O ministro da Cidadania, Ronaldo Bento, confirmou nesta quarta-feira (17) que as contratações de crédito consignado por beneficiários do Auxílio Brasil devem ser iniciadas até o início de setembro. Segundo lei publicada no último dia 12, quem recebe valores do programa de transferência de renda pode comprometer até 40% da renda com empréstimo.
Pelo menos 17 instituições financeiras já foram aprovadas pelo governo federal para fazer a concessão para as pessoas que recebem R$ 600 de auxílio até dezembro - no ano que vem, o valor volta para R$ 400 - segundo o ministro, mas a lista ainda não foi divulgada. Apenas a Caixa fez uma divulgação formal sobre o assunto, prometendo oferecer as melhores taxas. Estima-se que outras instituições poderão cobrar até 98% ao ano de taxa de juros.
Mas boa parte das entidades que reúnem economistas é contrária à concessão dos empréstimos aos beneficiários, que estão nas camadas socioeconômicas mais baixas do país. Para os especialistas, a renda futura dos mais pobres ficará comprometida por causa dos empréstimos, que serão oferecidos com taxas de juros mais altas do que as oferecidas a assalariados, servidores e aposentados - que também têm acesso aos empréstimos em que as prestações são descontadas diretamente da folha.
O Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) chegou a lançar uma campanha para que o empréstimo consignado para beneficiários de programas sociais seja adiado ou revisto, junto com outras entidades - como Defensoria Pública do Estado de São Paulo e o Programa de Apoio ao Endividado da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto. Um documento em “Defesa da Integridade Econômica da População Vulnerável" pode ser assinado por pessoas físicas e jurídicas pelo site www.defesadosvulneraveis.com.
"Solicitamos o adiamento do início da comercialização do crédito para o Auxílio Brasil e outros programas de transferência de renda, para elaboração de estudos e manifestação técnica dos especialistas e da sociedade civil, como necessário para elaboração de toda política pública", diz trecho do documento.
Em outro momento, a carta afirma que esse consignado, neste momento, "tende a trazer ainda mais dificuldades para essa população. Se os valores atuais são insuficientes para garantir uma vida digna, a possibilidade de comprometer até 40% desse valor com empréstimos condenará essas famílias ainda mais à miséria".
Bancos são os mais beneficiados
O economista Marcio Pochmann, ex-presidente da Fundação Perseu Abramo e do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), explica que essa situação atende aos interesses do sistema financeiro, em um momento em que 80% das famílias brasileiras estão endividadas.
Mais uma peça de uma engrenagem econômica que acaba beneficiando os mais ricos - que aplicam seus recursos e ganham com as altas taxas de juros - e prejudicando os trabalhadores, que precisam de acesso a um caro crédito para consumir ou pagar dívidas.
“Os rendimentos por meio do trabalho não são suficientes para fechar os custos de vida. Para comprar bens ou pagar débitos passados passam por um custo excessivo porque as taxas de juros são muito altas há muito tempo no Brasil. Dessa forma, há uma transferência de renda do endividado para o credor”, explica.
Enquanto a inflação cresce e as dívidas aumentam, os bancos públicos e privados registram recordes de lucro. Somente em 2021, essas instituições lucraram R$ 132 bilhões no Brasil.
Dívidas podem crescer ainda mais
Para o economista Roberto Piscitelli, membro da Comissão de Política Econômica do Conselho Federal de Economia (Cofecon), os empréstimos podem acabar piorando a situação financeira de quem já tem problemas para pagar pelas contas mais básicas - como supermercado, energia elétrica ou água.
“Esse empréstimo pode criar um efeito bolha, porque pode aumentar ou piorar a situação de inadimplência de grande parte da população. Até por efeito da inflação, que tem gerado uma queda contínua da renda dos trabalhadores em geral e, por consequência, uma redução do valor real do benefício do Auxílio Brasil. Dessa forma, a situação financeira dessas pessoas vai ficar mais apertada”, prevê.
Mas enquanto os economistas tentam alertar para o pior, a Federação Brasileira de Bancos defende os empréstimos aos beneficiários do Auxílio Brasil. Segundo a entidade, o consignado permite a disposição de recursos para esse público de “forma rápida e mais barata” e cada instituição financeira pode estabelecer os critérios para a concessão do crédito. Diz ainda que “a procura por uma operação de crédito deve ser avaliada cautelosamente pelos bancos e por parte do beneficiário, a fim de prevenir o superendividamento”.
(Com Folhapress)