Lançamento

Livro lista 35 importantes instituições de arte da América Latina

“Onde Vive a Arte na América Latina, lançado pela editora Act., apresenta locais emblemáticos do circuito artístico da região, como Inhotim e JA.CA

Por Patrícia Cassese
Publicado em 07 de março de 2022 | 07:13
 
 
 
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Já há alguns anos,  João Paulo Siqueira Lopes e Fernando Ticoulat, sócios da Editora Act, têm percorrido ateliês de artistas, instituições, feiras de arte, residências e outros espaços da América Latina com o objetivo de criar uma cartografia artística do continente. Dessa pesquisa, que seguiu à distância em meio à pandemia, nasceram os livros "Espaços de Trabalho de Artistas Latino-Americanos", em 2020, e "20 em 2020: Os Artistas da Próxima Década – América Latina", em 2021. A mais recente aposta da citada casa editorial é "Onde Vive a Arte na América Latina", que consiste em uma ampla documentação de 35 importantes espaços artísticos da região. "Entendo nossa missão como a de colocar a arte latino-americana no centro do debate contemporâneo, superando a desestrutura que muitas vezes impera no continente", explica João Paulo Siqueira Lopes. "Nesta publicação em específico, na qual decidimos focar no habitat da arte, o mais interessante foi perceber os diversos arranjos que existem entre o artista, as obras e o público para qual se dirige". 

A publicação, ressalta ele, busca mostrar como o paradigma moderno de museu como catedral secular, que apenas abriga e exibe objetos de arte, não funciona mais. "E como esses espaços, dos mais transitórios e radicais aos institucionalizados, precisaram acompanhar as inovações dos artistas e suas propostas cada vez mais heterogêneas". Na seleção, estão espaços brasileiros como Aarea, MAM Rio, LABVERDE, Pivô e Pinacoteca de São Paulo, além de instituições estrangeiras, a exemplo de Fragmentos, Espacio de Arte y Memoria (Colômbia), Malba (Argentina), Museo Tamayo (México) e NuMu (Guatemala). 

Minas Gerais dá o ar da graça com o Instituto Inhotim e a JA.CA - Centro de Arte e Tecnologia. "Selecionamos duas instituições mineiras que, apesar de terem propostas bem diferentes, são relevantes no contexto latino-americano. O Inhotim dispensa apresentação. É um espaço seminal para o ecossistema da arte contemporânea brasileira, com trabalhos de alguns dos principais artistas do mundo, e que funciona não apenas como uma forma de registro e preservação da história da arte recente, mas como um espaço que estimula uma produção de vanguarda, com comissionamentos frequentes de obras e pavilhões, pensados especialmente para a instituição", explana João Paulo, acrescentando que a possibilidade de realizar trabalhos ambiciosos, em exposição permanente, está no cerne da concepção do espaço, que era escolha obrigatória para um livro como "Onde Vive a Arte na América Latina". 

Já em relação ao JA.CA — Centro de Arte e Tecnologia, João Paulo entende que a tradicional residência artística situada no Jardim Canadá acumula reconhecimento internacional e parcerias com algumas das principais instituições do mundo, como Residency Unlimited, em Nova York, e o Palais de Tokyo, em Paris. "Construída com as próprias mãos de seus fundadores, a sede conta hoje com estrutura de moradia, áreas de convivência, ateliê, biblioteca e laboratórios de marcenaria e serralheria, com enfoque no aproveitamento de materiais. Além dessa diversidade de projetos e experimentações desenvolvidas por lá, nos chamou atenção o fato do espaço se localizar em Nova Lima, região metropolitana de Belo Horizonte. Estar em áreas periféricas faz com que o JA.CA impacte a produção de artistas que ali visitam e residem, bem como a sociedade no entorno, ampliando as possibilidades de troca".

Fundadora e coordenadora artística JA.CA, Francisca Caporali frisa que a trajetória do centro de arte tem sido marcada pela convivência com muitos dos espaços que estão abarcados no livro. "Conhecemos muitos gestores, e é muito bacana estar neste livro super bem editado e lindo. Também pelo fato de que, em 2020, o JA.CA completou  dez anos de existência, ainda que sem comemoração, em função da pandemia. Mas este livro já cita alguns dos projetos que estávamos preparando, como o Arrudas – Pesquisa em Artes, no hipercentro da capital mineira, que por ora está funcionando de uma maneira mais cautelosa", conta ela, que aproveita para destacar a existência de outras iniciativas potentes, sejam elas independentes ou não. "Evidentemente, todo livro precisa ter um recorte, mas fico feliz por ver tantas experiências com propostas tão bacanas (na cidade, no estado e no país)".

 
Desperta, América do Sul

João Paulo avalia que, apesar de a arte na América Latina ser ainda tão pouco valorizada no âmbito público - e, em alguns países, também no privado -, a comunidade artística como um todo – artistas, galeristas, colecionadores, pesquisadores – vem criando estratégias de fomento à produção e à exibição. "O que, claro, retorna em uma profusão de museus, residências e espaços nos quais a arte habita de diferentes maneiras". Um obstáculo mais recente foi o advento da Covid-19. "Cruzamos por muitos espaços que encerraram suas atividades de maneira definitiva, ou estavam em estado terminal devido à pandemia e à falta de apoio do poder público. Apesar disso, percebemos que a arte resiste, inventa, cria caminhos para si mesma e para a vida em sociedade".

Fernando Ticoulat, no prefácio da obra, faz referência a uma "certa síndrome de vira-lata". João Paulo pormenoriza: "Só nos orgulhamos e nos voltamos à arte latino-americana quando os artistas do continente batem recorde nos grandes leilões e feiras de arte dos Estados Unidos e da Europa. Pesquisar, mapear e divulgar a existência de instituições de vanguarda no Brasil e na América Latina, que em vez de serem pautadas, pautam a prática e o fomento artístico, é um importante passo no processo de descolonização de perspectivas e olhares". 

O pesquisador e publisher também pontua que, em meio às comemorações do centenário da Semana de 1922 (que tiverem seu ápice em fevereiro, mas que seguem durante todo este ano),  muito se falou sobre antropofagizar o que vinha de fora. "Nesta publicação em especial, nos voltamos à gestação autóctone, à construção própria – que, claro, se vê embebida de referências múltiplas, mas é fruto sobretudo de um contexto e de um território muito específico". Para ele, pensar onde vive a arte é também pensar onde ela nasce e é cultivada. "Como toda pesquisa, não temos pretensões exclusivamente práticas, de ampliar a visitação ou a visibilidade desses espaços, mas marcá-los no mapa – literalmente, se você folhear o livro –, e fomentar trocas de experiências que podem fortalecer essas instituições ou mesmo abrir caminhos para novos formatos no continente são alguns de nossos objetivos", conclui.

Serviço
"Onde Vive a Arte na América Latina" (Editora: Act, 448 páginas, R$ 200)
Organização: João Paulo Siqueira Lopes e Fernando Ticoulat.

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