Precificação

Lucro trimestral da Vale paga gastos de um ano com reparação

Para o mercado, impactos da tragédia já não ameaçam mais o valor da mineradora

Por Queila Ariadne e Rafaela Mansur
Publicado em 26 de janeiro de 2020 | 03:01
 
 
 
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As indenizações e reparações da tragédia de Brumadinho custaram, até agora, R$ 6 bilhões para a Vale. A mineradora gastou com familiares de vítimas, atingidos e meio ambiente menos do que lucrou em um único trimestre: foram R$ 6,5 bilhões entre julho e setembro de 2019, último balanço divulgado. O montante é cerca de um quarto dos R$ 24,1 bilhões que a empresa reservou para lidar com os danos do rompimento da barragem. Esse valor, que já inclui todas as compensações previstas, é um quinto da receita acumulada de janeiro a setembro do ano passado, que foi de R$ 107,7 bilhões.

Segundo especialistas, as estatísticas da empresa, que vem revertendo prejuízos e já recuperou o valor de mercado, enfatizam a força da Vale e sinalizam que, pelo menos para o mercado financeiro, o “efeito Brumadinho” já ficou para trás.

"Quando a barragem se rompeu, o valor da ação caiu de imediato, pois o mercado precificou os impactos. Mas isso já foi absorvido, e, agora, o mercado está olhando é para o futuro, para as projeções do que virá”, afirma o coordenador do curso de administração do Ibmec, Eduardo Coutinho. Ele ressalta que o provisionamento tem mais a ver com a necessidade de reparação dos danos do que com tamanho ou volume de riquezas que a empresa pode gerar.

“A Vale é uma operação gigante, rentável, com um produto de base consumido pelo mundo todo, e os investidores estão olhando única e exclusivamente esse aspecto. Ninguém está incomodado com os impactos socioambientais que ela já causou e ainda poderá causar. Por isso, ela recuperou a imagem no mercado. Se nós tivéssemos outro grau de maturidade de investidores, preocupados com os impactos no ambiente e na sociedade, talvez teríamos outra precificação das ações, afirma o consultor e presidente da MESA Corporate Governance, Luiz Marcatti.

Para os atingidos, a visão é diferente da do mercado. “A reparação só vai acontecer quando as pessoas que fizeram isso estiverem na cadeia, quando a vida realmente estiver em primeiro lugar”, diz Andresa Rodrigues, 42, que perdeu o filho Bruno Rocha Rodrigues, 26, na tragédia. Ele trabalhava como técnico de processamento da mineradora.

De acordo com o membro da coordenação nacional do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Joceli Andrioli, a Vale tem dificultado a contratação de assessorias técnicas independentes para a identificação dos danos, de forma que a própria mineradora estabelece o que precisa ser reparado. “A Vale já está contando com a impunidade dela, por isso definiu esse valor. Ela faz o que quer com os atingidos”, diz. Para Andrioli, a redução da oferta de minério fez o preço da commodity subir, e “isso é muito perverso”.

A Vale explica que as assessorias técnicas já foram definidas. “A empresa está discutindo na esfera judicial os valores dos contratos, considerando parâmetros de mercado para serviços similares”, diz.

Queda na produção eleva preço

Mesmo com uma queda na produção nacional de minério de ferro estimada de 11% a 12% no ano passado, devido principalmente à paralisação de minas da Vale após a tragédia em Brumadinho e a questões sazonais no Norte, a receita do setor cresceu entre 8% e 9% no Brasil, segundo o analista de mineração da Tendências Consultoria Felipe Beraldi. “Houve um aumento bastante significativo no preço do minério de ferro. Ao mesmo tempo que caiu o fornecimento global da commodity, houve uma grande demanda por parte da China”.

Para este ano, a expectativa é de queda de 12,6% no preço e alta de 8% a 9% na produção, em razão da continuidade de crescimento no Pará e da reativação das operações em Minas Gerais. Sozinha, a Vale é responsável por 85% do mercado nacional, segundo o Instituto Brasileiro da Mineração (Ibram).

O diretor-presidente do Ibram, Flávio Penido, ressalta que o desastre em Brumadinho, assim como o de Mariana, trouxe impactos para todo o setor. “Ao contrário da Samarco, a Vale tem outras operações, por isso a receita dela não sofreu grandes impactos”, avalia.

Penido lembra que, após o rompimento, a Vale anunciou o descomissionamento de todas as barragens construídas a montante e teve que paralisar minas. “Quem saiu ganhando foram nossos concorrentes australianos”, destaca, ressaltando que eles preencheram a lacuna deixada pela mineradora. A BHP, sócia da Vale na Samarco, é australiana.

Reparação gerou vagas e amenizou as perdas

Logo depois do rompimento da barragem da Vale em Brumadinho, a Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg) estimou que a retirada de minério do mercado poderia atingir até 130 milhões de toneladas. Mas, na prática, foi menos do que o esperado. “Na verdade, a redução da produção foi de 71 milhões de toneladas”, diz a gerente de estudos econômicos da entidade, Daniela Britto.

A economista destaca que as ações da mineradora ajudaram a amenizar as perdas. “Nas cidades onde barragens estão sendo descomissionadas, muitos empregos foram gerados”, considera Daniela. Até o momento, a Vale concluiu a descaracterização de uma das nove barragens a montante com o procedimento previsto. A estrutura fica na mina de Águas Claras, em Nova Lima, na região metropolitana. A obra gerou 160 empregos diretos.

Segundo a mineradora, o objetivo é que as nove barragens estejam descaracterizadas ou com o fator de segurança adequado nos próximos três anos. Todas essas estruturas já estavam inativas e, por isso, nenhuma mina será paralisada em função das obras.

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