Quando o Minha Casa Minha Vida (MCMV) foi lançado, em 2009, a meta era reduzir o déficit habitacional do país. Naquele ano, faltavam 534 mil moradias para a população de Minas Gerais. Em dez anos, o programa entregou 156.858 unidades no Estado. Mas, segundo dados mais recentes da Fundação João Pinheiro (FJP), a falta de moradias dignas só piorou e o déficit atual é de 575 mil. O problema ficou maior, e a solução, mais distante.

“Hoje, nós não temos uma política de habitação de interesse social no Brasil. A faixa 1 (que subsidiava moradia para a baixa renda) já não existe desde o fim de 2018. E a faixa 1,5 (para quem ganha até R$ 2.600 por mês) está parada desde o começo de janeiro porque o governo ainda não assinou uma portaria que até já foi aprovada”, afirma o presidente do Sindicato da Indústria da Construção Civil de Minas Gerais (Sinduscon-MG), Geraldo Linhares Júnior. A faixa 2 (até R$ 4.000) também está parada.

O governo reservou R$ 295 milhões para subsídios, mas, pela regra do Conselho Curador do FGTS, de onde saem os recursos, a União deveria reservar R$ 900 milhões. O Ministério do Desenvolvimento Regional tentou zerar a subvenção, mas a medida não prosseguiu, pois depende também da aprovação do Ministério da Economia. O impasse seria um dos motivos da demissão do ministro Gustavo Canuto.

Mesmo se o dilema fosse resolvido agora, o problema habitacional do país não desapareceria. Nem União, nem o Estado ou as prefeituras têm programas de interesse social para ajudar pessoas como a dona de casa Cristiane Bonfim, 38, que mora há 30 na beira do rio das Velhas, em Sabará, na região metropolitana de BH. Com a forte chuva do dia 24 de janeiro, ela perdeu tudo na enchente. “Eu só tinha visto a água subir tanto assim em 1997. De lá para cá, não mudou nada em relação ao poder público. Eles sabem o que acontece, mas não fazem nada. A gente fica aqui porque não tem outro lugar”, conta.

Na falta de políticas macro, são ações micro que minimizam a dor de quem não tem condições de bancar uma moradia segura. Ajuda que vem de instituições sem fins lucrativos, como o projeto Arquitetura na Periferia, do Instituto de Assistência à Mulheres e Inovação, que está levando soluções para ajudar moradores de áreas de risco a enfrentarem o perigo das chuvas. O auxílio vem também da organização social Teto, que está arrecadando recursos para construir moradias de emergências para vítimas de chuvas, e de faculdades, que se colocam a serviço da comunidade.

O curso de arquitetura da UNA já tem como rotina oferecer assistência gratuita à população carente. A universidade possui cinco escritórios-modelo que auxiliam as famílias mais necessitadas, que ganham até três salários mínimos, em questões como regularização de lotes e dando consultoria para melhor aproveitamento do espaço.

“Prestamos um atendimento de longo prazo, oferecendo apoio a projetos nas comunidades. Também firmamos parcerias com prefeituras, para a revitalização de praças e becos. Agora, no curto prazo, estamos atuando junto à Defesa Civil, buscando dados para entender os impactos nas regiões mais afetadas pelas chuvas em Belo Horizonte, Betim e Contagem. Ainda não definimos ações, mas estamos mapeando pontos de prioridade para entender melhor de onde virão nossas demandas futuras”, explica professora de arquitetura e urbanismo Flávia Papini. Para ela, a atuação dos escritórios garante uma vivência profissional aos alunos. “Acreditamos que a universidade tem um papel muito importante de atuar como um desenvolvedor da comunidade”, ressalta Flávia.

O Departamento de Engenharia Civil da PUC São Gabriel também oferece capacitação, com o programa Canteiro Escola. “O objetivo é transmitir conhecimentos teóricos e práticos de pequenos processos de construção de moradias e acabamentos. Em março, uma nova turma será aberta, com 40 vagas. As inscrições podem ser feitas pelo site da instituição. “Os alunos aprendem a interpretar projetos e recebem noções básicas de segurança. Pode participar qualquer pessoa alfabetizada e maior de 18 anos”, explica o coordenador Paulo Henrique Maciel.

Teto quer construir 20 moradias

Enquanto as prefeituras, com ajuda do Estado e da União, estudam alternativas para os desabrigados e desalojados pelas chuvas, a organização social Teto está fazendo uma vaquinha virtual para construção de pelo menos 20 moradias emergenciais. “Estamos com uma campanha na plataforma de financiamento coletivo Catarse. Nossa meta é arrecadar R$ 160 mil e construir as moradias de emergência nos dias 14 e 15 de março. Cada pequena doação vai ajudar a transformar essa realidade. Quem puder, é só procurar pela campanha Construindo por Minas Gerais”, explica o gestor de sede da Teto, Valter Gomes. 

As casas serão construídas por voluntários, em parceria com os próprios moradores. A seleção das famílias depende de uma análise de prioridade. “Nosso foco é o desenvolvimento a partir de infraestrutura e moradia. Mas fomos surpreendidos com o tamanho do impacto das chuvas nas comunidades onde atuamos e, junto com as brigadas populares, a Defesa Civil e os Engenheiros sem Fronteiras, estamos mapeando as ocupações muito afetadas e decidimos construir as moradias emergenciais”, destaca Gomes.

“Não é escolha, é necessidade”

Tatiane Bonfim de Morais Rodrigues, 34, demorou muitos anos para construir a casa onde mora com cinco filhos, na beira do rio das Velhas, no bairro Roça Grande, em Sabará, na região metropolitana de Belo Horizonte. Depois de perder praticamente tudo com a enchente provocada pela forte chuva do dia 24 de janeiro deste ano, Tatiane foi orientada pela Defesa Civil a deixar o loca, sob risco de desabamento. Ficou uma semana na casa de parentes, mas voltou. “Se eles quisessem mesmo que a gente saísse, tinham que arrumar um lugar para gente ir. Tem gente que acha que estamos aqui porque queremos, mas quem dera fosse uma escolha. É necessidade. Para onde eu vou com meus cinco filhos?”, questiona Tatiane, que está desempregada no momento.

Em Sabará, depois daquela chuva, mais de 1.200 pessoas ficaram desalojadas o ou desabrigadas, segundo dados da Defesa Civil do município. Em Raposos, também na região metropolitana, o número de pessoas que precisaram deixar suas casas chegou a 6.000, um terço de toda a população da cidade.

O porteiro Raimundo Alexandre Vieira, 45, mora no bairro Várzea do Sítio, um dos mais impactados pela enchente do ribeirão do Prata. “Escutei os meninos gritando: ‘o rio está enchendo’. A água subiu muito rápido e só deu tempo de tirar os documentos”, lembra Vieira, que teve que passar um tempo na casa de parentes.

A casa onde ele mora foi comprada pelo pai, quando ainda trabalhava na mina Morro Velho. “Tem gente que pensa que quem fica aqui é porque gosta de sofrer. Mas ninguém gosta de perder as coisas. Eu não tenho para onde ir, nem tenho condições de comprar uma casa em outro lugar”, afirma Vieira.