Trabalho

Inflação dificulta reajuste real nos salários, e greves pipocam

Economia desaquecida e custos elevados desafiam acordos entre empresas e trabalhadores

Por Cinthya Oliveira
Publicado em 06 de dezembro de 2021 | 05:00
 
 
 
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Nas últimas semanas, o noticiário vem trazendo informações sobre diversos movimentos de greve, que, de alguma forma, podem impactar a vida dos cidadãos. Motoristas de ônibus em Belo Horizonte pararam durante seis dias, metroviários ameaçam cruzar os braços, eletricitários da Cemig deflagraram greve na última terça-feira, enquanto outras categorias pensam em paralisar atividades em breve. São movimentos realizados por trabalhadores que sofrem com a renda achatada pela inflação alta e encontram resistência na negociação com os patrões, devido à crise agravada pela pandemia. 

De acordo com Fernando Ferreira Duarte, economista e supervisor do escritório em Minas do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), este ainda é um momento delicado para muitos setores da economia, especialmente no de serviços. A alta taxa de desemprego, calculada em 12,6%, e a crise fazem com que os trabalhadores tenham menos força na barganha. Por outro lado, a recomposição é necessária, já que a maioria não teve aumento em 2020 e a inflação supera os dois dígitos em 2021. 

“É muito complicado para o trabalhador ter perda de 10% ou 15% no poder de compra. A mobilização tem que levar em consideração os preços na economia. Muitos trabalhadores dependem do uso de veículo, por exemplo”, afirma Duarte. “Tem alguns indicadores de aquecimento econômico que acabam se refletindo na negociação. O crescimento do Produto Interno Bruto (PIB ) é um fator. O mercado avalia que teremos um crescimento em torno de 5%, mas muito em razão da grande queda do ano passado”, diz.

O economista explica que, de maneira geral, todas as categorias estão tendo dificuldade para conseguir uma boa recomposição salarial. De janeiro a outubro, foram realizados 12.334 acordos entre categorias e empresas no Brasil, e 49,8% deles ficaram abaixo da inflação. Outros 33,4% foram igual à inflação, e apenas 16,8%, acima. Por causa da conjuntura econômica, empresas também têm dificuldade de reajustar os salários.

O poder de negociação da categoria varia conforme a pujança econômica do setor. Na metalurgia, foram 409 acordos neste ano, sendo que 32,8% ficaram acima da inflação, 40,6%, igual ao índice de referência na data base, e 26,6%, abaixo da inflação. Vale lembrar que a indústria foi impactada pela desaceleração da economia e pela falta de matéria-prima durante a pandemia, mas não parou a produção.

Já no setor mais afetado, de hotelaria e restaurantes, a situação é bem diferente. Dos mais de 1.300 acordos realizados até outubro, 81,1% dos trabalhadores tiveram uma recomposição salarial abaixo da inflação. “Nos anos em que o Brasil estava crescendo, era muito difícil ver acordos em que as categorias não tivessem o reajuste pela inflação. Quando a inflação é baixa, é possível fazer o reajuste com maior tranquilidade. Mas, com inflação alta, é muito mais difícil”, afirma Duarte. 

Barganha está difícil em todos os setores

Presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT) em Minas, Jairo Nogueira Filho afirma que os servidores públicos estão tendo mais dificuldades em negociar a recomposição salarial. Na esfera estadual, o governo justifica que não pode conceder aumento por causa da futura adesão ao Regime de Recuperação Fiscal. No governo federal, o desequilíbrio nas contas públicas também costuma ser a justificativa. “A greve é o último recurso dos trabalhadores. Ninguém gosta de greve. Mas muitas empresas se fecham para a negociação e o trabalhador não tem alternativa”, afirma Nogueira Filho, afirmando que há casos em que a negociação pode ser melhor para o empregado. Segundo ele, uma empresa pública como a Copasa e a Cemig, que obtiveram lucro mesmo em um período de crise, podem pagar uma recomposição acima da inflação.

A Cemig diz que sua proposta foi aceita por 13 dos 16 sindicatos que representam seus empregados. A paralisação foi convocada pelo Sindieletro, “que recusou reajuste superior a 11% sobre salários e benefícios oferecido pela Companhia a todos os seus empregados, além da manutenção de uma série de condições diferenciadas oferecidas a funcionários”, conforme a companhia.

Já a Copasa, informou em nota, que, desde 2019, negocia com o sindicato majoritário da categoria o Acordo Coletivo de Trabalho (ACT). "A última mediação das negociações aconteceu no Tribunal Regional do Trabalho (TRT-MG), no dia 23 de novembro. Ao longo dessas negociações, a Copasa apresentou oito propostas, que foram recusadas. A Companhia continua aberta ao diálogo. Como a proposta do sindicato prevê um impacto de R$ 1,5 bilhão por ano, a Copasa tem pedido coerência e responsabilidade no debate uma vez que esse impacto do reajuste pretendido pela categoria é transformado em tarifa", diz o texto.

A crise econômica e a inflação alta acabaram fazendo com que o nível de renda dos brasileiros voltasse ao mesmo nível de 2012, segundo o professor de economia da PUCMinas Flávio Constantino. Segundo ele, a greve acaba sendo uma alternativa legítima para que os trabalhadores consigam um mínimo de recomposição, especialmente nas categorias mais essenciais.

“Quando a economia cresce, as ocorrências de greves são menores. Mas agora chegamos ao nosso limite. O que tínhamos para sofrer com desemprego e queda no poder de compra já sofremos, e a tendência é os trabalhadores exigirem uma recomposição. Imagina se algumas categorias fundamentais, como caminhoneiros ou médicos, param? Eles conseguem pressionar, e isso faz com que todos se sentem à mesa para negociar”, diz Constantino. 

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