Os apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (PL) que fecham as rodovias brasileiras em protesto contra o resultado da eleição já prejudicam diversos setores da economia. Cerca de 70% dos supermercados em Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro, Distrito Federal, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Pará e Santa Catarina registram problemas com abastecimento devido às manifestações golpistas de caminhoneiros no Brasil, informou a Associação Brasileira de Supermercados (Abras) ontem. Na mesma toada, o Sindicato do Comércio Varejista de Derivados do Petróleo do Estado de Minas Gerais (Minaspetro) esclareceu que a situação dos estoques de combustíveis “está se agravando”. Em Governador Valadares e Caratinga, no Vale do Rio Doce, a CeasaMinas sentiu os impactos: produtores e compradores demoraram para chegar, e o comércio foi mais fraco que o habitual.
Segundo a associação dos supermercados, não deve haver mudança de preços dos produtos, e as principais baixas são de frutas, legumes e verduras, carnes, frio e laticínios e panificação. “Principalmente, lojas menores que apresentam mais problemas por causa da capacidade menor de estocagem e abastecimento diário. Nas regiões mencionadas (os estados representados pela Abras), identificamos que existem basicamente 200 pontos de concentração, com locais parcialmente bloqueados, e mais de 50 bloqueados. Quando olhamos as regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste, algumas categorias podem ficar desabastecidas nos próximos dois ou três dias. Em outras, o reflexo vai acontecer mais adiante. Parte dos supermercados estavam pré-abastecidos. Mesmo que em algumas lojas a situação esteja normalizada, a situação vai piorar”, declarou o vice-presidente da entidade, Marcio Milan.
Em nota divulgada ontem, o Minaspetro informou que há problemas para ter acesso aos suprimentos da cadeia de produção de combustíveis. Mas, a entidade pediu para que a população não faça corrida aos postos para não agravar ainda mais os estoques.
“Postos de algumas regiões já estão apresentando falta de produto. As bases também estão apresentando problemas de suprimentos (anidro e hidratado), uma vez que os caminhões não conseguem chegar para descarregamento”, esclareceu o sindicato de classe em nota. De acordo com a entidade, os bloqueios nas rodovias do interior de São Paulo também prejudicam o fornecimento de combustíveis, principalmente de etanol, já que boa parte das usinas de cana-de-açúcar estão localizadas nesse local.
Por outro lado, a Associação das Indústrias Sucroenergéticas de Minas Gerais (Siamig) não sente impactos, até o momento, do fechamento das rodovias. “Nenhum associado relatou problema específico referente aos protestos. É claro que o bloqueio, dependendo da região, pode ter algum tipo de carregamento com dificuldade para chegar ao destino. Mas, é bom lembrar que o mercado de combustíveis trabalha com um pouco de estoque. Então, tem um pulmão aí. Mas, esse pulmão não é muito grande", diz Mário Campos, presidente da Siamig. No caso da indústria do açúcar, a entidade informa que boa parte da produção é escoada por ferrovias, o que minimiza o impacto.
Para Paulo Resende, professor de logística da Fundação Dom Cabral (FDC), o problema maior do fechamento de dois dias se volta aos combustíveis. “Os postos têm estoques muito menores que antigamente hoje em dia, porque se tornaram centros de serviços. Então, até por segurança, não podem abrigar grande quantidade de combustível. O maior problema está aí, porque é uma logística quase que just in time (a compra de produto acompanha a demanda). Os alimentos começam a faltar entre cinco e sete dias de bloqueios. Os medicamentos em uma semana. Esse é o cálculo que a gente faz”, diz o especialista.
No setor avicultor mineiro, há problemas de logística ainda que os caminhões com carga viva passando pelos bloqueios sem restrições. A dificuldade acontece por conta dos engarrafamentos causados pelas manifestações. "Nesse primeiro momento, o impacto identificado é com relação ao cumprimento da programação de abate das aves. Mas, se caso as manifestações perdurarem, o impacto poderá ser maior, com desabastecimento de ração para as granjas avícolas, como também falta de embalagens e dificuldade para escoar a produção", afirma Gustavo Ribeiro, assessor administrativo e veterinário da Avimig. Apesar das dificuldades, Ribeiro não consegue dar uma estimativa de prejuízos até o momento.
A situação dos avicultores chama a atenção do especialista em logística Paulo Resende. Para ele, o Brasil pouco evoluiu na temática desde 2018, quando o País sofreu com a greve dos caminhoneiros. “A gente não aprendeu nada. Continuamos muito dependentes da malha rodoviária. Temos que ressaltar que temos, na maioria dos casos neste ano, apenas lentidão. Não há greve, mas interdições nas rodovias. Ainda assim, o impacto é imenso. Nossa logística ignora um ponto fundamental, que é a gestão de riscos”, afirma o professor.
Saúde comprometida
O transporte de cilindros de oxigênio medicinal a clínicas e hospitais de todo o Brasil também é comprometido, informou a Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim). O insumo é de extrema importância para o tratamento de pacientes hospitalizados em Unidades de Terapia Intensiva (UTI’s) com enfermidades que afetam o sistema respiratório, como a Covid-19. “Faz-se necessária a urgente liberação da circulação sem bloqueios no País para que tanto o oxigênio quanto os demais produtos essenciais à vida do brasileiro sigam chegando ao seu destino”, destacou a Abiquim.
A Associação Brasileira da Indústria de Tecnologia para Saúde (Abimed) também emitiu nota demonstrando preocupação com os bloqueios nas rodovias. A entidade informou que tem acompanhado a movimentação nas estradas e que enviou ofícios para ministérios do governo, pedindo apoio para que o setor da saúde tenha um tratamento de exceção nas rodovias.
A Associação Brasileira das Indústrias de Produtos de Higiene, Limpeza e Saneantes para Uso Doméstico e Uso Profissional (Abipla) também sente os impactos dos atos dos bolsonaristas. "os bloqueios rodoviários totais, estabelecidos por transportadores em diversos estados brasileiros, podem levar à paralisação de unidades industriais do setor por falta de insumos, o que geraria prejuízos econômicos e sanitários ao Brasil". Segundo a entidade, linhas de produção podem começar a ser suspensas ainda nesta terça (1º).
Reflexos em outros estados
No Paraná, as interdições nos dois sentidos da BR-277 prejudicaram o funcionamento do porto de Paranaguá. Mais de 100 caminhões não conseguiram chegar ao local para descarregar. Segundo dados do pátio de triagem da unidade, onde os caminhões chegam para aguardar a descarga dos granéis sólidos vegetais de exportação, apenas 54 veículos de carga foram recebidos entre a tarde de segunda e a manhã de ontem. "Os operadores portuários já têm adotado medidas em relação aos agendamentos para evitar filas e maiores transtornos. As equipes das empresas e da Portos do Paraná seguem monitorando a situação junto às autoridades responsáveis", informou a empresa que administra o terminal.
Em São Paulo, o prefeito interino Milton Leite (União Brasil) afirmou que a principal preocupação da cidade com os bloqueios de caminhoneiros são os hospitais. Leite, que é presidente da Câmara Municipal, diz que não deixará que pessoas morram como consequência das manifestações bolsonaristas. "Eles têm que entender que a cidade tem milhões de habitantes e que tem uma série de demandas, como hospitais, transporte público. A cidade tem que funcionar. Primeiro, vamos ao diálogo. Depois, eles não podem impedir que a cidade pare de funcionar", afirmou.
Ainda em São Paulo, a Associação Paulista de Supermercados (Apas) orientou seus 4.500 supermercados associados, desde segunda (31), a antecipar a logística em relação às suas lojas e centros de distribuição, tendo em vista os atos. No Rio de Janeiro, a situação dos estoques nos supermercados do estado do Rio de Janeiro é "regular", segundo a Associação de Supermercados do Estado do Rio de Janeiro (Asserj). A exceção é a dos produtos de hortifrúti, em "episódios pontuais", segundo a entidade. A Asserj esclareceu que monitora o quadro de abastecimento do setor.