Cidade natal da fotógrafa italiana Valentina Vannicola, Tolfa se transformou no inferno. Localizada na região norte de Roma, praticamente no “joelho da bota” que, geograficamente, ilustra o país europeu, a comuna litorânea com cerca de 5 mil habitantes foi escolhida pela artista como cenário de 15 fotografias que interpretam os cânticos de “Inferno” - primeira das três partes de "A Divina Comédia”, obra fundamental da literatura ocidental, escrita por Dante Alighieri no início do século XIV.

“A obra foi criada nas colinas de Tolfa, com apoio de toda a comunidade. Os atores são não-profissionais, oriundos do território, assim como as costureiras e artesãos que participaram da realização deste trabalho”, registra Valentina. O resultado poderá ser visto de hoje até 28 de maio, na Casa Fiat de Cultura, onde foi feito um ambiente imersivo para receber um material que transcende a simples fotografia e que tem como conceito-base o “tableau vivant”, expressão francesa para “pintura viva”.

A ideia, nascida no século XIX, após o nascimento da fotografia, é reencenar uma determinada imagem (um quadro famoso, por exemplo) que seja reconhecível por um grupo de pessoas. Em linhas gerais, o que está por trás desse gênero é estabelecer uma sensação de movimento, algo que fica nítido no trabalho de Valentina quando ela recorre à cinematografia como fonte principal de suas fotografias – a câmera é analógica, com os negativos sendo posteriormente digitalizados, pós-produzidos e impressos.

“Minha prática artística tem sido fortemente influenciada pelo cinema. Iniciei a minha formação com estudos clássicos, dando continuidade com uma faculdade de humanidades com habilitação cinematográfica. Depois, a necessidade de tentar experimentar algumas noções teóricas levou-me da imagem em movimento para a fotografia: procurava um espaço mais íntimo e privado para elaborar algum raciocínio. Mas isso não deve ser considerado como uma passagem ou o abandono de uma arte por outra. Foi mais uma mistura”, assinala Valentina.

A artista tem concentrado suas pesquisas na relação entre literatura e fotografia e, de forma mais geral, na capacidade desta última de dar forma às histórias. “Meus projetos, muitas vezes, se detém na transposição fotográfica de obras literárias e históricas, reencenadas em meticulosos tableau vivants”, explica. Foi assim que chegou ao “Inferno”, poema épico que dá início a travessia de Dante Alighieri e que o conduzirá ainda ao “Purgatório” e ao “Paraíso”. Na obra original, essa viagem é contada em 100 cantos, com 14 mil versos.

Valentina diz que se deteve em “Inferno” devido ao seu poder imaginativo, capaz de se conectar com as novas gerações. “Ela tem uma linguagem envolvente, na qual Dante orienta o leitor de modo a facilitar a visualização e materializações dos personagens e das situações descritas. O autor insere a alegoria, na forma de uma grande advertência ou ensinamento político e ético, e se abre para um segundo imaginário, o da interpretação. Cada imagem que produzi está empenhada em traduzir o rico simbolismo do poema”.

Em 2011, a premiada fotógrafa publicou “L’Inferno di Dante”, pela editora Postcard, com a curadoria de Benedetta Cestelli Guidi. Dez anos depois, entrou para as coleções de fotografia do Museu MAXXI, primeiro museu de arte contemporânea da Itália, inaugurado em 2010 e localizado em Roma. “Foi um trabalho que culminou com uma série de exposições. Ao longo do tempo, retomei o estudo de ‘A Divina Comédia’ e, no momento, estou trabalhando na transposição dos dois cânticos restantes”, revela Valentina.

Ela tem trabalhado na produção “A Procissão Mística”, descrita por Dante no 29º cântico de “Purgatório”. “Encontramos suas raízes nas representações populares, trazendo de volta todos os elementos dos espetáculos sagrados terrenos: a dança, o canto solo ou coral e a anunciação. É um momento espiritual e terreno ao mesmo tempo. Para a construção da cena foram levados em consideração todos os elementos listados pelo Poeta: 49 figuras, incluindo animais do Apocalipse, um grifo, sete candelabros móveis, entre outras”.

Valentina não virá a Belo Horizonte, mas participa de um bate-papo virtual gravado previamente, que irá ao ar hoje, às 19 horas, pelo canal da Casa Fiat no YouTube (as inscrições são gratuitas e podem ser feitas no Sympla). O arquiteto Paulo Waisberg criou os ambientes da exposição, entre eles um local para que o visitante tem uma contextualização sobre Alighieri e “A Divina Comédia”. O público poderá, por exemplo, apreciar edições do livro, cedidas pela Biblioteca Pública Estadual.

SERVIÇO

Valentina Vannicola - Casa Fiat de Cultura (Praça da Liberdade, 10, Lourdes). De hoje a 28 de maio, com visitação de terça a sexta-feira das 10h às 21h; sábados, domingos e feriados, das 10h às 18h. Entrada franca