A taxa básica de juros da economia brasileira sofreu a décima alta seguida e chegou a 12,75% ao ano, ante 11,75% praticados até abril de 2022. Medida foi definida, por unanimidade, em reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC). Anúncio foi feito na noite desta quarta-feira (4). É o maior valor para a Selic desde janeiro de 2017, quando estava em 13% ano ano.
Em nota, o BC pontua que há dois fatores principais que levaram à decisão e, ambos, estão relacionados à "deterioração" do mercado exterior – a guerra entre Rússia e Ucrânia e “problemas de oferta advindos da nova onda de Covid-19 na China”.
“A reprecificação da política monetária nos países avançados eleva a incerteza e gera volatilidade adicional, particularmente nos países emergentes [como o Brasil]”, diz o texto. No cenário interno, a autarquia pontua que há uma supresa negativa no avanço da inflação, que as “diversas medidas de inflação subjacente apresentam-se acima do intervalo compatível com o cumprimento da meta para a inflação” e que as expectativas para a alta nos preços está entre 7,9% e 4,1% entre 2022 e 2023. Com isso, o “comitê julga que a incerteza em torno das suas premissas e projeções atualmente é maior do que o usual”.
“Sem prejuízo de seu objetivo fundamental de assegurar a estabilidade de preços, essa decisão também implica suavização das flutuações do nível de atividade econômica e fomento do pleno emprego”, justifica o Banco Central.
Ainda, há previsão de que, na próxima reunião do Copom, haverá provável “extensão do ciclo com um ajuste de menor magnitude” na Selic.
Votaram, na reunião, os membros Roberto de Oliveira Campos Neto [presidente do Banco Central], Bruno Serra Fernandes, Carolina de Assis Barros, Diogo Abry Guillen, Fernanda Magalhães Rumenos Guardado, Maurício Costa de Moura, Otávio Ribeiro Damaso, Paulo Sérgio Neves de Souza e Renato Dias de Brito Gomes.
“Incerteza não combina com crescimento”
Professor da Faculdade de Ciências Econômicas (Face) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Mauro Sayar explica que, grosso modo, a alta na taxa básica de juros tem duas causas e uma principal consequência para o mercado – e, principalmente, para a população: um processo inflacionário espalhado por toda a economia, alta incerteza no mercado e encarecimento do crédito, respectivamente. Este, fará com que o consumo dos brasileiros na modalidade seja desestimulado.
“Tivemos, no ano passado, e mesmo antes da guerra, o início do processo inflacionário, e já tínhamos ruptura das cadeias produtivas, restrição de produção, transporte, falta de produtos, falta de mercadorias, elevação dos preços, que são restrições da oferta. Tem-se, também, a demanda. Os governos, devido à Covid, fizeram políticas fiscais muito expansionistas. Isto é: elevação dos gastos públicos, transferências públicas de dinheiro para a população [como o Auxílio Emergencial praticado em 2021]. De um lado, oferta restrita e, de outro, políticas de expansão da demanda da população. Isso está por trás da inflação em escala global”, detalha.
A guerra na Ucrânia ajudou a aprofundar esse cenário por envolver, direta ou indiretamente, países que são produtores de energia e commodities agrícolas. O conflito paralisou parte dos fornecimentos dos produtos em vários territórios importantes e ampliou ainda mais o processo inflacionário, conforme Sayar.
“Esse é o desenho hoje, é como os bancos centrais estão enxergando a economia e tomando ações para evitar que o processo inflacionário seja difundido. Tentar conter a demanda, dificultar o acesso ao crédito, que é fazer com que a população pense duas vezes antes de pegar crédito, e, mesmo para os bancos, antes de conceder empréstimo. A consequência disso é que o crédito vai ficar mais caro. Impacta no consumo, as parcelas ficam mais elevadas. Um empréstimo fica mais caro, inibe a busca pelo crédito, e essa é a intenção dos bancos centrais quando agem como agora”, completa o professor.
Em relação ao mercado, o cenário causa incerteza – o que dificulta medidas que estimulam a produção, como aportes externos na economia brasileira e crédito para novos projetos. Com a alta da taxa de juros, o Banco Central tenta comunicar os setores quais são os fatores que geram esses problemas.
“O banco central quando emite a nota fala de fatores domésticos e menciona fatores de risco que estão por trás da decisão. É um indicativo do que ele avalia no mercado como fatores de risco. Traduz-se ‘volatilidade’ como nervosismo [no contexto]. Quando o risco é maior, há um preço a se pagar pelo risco: restringir crédito para projetos, que pode ser para um banco, para uma startup, para uma empresa. Incerteza não combina com crescimento”, finaliza o economista.
Alta histórica nos EUA
Os juros básicos dos Estados Unidos, em paralelo à Selic, no Brasil, sofreram alta histórica nesta quarta-feira após decisão do Federal Reserve, banco central do país norte-americano. Houve reajuste de 0,5 ponto percentual, elevando a taxa para 1,0% ao ano, contra 0,75%. Desde 2000 não havia mudança neste patamar.
Movimento ocorre em meio à alta inflação nos EUA e ao aumento dos preços de commodities relacionadas à energia, em especial o petróleo, que, em grande parte, ocorrem devido à guerra entre Rússia e Ucrânia.
Mudanças na cadeia de produção de vários produtos e carências diversas marcam o período, também, após efeitos acumulados da pandemia de Covid-19 no mercado internacional.