Com quase 5 mil habitantes, o bairro da Graça é um dos mais tranquilos da região Nordeste de Belo Horizonte. Não possui grandes redes de supermercado, drogarias ou lanchonetes e em suas ruas é possível encontrar poucas e pequenas unidades comerciais. Mas toda essa tranquilidade é quebrada no 28 de outubro, Dia de São Judas Tadeu.
O santuário dedicado ao “santo das causas impossíveis” realiza missas de duas em duas horas, a partir da meia-noite, atraindo milhares de fiéis. Um volume tão grande de pessoas em um único espaço naturalmente atrai ambulantes que vendem os mais diferentes produtos: velas, artigos religiosos, artesanato, comida, roupas, entre outros.
Mas as vendas nesta sexta-feira não foram como esperado para o comércio, mesmo com o fim das restrições sanitárias impostas pela pandemia. Uma mostra disso é a feira de brechós e artesanatos, que é realizada mensalmente, sempre no dia 28, dentro do Clube dos Subtenentes e Sargentos do Exército. Antes da pandemia, eram 40 expositores, enquanto agora são apenas 13.
“Antes da pandemia era maravilhoso. Tínhamos mais barracas e mais público. Vendíamos mais”, afirma Sandra Mara, organizadora do evento e expositora há seis anos. “O público não passeia mais depois da missa. Era um momento de confraternização, as pessoas circulavam pelas barracas, pelas ruas do bairro. Agora elas vêm somente para a missa”.
A artesã Neusa Ribeiro de Freitas é uma das muitas pessoas que apresentam seus trabalhos em barracas na rua Geraldo Faria de Souza, que fica com trânsito impedido nos dias 28. Para ela, houve uma queda no número de visitantes do santuário depois da pandemia, mas só isso não explica a queda nas vendas. “As pessoas estão com a renda muito pequena, são poucas que podem comprar. Quase todo mundo tem que priorizar as contas mais importantes, como água ou luz. muita gente deixou de vir porque não está conseguindo vender, não está valendo a pena”, relata.
Na barraca vizinha, Delsi do Carmo Souza também reclama da baixa nas vendas. Mesmo assim, ela faz questão de ressaltar que os feirantes e ambulantes não querem sair do entorno da festa de São Judas. “O ideal seria a prefeitura regularizar a situação dos feirantes, fazer um recadastramento. Queremos continuar aqui”, afirma.
Procurada pela reportagem, a Prefeitura de Belo Horizonte informou que não realiza cadastramento de ambulantes nessas ocasiões. “O licenciamento de atividades em logradouro é realizado mediante chamamento público conforme previsto no Código de Posturas do Município. O que ocorre em festas desta natureza, no entorno de templos, é o licenciamento de evento, com previsão de barracas para venda de comida e bebida e artigos religiosos”.
Venda de alimentos
A pracinha em meio à Vila Militar, vizinha ao santuário, sempre foi o espaço de encontro para barraquinhas e carrinhos de comida. Onde costumavam ficar mais de dez opções, agora só havia três. Um deles é o acarajé feito pela Larissa da Silva Mota, no ponto inaugurado pela mãe há 20 anos. Ela conta que o dia 28 de outubro de 2022 está muito mais tranquilo do que costumava ser até 2019. “Antes a gente fazia 10 kg de massa pro bolinho em um dia como esse, agora fazemos 5 ou 6 kg”, conta Larissa.
Nem mesmo para os vendedores de velas, que ficam em diferentes pontos ao redor da igreja, a situação foi próspera. Moradora de Venda Nova, Jéssica Moreira chegou à porta do santuário às 18h de quinta-feira (27), para pegar o movimento das missas das 19h e 22h. Atravessou a madrugada na banquinha e pretendia só voltar para casa às 22h de sexta.
Mas não sabe se vai valer a pena a maratona de trabalho. “A venda está muito abaixo do esperado. As pessoas estão sem dinheiro mesmo, qualquer real tá fazendo diferença”, diz a vendedora, completando que muita gente tem comprado os artigos religiosos no pix.
Até mesmo para os comerciantes, não foi fácil fazer uma previsão para o movimento do dia 28 de outubro. Marcílio Torres, dono de uma lanchonete vizinha há 17 anos, se prepara para um trabalho intenso em todos os dias 28 - já que os fiéis não visitam o santuário somente em outubro, mas mensalmente, para mostrar a devoção. Mesmo com o fim das restrições sanitárias, o volume de vendas nos dias especiais não voltou ao que era antes.
“É imprevisível. Porque viemos de dois anos de pandemia. O fervor e a devoção sempre vai ser intensa, na procura pela paz e na cura das doenças. É imprevisível, mas acredito que vai ser melhor do que os outros dias 28 que nós tivemos”, que abriu a lanchonete às 5h30 e vai fechá-la somente às 22h.
Espiritualidade, cultura e acolhida
A movimentação dos fiéis é importante para a economia do próprio santuário, que tem uma loja de artigos religiosos Cristo Rei e uma lanchonete. Mas Maria de Fátima Felicíssimo Lodi, coordenadora das obras sociais e coordenadora do Conselho Pastoral Paroquial, explica que as contas do santuário e o financiamento dos muitos projetos sociais costumam vir das doações dos fiéis.
“Quando a pessoa tem seu coração agradecido e tocado, ela se manifesta. Tem gente que dá um real, que tem um valor extraordinário. Tem gente que dá um valor proporcional à graça que alcançou. Essa consciência de pertença é maravilhosa”, afirma Maria de Fátima.
Para ela, a economia que existe em relação ao santuário e toda comunidade de seu entorno tem por trás um tripé católico: espiritualidade, cultura e acolhida aos mais pobres. Por isso, este ano os voluntários viram a importância de trabalhar o acolhimento aos ambulantes que trabalham o dia todo no entorno da igreja.
Os ambulantes passaram a ser convidados a almoçar no espaço social da igreja, no dia 28. “Eles fazem a refeição num ambiente digno, com possibilidade de uso do sanitário e o mais importante: são reconhecidos como pessoas e irmãos. Quando essa pessoa chega, alguém anota o nome dela. Dessa forma, quando seu Edimar senta, a gente sabe que ele é o seu Edimar”, diz.
Maria de Fátima também percebeu uma mudança no perfil do comércio do entorno da igreja. “Todo dia 28 a gente tem aqui no entorno uns tantos vendedores de velas. Esse é um produto que chama atenção, porque as pessoas não estão mais atrás de bolsa, sapato, roupa diferente, mas sim de uma luz. Os ambulantes são experts em saber o que as pessoas estão querendo”.