, Dying, and Playing Guitar With the Doors", que será lançada em novembro. Ambas não têm data de lançamento no Brasil.

De personalidade tímida e taciturna, Robby é o último dos Doors a publicar sua biografia. O guitarrista gosta de dizer que manteve suas reminiscências escondidas na tocaia por tanto tempo para evitar problemas legais.

"Eu venho planejando contar minha história há cerca de 20 anos, mas sempre posterguei o projeto quando lembrava dos problemas jurídicos que o John e o Ray (Manzarek) passaram com seus livros. Foi a pandemia que acabou me convencendo de levar a ideia adiante, porque fiquei com muito tempo ocioso para pensar na quarentena em casa", admite Krieger.

Escrito em parceria com o autor e ex-vocalista do Dead Kennedys, Jeff Alulis, o livro vai tocar em temas delicados da vida de Robby, incluindo seus problemas com as drogas e a luta que teve contra o câncer.

"Falar desses problemas, hoje, na idade que eu tenho, não é tão difícil assim para mim. A história seria diferente se eu tivesse que contar essas coisas 20 anos atrás. Confesso, no entanto, que o duro mesmo foi conseguir lembrar de coisas que aconteceram cinco décadas atrás", brinca.

Considerado um dos guitarristas mais subestimados do rock, Robby compôs os maiores sucessos dos Doors na carreira, incluindo “Light My Fire", “Touch Me” e “Love Her Madly”. O instrumentista relata, porém, que foi o talento de Jim Morrison que o impulsionou a querer escrever suas primeiras canções.

"Aquela história que o Jim contava de escutar um show de rock que estava acontecendo dentro da sua cabeça, é verdade. Foi ele quem escreveu sozinho as letras e melodias para as cinco primeiras composições dos Doors. Isso sem saber tocar nenhum instrumento. Quando eu vi aquilo fiquei impressionado. Foi assim que decidi começar a escrever minhas próprias músicas também. Não demorou muito, e a gente já estava compondo juntos", lembra.

Robby diz que a química criativa entre ele e Morrison era algo surpreendente.

"A gente compôs muita coisa importante juntos, como é o caso de "The End" e "Take It As It Comes", que gravamos no nosso primeiro disco ("The Doors", de 1967), além de "Indian Summers", que foi a primeira composição que fizemos juntos. Eu tive a ideia para aquela melodia durante as aulas de música indiana que eu cursei na UCLA (Universidade da California em Los Angeles). A letra foi o Jim quem fez. Mas o que muita gente não sabe é que ele dava sugestões melódicas quando cantava minhas composições para me ajudar a melhorar a estrutura das composições. A nossa parceria dava muito certo", evoca.

“O Robby sempre foi um grande guitarrista e compositor talentoso”, elogia o baterista dos Doors, John Densmore. Com três livros lançados, ele se tornou um dos grandes cronistas sobre a história dos Doors. Agora, em seu mais novo livro "The Seekers: Meetings With Remarkable Musicians and Other Artists" [Investigadores: Encontros com músicos notáveis e outros artistas, em tradução livre], Densmore explora as conexões pessoais que fez ao longo da vida com artistas e mentores que o inspiraram.

A ideia era homenagear todos que tiveram peso na sua formação – tanto como músico quanto como ser-humano.

"Eu queria escrever sobre pessoas que tiveram um grande impacto na minha vida, não importando se eram famosos ou não", explica John.

Um desses músicos é o lendário baterista, percussionista e compositor brasileiro Airto Moreira, para quem Densmore reservou um capítulo inteiro no livro. "Airto é um gênio. Ele é xamã musical", enaltece o músico.

Na obra, o baterista dos Doors também trata de feridas abertas, principalmente sobre sua relação com o tecladista Ray Manzarek, que morreu de câncer em 2013. Os dois ficaram sem se falar por mais de dez anos, envolvidos em processos judiciais e disputas a respeito do licenciamento do uso do nome The Doors.

"Foi um processo de cura escrever sobre o grande talento do Ray no livro. Ele era alguém que eu admirava muito. Um intelectual, um homem inteligentíssimo e talentoso. Ficamos muito tempo afastados um do outro, mas quando eu descobri que ele estava doente, fiz contato para fazer as pazes. Graças a Deus por isso", recorda ele com a voz embargada.

John também fala de seu relacionamento complicado com Jim Morrison no livro.

"Queria tratar dessas coisas inacabadas que precisavam de um fim. Ainda me dói muito ter perdido o Jim como perdi. Ele me inspirou na vida, mas se perdeu entre seus demônios. Isso ainda pesa muito para mim", conta. 

"Qual a maior lição que a morte prematura de Jim pode ensinar", pergunto a John. O baterista não hesita, "Que a vida é preciosa e frágil". 

As comemorações dos 50 anos de "L.A. Woman" reforçam ainda mais essa ideia da fragilidade da existência, já que o disco ficou ligado à morte prematura de Morrison em Paris. 

John tenta dissipar a tristeza e lembra que o clima na época da gravação do disco foi positivo para todo mundo envolvido.

"Esse é o meu álbum preferido. Fomos nós mesmos que o produzimos junto com o Bruce Botnick, e gravamos todas as músicas dentro do nosso estúdio de ensaio. A sensação naquelas sessões era a de estar em casa junto de amigos", sorri por um momento.

Robby concorda e ressalta que o LP foi o mais colaborativo da carreira da banda.

"A gente se divertiu bastante durante as gravações. Todo o disco foi gravado com a banda tocando ao vivo, sem muita pressão, só o compromisso de se fazer música boa", relembra o guitarrista.

John menciona ainda que foi em "L.A. Woman" que os Doors tiveram pela primeira vez um baixista fixo tocando num disco inteiro.

"A gente trouxe o Jerry Scheff, baixista do Elvis Presley, para gravar com a gente. Eu adorei porque como baterista é muito bom poder ter um baixo para completar a sessão rítmica com você. O Jerry tinha uma personalidade calorosa e calma, e isso ajudou muito a deixar nosso ambiente ainda mais descontraído", destaca.

O baterista lembra ainda que o que mais trouxe alegria para ele foi ver Jim Morrison de novo empenhado em fazer música com compromisso.

"Ele estava gostando do clima mais do que nas ocasiões anteriores. Como era a gente quem estava no controle de tudo, ele pôde relaxar e se concentrar nas letras e no vocal sem ter ninguém cobrando muito. Foi uma das poucas vezes que lembro de ter visto o Jim animado num estúdio de gravação", nota sorrindo.

Indago sobre o que ele acha que os Doors teriam feito depois de "L.A. Woman" caso Jim Morrison não tivesse morrido. 

"Sem dúvida a gente teria feito trilhas sonoras para os filmes que queríamos produzir. Insistir no nosso lado mais artístico e poético", cogita.

Já Robby acha que a banda apostaria numa volta às raízes.

"Acho que teríamos seguido o mesmo conceito de 'L.A. Woman', buscando um som mais cru e voltado para o que a gente sentia  e gostava como banda. Acho que essa sempre foi a essência verdadeira dos Doors", afirma.

Recentemente, Robby fez sucesso no Youtube durante a pandemia com um projeto em que ensinava os internautas a tocarem músicas dos Doors na guitarra. Questiono se ele pretende levar o projeto adiante.

"Sim", responde o músico cheio de ânimo. "Agora vou ensinar músicas do 'L.A. Woman' na web para comemorar esses 50 anos do disco", promete. 

Durante as décadas, os Doors se firmaram como um dos grupos mais importantes e essenciais para o rock e Robby pretende seguir passando esse legado para frente. 

"Quero inspirar a nova geração a valorizar a importância da música", diz ele antes de finalizar brincando. "Quem sabe com um pouco de sorte eu não consigo convence alguém a virar um guitarrista?".

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