Perfil

Renato Novaes celebra sua primeira década de cinema

Ator mineiro vem colecionando prêmios ao longo de sua trajetória artística

Por Alex Bessas
Publicado em 10 de janeiro de 2024 | 07:00
 
 
 
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Rosto conhecido do público do cinema independente brasileiro, o ator Renato Novaes celebra, em 2024, seus primeiros dez anos de uma bem-sucedida trajetória artística, que, curiosamente, começou quase por acaso e sem grandes pretensões, mas logo alcançou reconhecimento. “Neste ano, celebro exatos dez anos do lançamento de ‘Ela Volta na Quinta’, o primeiro filme que participei e que me rendeu um Candango na categoria de Ator Coadjuvante”, recorda.

Nesse ínterim, ele, que atua também como professor de geografia, participou de 22 produções, entre longas e curtas-metragens, um especial para a TV Globo, em 2019, e duas séries – sendo que uma delas está para estrear. Esses trabalhos proporcionaram ao artista uma série de premiações, incluindo três Candangos – como são chamadas as estatuetas distribuídas no Festival de Brasília –, que colocam Novaes no hall do seleto grupo de atores que coleciona premiações em todas as categorias de atuação distribuídas no concurso. 

O mais recente Candango foi entregue a Novaes no final do ano passado, durante a 56ª edição do evento, pela comédia romântica “O Dia que Te Conheci”, filme da produtora mineira Filmes de Plástico, dirigido pelo seu irmão, André Novais, que será homenageado, ao lado da atriz Bárbara Colen, na 27ª Mostra Tiradentes, que tem início no próximo dia 19. O longa – que será exibido em uma praça da cidade histórica localizada na região Central de Minas Gerais, integrando a mostra Homenagem – também rendeu uma estatueta para Grace Passô, na categoria Melhor Atriz, e outra para André Novais, pelo roteiro, além de ter sido agraciado com o Prêmio Zózimo Bulbul, concedido por júri indicado pelo Centro Afro-Carioca de Cinema e a Associação dos Profissionais do Audiovisual Negro (Apan).

“Nessa minha primeira década de carreira, creio que, mais do que as premiações, a proximidade com o pessoal da Filmes de Plástico é que foi fundamental”, reflete ele, que já rodou seis filmes com a produtora independente criada em 2009, em Contagem, na região metropolitana de Belo Horizonte, que se notabilizou por priorizar, em suas produções, “uma rede de afetos com equipes reduzidas, profissionais majoritariamente negras e moradoras dos bairros onde a produtora se constituiu”, como aponta Vitã, cineasta e roteirista que também se dedica à pesquisa e crítica de cinema, no ensaio “Dois alguéns apaixonados”, em que, para a Revista Moventes, analisa o filme “O Dia que Te Conheci”. 

É neste ponto – ao mencionar a Filmes de Plástico e, particularmente, o seu irmão – que Novaes passa, de forma lúcida e generosa, a dividir os méritos por suas conquistas, ao mesmo tempo que não esconde o orgulho que sente de si mesmo diante de todo esse reconhecimento.

“Acho importante voltar um pouco mais no tempo para entender como chegamos aqui”, pondera, retomando lembranças de sua adolescência. “Essa é uma trajetória que começa de um interesse muito grande que eu e meu irmão, André, tínhamos pelo cinema. Como sou seis anos mais velho que ele, pude testemunhar, e me recordo bem disso, os primeiros movimentos dele no audiovisual”, assinala, apontando que os dois eram daqueles que pegavam 20 filmes para assistir em um fim de semana. “Naquela época, eu já notava que o André tinha um olhar apurado. Ele percebia, por exemplo, que o diretor de fotografia de um filme que estávamos vendo havia trabalhado em outro filme que nós já tínhamos visto”, diz, acrescentando que, aos 12 anos, o caçula assistiu ao filme “Faça a Coisa Certa”, do Spike Lee. “Considero que essa foi uma obra importante, porque ajudou a nos enxergar como pessoas negras no meio cinematográfico”, completa.

“Uma vez, fui com ele em uma mostra no Cine Humberto Mauro, e ele viu um flyer da Escola Livre de Cinema. Então o André resolveu fazer o curso, e nós, da família, demos uma força para que rolasse. Foi ali que ele conheceu Gabriel (Martins), depois o Maurílio (Martins) e o Thiago (Macêdo Correia), fundadores da Filmes de Plástico. E, logo no primeiro filme dele, no seu trabalho de conclusão de curso, já tinha algo que bateu em mim. Naquele momento, eu já pensava que ele me chamaria para fazer uma ponta”, confidencia.

A expectativa, de fato, se concretizou. “Em 2013, ele chega com o roteiro de ‘Ela Volta na Quinta’, que tinha um personagem para mim. Mas não era só uma ponta, era um papel. E isso me surpreendeu”, reconhece, contemporizando que, como a ideia era que ele interpretasse ele mesmo, e por se tratar de uma equipe pequena, o convite não o assustou tanto e ele aceitou o desafio – mais uma vez, uma característica apontada por Vitã na já citada crítica, em que também se ocupa de descrever o particular modus operandi da Filmes de Plástico: “Temos a aposta em uma decupagem econômica, poucas locações (sendo uma delas a casa do próprio diretor e da diretora de arte, sua esposa), poucos figurantes, uma fotografia que parece aproveitar a luz natural”, descreve, referindo-se, no caso, ao mais recente lançamento do coletivo, o filme “O Dia que Te Conheci”.

Voltando àquela primeira incursão frente às câmeras, Novaes lembra ter ouvido, ainda durante as filmagens, os primeiros elogios sobre a sua atuação. “O Maurílio, por exemplo, lembro que ele ficou entusiasmado com o que viu”, cita. “Mas, se teve um momento que foi crucial para que eu me entendesse como ator, foi durante a apresentação de ‘Ela Volta na Quinta’ no Festival de Brasília, em 2014”, começa, recordando ter ficado no evento até o dia da premiação, quando foi surpreendido com o anúncio de que havia vencido na categoria de Ator Coadjuvante. “Aquilo, para mim, abriu um portal. Era a minha estreia e eu estava saindo de lá com um Candango! Lembro perfeitamente que, descendo do palco, eu pensei que, com aquele reconhecimento, me sentia seguro para experimentar mais”, relata.

Novos horizontes

Depois da premiação, vieram os primeiros convites para além das produções da Filmes de Plástico. “Fui chamado para fazer um filme chamado ‘Quando É Lá Fora’, dirigido por Leo Branco e Lucas no trabalho de conclusão de curso deles, pela Una”, cita Renato Novaes. Na sequência, veio o convite para fazer o longa “Arábia”, do realizador Affonso Uchoa. “Eu me senti muito honrado e estimulado, porque eu já tinha visto um filme dele, o ‘A Vizinhança do Tigre’, que considero um filmaço. Por isso, receber esse convite foi o que me fez perceber que não se tratava só de uma aventura, que a coisa havia ficado séria”, confidencia, dizendo considerar Arábia um dos filmes mais importantes de sua carreira.

Pouco tempo depois, ele foi chamado por Eryk Rocha para gravar “Breve Miragem do Sol”, rodado no Rio de Janeiro. “Foi a primeira vez que gravei fora de Minas”, relata, emendando que, no corte final, poucas cenas em que ele aparece foram usadas. Em seguida, ele teve outra oportunidade de gravar fora do Estado – e, dessa vez, fora da região Sudeste: a convite da diretora Nathalia Tereza, Novaes participou do curta “A mulher que Sou”, em 2018, em que contracena, pela primeira vez, com a atriz Cássia Damasceno.

A parceria deu tão certo que o trio voltou a trabalhar junto em mais um projeto, “Solante”, que circula atualmente em festivais de cinema – na Mostra de Tiradentes, a produção foi exibida no ano passado. “Esse filme nós fizemos durante a pandemia. A Nathalia me chamou e eu fiz uma participação online, interpretando o namorado da protagonista, interpretada pela Cássia Damasceno”, indica o ator, que, com a bagagem desses dez anos de história, mantém um olhar atento ao setor do audiovisual.

“Nessa jornada, vi vários editais de incentivos minguando, como o saudoso Filme Minas, que lá atrás era forte, impulsionando a produção mineira”, lamenta, emendando que, para ele, sem dúvida, o período mais desafiador para os trabalhadores da cultura se deu durante o governo Bolsonaro, de 2019 a 2022, “quando o cinema brasileiro foi posto para escanteio”, examina. “O Wagner Moura tem uma frase que reflete bem esse momento. Ele diz que, na última gestão, o nosso cinema foi colocado para respirar por aparelhos. Foi uma coisa absurda. Ainda mais considerando que o descaso com o setor veio combinado com a emergência de uma pandemia. E isso gerou a tempestade perfeita, levando muita gente até mesmo a abandonar sua carreira, a deixar de fazer cinema”, avalia.

Agora, Novaes torce para que, após um 2023 marcado pela euforia da retomada, 2024 seja um ano de consolidação para o setor cultural, em franca efervescência. “Noto que há um clima de otimismo, com o pessoal voltando à ativa, voltando a criar”, comemora.

Grace Passô

É com o mesmo entusiasmo que narra essa retomada do cinema nacional que Renato Novaes descreve sua parceria com a multi-artista Grace Passô. “Ela é um capítulo à parte na minha vida”, garante, lembrando ter visto a atriz em cena, pela primeira vez, em 2017, em uma exibição do filme “Elon Não Acredita na Morte”. “Naquele ano, eu havia recebido o meu segundo Candango pela atuação no ‘Constelações’, do Maurílio Martins. Foi quando assisti ao filme em que ela fazia um papel rápido, mas impactante. Eu fiquei louco! Tive vontade de contracenar com ela e conhecê-la”, aponta. 

A oportunidade veio dois anos depois, com “Temporada”, de André Novais. “Naquela época, eu já estava sabendo mais da carreira dela no cinema e no teatro – inclusive, eu já tinha visto o monólogo dela, o ‘Vaga Carne’. Então, para mim, foi uma grande satisfação estar em cena com uma atriz daquela estatura”, elogia. No filme, os dois vivem um romance fulminante. 

Juntos, Grace e Novaes fluíram tão bem que André Novais decidiu retomar aquela pareceria em “O Dia que Te Conheci”, em que o casal protagoniza uma comédia romântica que vem colecionando prêmios. “Esse retorno tem sido realmente uma coroação para nós”, reconhece o ator, dizendo que não esperava tanto. “Acho que ele está tocando as pessoas de uma forma muito bonita, permitindo que elas se identifiquem com o todo daquela história, que fala de uma classe trabalhadora, que passa parte da vida em um ônibus, que precisa migrar para viver. Estamos falando também de duas pessoas pretas, com corpos que fogem dos padrões”, examina o ator, que não esconde a expectativa pela exibição do filme no Festival de Tiradentes. 

“Em 2020, assisti em uma exibição assim ao documentário ‘Pitanga’, que narra a trajetória e a carreira de Antônio Pitanga, que na época foi o homenageado da mostra. Aquela foi uma experiência muito bonita, muito democrática e coletiva, que, agora, pode se repetir com ‘O Dia que Te Conheci’”, indica.

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