Prato vazio

Inflação da guerra eleva custos e ‘status’ da carne do frango e do porco

De olho na rentabilidade, produtores já fazem as contas para repassar o aumento no preço da ração e do diesel

Por Gabriel Ronan
Publicado em 18 de março de 2022 | 03:00
 
 
 
normal

O sumiço da carne de boi do prato de boa parte dos brasileiros é dado como certo diante do alto preço do produto. Agora, a inflação também arrebata o frango e o suíno, na esteira do reajuste do diesel, que afeta toda a cadeia logística, e da explosão do preço dos grãos, item fundamental na produção de ração que alimenta esses animais. As altas do milho, da soja e do trigo estão ligadas diretamente à guerra entre Rússia e Ucrânia, protagonistas na exportação desses insumos. 

O Índice de Custo de Produção do Frango (ICP-Frango) e do porco (ICP-Suíno), calculado pela Central de Inteligência de Aves e Suínos (Cias), da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), ilustra o momento. No caso das aves, o indicador bateu 439,2 em fevereiro, maior patamar em 12 meses. O ICP-Suíno não ficou atrás: 437,07, também o maior desde março de 2021.

“É uma alta histórica de custos de produção. Não esperávamos isso no primeiro semestre. Milho e soja representam uma fatia significativa dos custos dos frangos e dos suínos na plataforma. Os preços devem aumentar, senão muitos produtores já começam a não ter rentabilidade”, afirma Luis Rua, diretor de mercados da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA). 

De acordo com a Embrapa, o item nutrição representa 76,69% dos custos do frango e 82,89% daqueles do porco. Quando se analisa a cotação do milho na Bolsa de Valores, fica clara a dificuldade dos frigoríficos no momento. Conforme o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea) da USP, a saca de 60 kg do produto custa, em março deste ano, R$ 100,72 à vista, segunda maior taxa dos últimos 24 meses. Na soja, o cenário é ainda mais crítico: o mesmo volume custa R$ 204,51, maior preço desde abril de 2020.

“Desde 2020, o setor agrícola vem sofrendo na produção de carne de frango e ovos. Os grãos são fundamentais para produção de ração, composta de 70% de milho. O setor também foi prejudicado pelo aumento do combustível, embalagens e papelão”, diz Gustavo Ribeiro, da Associação dos Avicultores de Minas Gerais (Avimig).

Glauber Silveira, diretor-executivo da Associação Brasileira dos Produtores de Milho (Abramilho), diz que esse repasse da alta dos grãos ao consumidor não será integral. Segundo ele, as carnes e os grãos são diferentes dos combustíveis.

“A Ucrânia é um fornecedor importante de milho pro mundo. Eles exportam mais que 35 milhões de toneladas. Isso está fazendo uma pressão muito forte no preço do milho, mas que não chega integralmente ao consumidor. A cadeia é diferente da política de preços dos combustíveis. Deve ter um aumento, mas não um repasse integral”, diz.

Diante de tal cenário, o setor não descarta a possibilidade de redução da produção e corte de empregos. “A gente não sabe se chegará a situações extremas, e a gente torce e trabalha para que não, mas, a continuar essa situação, é fundamental esse repasse (ao consumidor)”, avalia Luis Rua, da ABPA. 

Já quem revende o produto nos açougues ainda não sentiu os reflexos da guerra no Leste Europeu no setor. É o que garante o presidente da Associação de Frigoríficos de Minas Gerais, Espírito Santo e Distrito Federal (Afrig), Silvio Silveira. “O consumidor tem comprado frango e porco num preço bom ainda. Mas o brasileiro gosta mais de carne de boi, e, mesmo com essa alta, dá um jeito de comprar”, garante o também proprietário da Casa de Carnes Serradão.

Exportações para a UE crescem 

Com as sanções comerciais contra a Rússia, e a Ucrânia sem possibilidade de produzir por causa do conflito em seu território, a avicultura e o setor de suínos do Brasil estudam estreitar laços com países até então atendidos pelos envolvidos na guerra. Kiev, por exemplo, era a grande abastecedora da Arábia Saudita e dos Emirados Árabes com peito de frango.

“Metade das exportações dela está concentrada em três regiões. Na Arábia Saudita, eram 100 mil toneladas que a Ucrânia vinha ‘tirando’ do Brasil nesses últimos anos. É um mercado de que a Ucrânia sai completamente agora. O Brasil deve ser chamado a contribuir mais. No caso da União Europeia, os importadores já estão buscando aqui”, explica Luis Rua, diretor de mercados da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA).

Rua também acredita que o Brasil deve aumentar em breve sua participação no Canadá. Nesta semana, a ministra da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Tereza Cristina, se reuniu com empresas do país na tentativa de estreitar relações com Ottawa. “É um mercado fundamental, porque leva produtos premium por um preço muito bom. O Brasil deve entrar com cortes como a costela e a barriga (de porco), produtos que faltam no mercado canadense”, diz Rua.

Na avaliação de Gustavo Ribeiro, da Associação dos Avicultores de Minas (Avimig), o Brasil não deve perder o protagonismo nas exportações. Ainda assim, diz não haver alternativa que não seja corte de gastos. “A ideia é reduzir, com cautela, os alojamentos, sem comprometer o mercado interno e procurando novos mercados externos”, ressalta. 

Notícias exclusivas e ilimitadas

O TEMPO reforça o compromisso com o jornalismo profissional e de qualidade.

Nossa redação produz diariamente informação responsável e que você pode confiar. Fique bem informado!