Música

Um chorinho bem mineiro

Dia Nacional do Choro é celebrado com semana dedicada ao gênero em BH e diversas apresentações pela cidade

Por Raphael Vidigal
Publicado em 23 de abril de 2017 | 03:00
 
 
 
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O choro comemora hoje seus 120 anos. Mas engana-se quem pensa que o gênero responsável por temas como “Carinhoso” e “Brasileirinho” está envelhecendo. Pelo contrário. É só dar uma olhada na cena de Belo Horizonte para ver que não faltam músicos de todas as idades mantendo frescas as notas do choro. Desde a última segunda-feira, por exemplo, a cidade teve seus bares tomados pela Semana Nacional do Choro, realização do projeto Minas ao Luar.

A celebração que se encerra hoje, a partir das 9h, na praça Duque de Caxias, com entrada gratuita, terá a participação do grupo Choronas, de São Paulo, do conjunto mineiro Flor de Abacate em companhia de Henrique Cazes, além de integrantes do Clube do Choro de BH e todos os trombonistas que se apresentaram ao longo da semana, dentre eles o sergipano Zé da Velha, 75.

“Tocar com o Zé é um privilégio, ele traz todo o legado do Pixinguinha, pois os dois se conheceram e foram parceiros da velha guarda do samba. O trombone é muito importante para choro e samba. Chico Buarque, Paulinho da Viola, Nelson Cavaquinho, Cartola sempre o usaram em suas composições para introdução e solos. Belo Horizonte tem uma maravilhosa geração de trombonistas no choro”, elogia Silvério Pontes, 47, trompetista carioca que também se apresenta no evento.

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Homenagem

O trombone foi o instrumento escolhido para ser homenageado nesta edição do projeto. De acordo com o cavaquinista carioca Henrique Cazes, 58, trata-se de “um instrumento formidável, essencial para o choro e difícil de ser executado”. Dentre os trombonistas mineiros que subirão ao palco ele destaca: “Alaécio Martins e Marcos Flávio, músicos da nova geração de muita qualidade, sem falar no Hélio Pereira, nosso veterano que é um verdadeiro coringa, toca bandolim e trombone com a mesma desenvoltura”, garante. Marcos Flávio, 43, lista “Irineu Batina, Candinho, Raul de Barros e Zé da Velha como trombonistas decisivos na forma de se tocar o choro”.

Acir Antão, 68, presidente do Clube do Choro de BH e responsável pela apresentação do evento, mantém há mais de 40 anos programa na rádio Itatiaia dedicado ao gênero. “Belo Horizonte sempre teve um choro muito qualificado, e isso tem crescido pela adesão dos mais jovens, o que significa que essa cultura vai continuar. Quero sublinhar alguns nomes que já nos deixaram e foram precursores, casos de Waldomiro Constant, Waldir Silva, Reinaldo Rocha, Luiz Zacarias”, enumera, sem se esquecer do “mestre Belini Andrade, que aos 96 anos toca seu clarinete e saxofone, e todos aqui da nossa Minas”, informa.

Feminino

Lígia Jacques, 56, representa, nessa edição, o choro cantado. Ela, inclusive, lançou disco com esse título em 2010, e no ano passado participou do tributo “Waldir Silva em Letra & Música”, em que foi a primeira a colocar voz na música “Duas Lágrimas”, instrumental que só ganhou letra em 2012. “Todas essas canções que já tinham valor para o choro ficaram ainda mais conhecidas depois que receberam as letras, por isso é importante. Posso citar algumas que sempre canto em meus shows, como ‘Odeon’, ‘Tico-tico no Fubá’, ‘Pedacinhos do Céu’ e ‘Um a Zero’, melodia do Pixinguinha que ganhou uma letra maravilhosa do nosso mineiro Nelson Ângelo, ligado ao Clube da Esquina, ou seja, a riqueza de nossa canção transcende os rótulos”, constata.

Lígia ressalta grupos jovens, nos quais se inspira, como o Arranco de Varsóvia e a cantora Teresa Cristina, além daqueles que lhe serviram de referência no começo da carreira. “É impossível não falar de Ademilde Fonseca”, assegura. Integrantes do grupo Choronas, a cavaquinista Ana Cláudia César e a violonista Paola Picherzky falam da emoção de tocar pela primeira vez em BH. “Existe muita gente jovem interessada nessa linguagem por aqui, e a cidade parece incentivar esse movimento. O disco que estamos prestes a lançar é uma homenagem a São Paulo, nossa terra natal, e lá, infelizmente, com as novas questões políticas e a mudança na prefeitura, o choro ficou de lado, inclusive com o fechamento do Clube do Choro de São Paulo”, lamenta Ana.

Na estrada desde 1994, o grupo é o primeiro voltado ao choro formado só por mulheres. “Choramos em Sampa”, composição autoral de Ana que dá nome ao novo trabalho, é o quarto da carreira. “Quando surgimos, a gente só observava, porque não haviam mulheres no choro, com exceção da Chiquinha Gonzaga lá atrás, mas hoje em dia já recebemos muitos retornos de mulheres que se inspiraram na gente, e isso é gratificante. O grupo sempre teve a preocupação de trazer uma linguagem estética, com pensamento de figurino, cenografia. Nós tocamos em pé, o que não é tão comum no meio e nos aproxima do público”, exalta Paola.

Além do repertório autoral, o grupo divide com a plateia composições de mestres de São Paulo, casos de Henricão, Adoniran Barbosa e Armando Neves. “O choro te dá um aprendizado que permite uma pesquisa aprofundada na música, e assim podemos transitar por vários ritmos, é um estilo gregário”, ressalta Ana.

Clube do Choro de BH chega aos dez anos

Um dos grandes incentivadores da Semana do Choro na capital, o Clube do Choro de Belo Horizonte completa dez anos de existência com muitos projetos em vista. Acir Antão, radialista que ocupa há um ano o cargo de presidente da instituição, diz que “a principal demanda é uma sede”. “O governador Fernando Pimentel (PT) é nosso sócio honorário, ele assistiu ao surgimento do Clube quando ainda era prefeito, e contamos com sua ajuda nessa questão”, pressiona.

Com mais de cem associados, a iniciativa se vale de uma contribuição mensal de seus integrantes que permite a promoção e a divulgação do estilo por meio de apresentações pela cidade. O gasto é direcionado principalmente para o cachê dos músicos. A cantora Lígia Jacques, associada ao Clube, define como “fundamental o mantimento dessa programação constante, pois ela permite, além de eventos para os músicos daqui, também a possibilidade de que gente de outras localidades venha para que aconteça esse intercâmbio, essa troca tão saudável, ainda mais para o choro, que é, desde sempre, a música do encontro”, afere.

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