Com o aumento constante dos preços dos alimentos, não há quem não tenha reduzido o número de produtos colocados no carrinho do supermercado. Para muitos, a inflação impacta não somente o número
de itens comprados, como também a qualidade deles. Carne, leite, hortaliças e frutas acabam perdendo espaço para outros produtos mais baratos, como congelados, salsichas e macarrão instantâneo.
Um estudo da Kantar, empresa que presta consultoria a supermercados e mercearias, indicou uma queda de 4,7% no número de itens comprados e um aumento de 6,2% no tíquete médio.
O levantamento mostrou ainda que, nas principais refeições, os brasileiros estão optando por proteínas mais baratas, como linguiça (+9,6), ovos (+6,7) e salsicha (+2,7), e reduzindo carnes mais nutritivas, como o bife de boi (-23,8). Lanches rápidos tiveram alta, como pães (+9,4%) e biscoitos (+5,6%), enquanto os legumes tiveram retração (-0,9%).
A grande questão é como a inflação, que hoje interfere nas escolhas alimentares dos brasileiros, vai impactar a saúde coletiva no futuro. Quem deixa de lado as hortaliças e frutas para consumir alimentos ultraprocessados acaba tendo maior tendência de ganhar peso e desenvolver doenças crônicas, como hipertensão e diabetes.
Rafael Moreira Claro, professor do Departamento de Nutrição da Escola de Enfermagem da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), explica que o problema não está apenas em um maior consumo calórico por conta da mudança de hábitos. “Os alimentos muito processados também são pobres em nutrientes, como vitaminas, minerais e ingredientes bioativos, que em geral são encontrados em alimentos provenientes de plantas, como frutas, hortaliças, arroz e feijão. A ausência dos nutrientes também está relacionada a ganho de peso e doenças crônicas”, explica o especialista, apontando as bebidas adocicadas (como refrigerantes e sucos artificiais) como os alimentos processados que oferecem maiores malefícios à saúde.
Uma pesquisa coordenada por ele para o Ministério da Saúde, o Vigitel 2021, indicou que 57,2% da população brasileira está com excesso de peso e 22,4% dos adultos estão obesos. Apenas 22,1% dos 27.093 entrevistados consomem frutas e hortaliças regularmente.
Uma alimentação menos saudável também afeta profundamente a vida dos mais jovens. O consumo de ultraprocessados pode aumentar em 45% o risco de obesidade para adolescentes, segundo estudo de pesquisadores da Universidade de São Paulo publicado no “Journal of the Academy of Nutrition and Dietetics”.
‘Tem que apelar para o repolho, que rende muito’
Mãe de seis filhos, Kátia Martins, 50, teve de reduzir a quantidade de produtos no carrinho do supermercado nas compras de mês. Os principais cortes acabaram sendo de frutas e verduras, que estão com preços nas alturas em 2022.
“Fui ao sacolão e comprei quatro tomates, uma cabeça de couve-flor, dois maços de couve, um pouco de batata-inglesa e banana. Deu R$ 65! E nem comprei cebola e outros legumes importantes”, relata.
Ela sabe que uma salada colorida é importante para uma refeição saudável, mas admite que está difícil manter esse hábito. Até mesmo chuchu, cenoura e batata, que costumavam ser os itens mais baratos, agora estão pesando muito no bolso. “Antes colocava na mesa uma variedade de verduras, mas hoje tem que apelar só para o repolho, que rende muito, além do alface e tomate. E sei que isso afeta a saúde”, completa.
Para o professor Rafael Claro, para se investir na saúde pública por meio de uma alimentação adequada, não basta combater os alimentos que não são saudáveis, mas é preciso desenhar políticas públicas que incentivem o consumo de frutas e verduras. Isso demanda estratégias.
“É preciso oportunizar uma concorrência mais justa para esses produtos. É preciso ter um mecanismo de indução ou estímulo para a produção, além dos canais de distribuição facilitados”, explica.
Na capital, cesta básica aumenta 20,48%
A inflação acumulada dos últimos meses está em 11,30%, segundo o
Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), mas, quando o assunto é exclusivamente a alimentação, o peso é muito maior. Segundo o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), a cesta básica sofreu um aumento de 20,48% nos últimos 12
meses em Belo Horizonte.
Somente no primeiro trimestre deste ano, foi de 10,63%. A cesta básica leva em conta 13 produtos básicos consumidos ao longo de um mês por uma única pessoa, como arroz, feijão, leite, tomate e banana. Hoje, ela é calculada em R$ 669,47 na capital mineira.
“O resultado disso é a perda no poder de compra do trabalhador. Uma coisa é a inflação alta em um momento de rendimento aumentado, outra é a inflação num momento em que a economia está desacelerando”, afirma Fernando Duarte, supervisor técnico do Dieese em BH. Segundo ele,
hoje quem recebe salário mínimo compromete 59% da renda com a cesta básica.
O especialista explica ainda que alguns alimentos têm peso maior sobre o orçamento das famílias mais pobres, como o pãozinho francês, consumido diariamente em muitos lares. Esse item sofreu um aumento de 18,5% em 12 meses, segundo levantamento de março, mas está sofrendo um reajuste bem mais impactante em abril, por causa dos efeitos da guerra na Ucrânia. “A própria substituição está difícil”, diz.