SÃO PAULO - “Apocalipse nos Trópicos” é quase uma continuação de “Democracia em Vertigem”, indicado ao Oscar de melhor documentário há quatro anos. Em exibição na 48ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, a nova produção dirigida pela mineira Petra Costa, traz o mesmo cenário (a política brasileira) a partir do momento em que o trabalho anterior parou, no impeachment da presidenta Dilma Rousseff, ocorrido em 2016. E agora mostra o crescimento e a influência dos evangélicos na condução do país.
“Ele surgiu durante a filmografia de ‘Democracia em Vertigem’, durante um interregno, em que a gente procurava coisas para filmar. Num dia, numa sessão da Câmara (de Deputados) muito tediosa, uma assessora veio me falar que haveria um ato profético do (pastor) Silas Malafaia em frente ao Congresso. E eu fui. É a cena que abre o filme, quando a pastora Valnice (Milhomens) fala “Que Deus tome o Legislativo, o Executivo e o Judiciário. Nunca tinha ouvido uma reza para os três poderes e aquilo me chocou”, registra Petra Costa.
Nos anos seguintes, em todo culto que ela acompanhava com a sua câmera, os três poderes eram sempre mencionados. “Rezam para que os membros da igreja deles se tornem juízes da Suprema Corte, desembargadores... Ficou claro que existia um desejo de ocupação da política por cristãos”, assinala. Petra só foi “descobrir” que tinha um filme em mãos em 2020, quando resolveu filmar a pandemia ao “sentir, mais uma vez, a história correndo pela rua, (...) a gente viu a onipresença do discurso evangélico”.
Esse aumento de poder, segundo ela, se manifestava tanto na forma de os evangélicos darem apoio sanitário e espiritual que o Estado não dava em várias comunidades, quanto “falando que Jesus iria curar a Covid, mantendo as igrejas abertas”. Quando a cineasta perguntou a um dos pastores que pregava essa ideia de salvação quem era o mentor dele, o nome de Silas Malafaia veio como resposta. O pastor, líder da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, é um dos principais protagonistas de “Apocalipse dos Trópicos”.
É ele quem pontua os principais momentos da política brasileira de 2016 a 2023, geralmente dando uma visão religiosa em seus comentários. “Entrevistamos o Silas e o material foi revelando que era um personagem fascinante para entender mais o que estava acontecendo. Ele nos recebeu bem, daquele jeito dele”, destaca Petra Costa. Ela cita uma “cena maravilhosa que não entrou no filme”, durante um culto promovido pela esposa de Silas, Elizete, em que enxergavam na pandemia uma forma de reprimir a liberdade feminina.
“Eles falavam ‘que bom que a Covid foi uma doença (que serviu) para as mulheres aprenderem a ficar em casa e a cuidar de suas famílias. Aí ela olhou para a nossa câmera e disse para mostrarmos às feministas, afirmando que homens têm pênis e mulheres têm vagina. Então eles sabiam para quem estavam falando”, relata a diretora, que não pretende dar continuidade ao retrato da política brasileira, “pelo menos não dessa forma tão macro, porque me consome demais; meu próximo filme será mais intimista”. O quinto longa abordará a questão da terra na forma de um faroeste.
O repórter viajou a convite da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo