No dicionário, “pasquim” significa “jornal difamador, folheto injurioso”, e foi por esse motivo que o cartunista Jaguar sugeriu o nome para batizar o semanário fundado em junho de 1969, do qual ele faria parte ao lado de nomes como Ziraldo, Tarso de Castro, Millôr Fernandes e Sérgio Cabral, pai do ex-governador do Rio de Janeiro que está preso desde 2016. A ideia de Jaguar era se defender antecipadamente de prováveis críticas, além da evidente ironia.
Para a história, “O Pasquim” se transformou num dos principais ícones da resistência à ditadura militar, aliando humor, política, crítica social e de costumes, e passou a ser sinônimo de uma imprensa livre e independente.
Durante um período, a trupe pôde contar ainda com o auxílio luxuoso de Paulo César Pinheiro, à época já requisitado letrista que colecionava parceiros tão diversos como João Nogueira e Baden Powell, além de ter suas músicas gravadas por Elis Regina, Clara Nunes e Elizeth Cardoso.
“Houve um tempo que eu escrevia crônicas para ‘O Pasquim’. Aí o jornal acabou e eu não quis saber mais disso. Muitos anos depois, revendo aqueles textos, percebi que poderia transformá-los em contos”, conta Pinheiro. Assim surgiu o embrião de “Figuraças”, livro previsto para 2019, como parte do projeto de comemoração dos 70 anos do entrevistado. “São 25 contos longos, quase romances, contando histórias de personagens”, informa.
Apesar do caráter combativo que marcou tanto “O Pasquim” quanto a própria personalidade de Pinheiro, ele revela que os textos escritos por ele vão por outro caminho. “Eram crônicas de humor, um lado que eu ainda não tinha explorado. Isso é engraçado porque eu fui um grande lutador contra a ditadura e os regimes de opressão. Fui perseguido e censurado centenas de vezes, não foram poucas não”, ressalta o letrista.
Atento ao momento político do país, ele se vale do passado para comentar o presente. “Nada aconteceu ainda, está todo mundo neurotizado, prevendo coisas que não sabemos se vão acontecer. O que eu posso dizer é que quem passou por Costa e Silva, Médici, Geisel e Figueiredo não pode ter medo de Bolsonarozinho”, declara, ao comparar o futuro presidente com aqueles do período militar.
Numa das músicas mais incisivas escritas contra a ditadura no país, Pinheiro afirmava em “Pesadelo” (parceria com Maurício Tapajós): “Você corta um verso/ eu escrevo outro/ você me prende vivo, eu escapo morto/ de repente olha eu de novo/perturbando a paz, exigindo troco”.
A canção foi lançada pelo MPB-4 em 1972 e regravada pela banda punk Inocentes em 1987. “Encaro qualquer governo, tomara que o próximo seja bom, porque sou brasileiro até a última gota e não torço contra. Mas, se eles fizerem bobagem, vamos para a rua reclamar e revirar tudo, como sempre fizemos, não só no golpe de 64, mas desde o Getúlio (Vargas), eu passei por tudo isso. A vida inteira fui acostumado a brigar”, destaca o letrista.
Trajetória
O percurso de Pinheiro teve também suas flores. Ele se lembra com orgulho e carinho do encontro com Pixinguinha, “o parceiro mais velho que tive”. Convidado por Hermínio Bello de Carvalho, ele foi ao estúdio onde gravavam “Pixinguinha 70”, derradeiro disco do flautista. “Quando cheguei, o Hermínio falou para o Pixinguinha: esse rapaz é quem pode fazer a letra do choro que você mais gosta”, diz Pinheiro, ao recordar sobre como colocou versos em “Ingênuo”.
Casado com Clara Nunes até a morte da cantora, ele aplaude a homenagem que a Portela leva para a avenida em 2019, mas faz uma ressalva: “Os artistas que tornam nossa vida mais amena e menos cruel merecem louros em vida”.
“Poemúsica”, novo livro de Paulo César Pinheiro apresenta cem poemas divididos em três seções temáticas que envolvem métrica, mágica e mística A edição é da 7 Letras.