Segunda-feira, 19 de junho. Às 18h42, o primeiro choro e o último suspiro da vida dividem os corredores da Santa Casa BH. Enquanto Lucas Gabriel arriscou a abrir os olhos fora do ventre da sua mãe, a idosa Maria*, 73, encerrou o seu ciclo no ambulatório de oncologia. Os momentos de chegada e de partida foram acompanhados pela equipe de O TEMPO, que passou um dia na Santa Casa BH, o maior complexo hospitalar da capital mineira. Esta é a primeira das três reportagens da série ‘Plantão 24 horas’.

Na unidade que recebe cerca de 51 mil pacientes por mês, a autônoma Priscila Gomes, 29, e o fotógrafo Michael da Luz, 33, celebraram a vida com a chegada do seu segundo filho. O nascimento do menino foi motivo de alegria no Centro de Parto Normal da Maternidade Hilda Brandão, na Santa Casa, onde nascem 11 bebês por dia. Lucas Gabriel veio ao mundo como em um ato de obediência.

“Nós estávamos assistindo a um filme. O Michael passou a mão na minha barriga e falou ‘vem, neném, vem hoje’. Quando acabou de falar, escutei um barulho. Levantei, e a bolsa tinha estourado”, lembra Priscila.

Do “estouro” da bolsa rompendo de quem espera um filho para uma dor intensa na região abdominal de quem luta contra o câncer, há uma grande diferença. Calafrios, náuseas e falta de apetite não foram os sentimentos de Priscila, mas os de Maria*. Dessa vez, não indicavam nascimento, mas alertavam para o fim da vida.

“A paciente chegou ao Instituto de Oncologia acompanhada da filha. Desde o início, a família foi orientada sobre a gravidade do seu quadro e passou a ser acompanhada pela psicologia”, explicou a gerente das unidades de cuidados oncológicos Lorena Lima.

No quarto do parto, a mãe Priscila foi acolhida com banho de chuveiro, exercícios e massagens. O ambiente tinha pouca luz, para garantir conforto. Já na enfermaria da oncologia, a filha de Maria* conversava com a psicóloga sobre os últimos suspiros de sua mãe, que sofria de um câncer de endométrio. Em 2021, só em Minas, 242.136 pessoas nasceram, enquanto 190.085 morreram. 

Dualidade

O sentimento também é dúbio na assistência. “É um privilégio ter a oportunidade de atuar em um parto. Nós criamos um vínculo com a mulher. Assim como ela, nós nunca vamos esquecer esse momento”, descreve a enfermeira obstétrica Amanda Bittencourt. 

Para a gerente Lorena, o momento da partida é de acalmar os sentimentos. “Nunca estamos preparados pra lidar com a morte. E não podemos banalizar esse momento. Nós criamos um vínculo com a paciente, que vinha sendo acompanhada desde o diagnóstico”, refletiu. 

A liberação do corpo de Maria* teve que ser rápido, já que sua morte aconteceu em meio aos outros pacientes. “No ambulatório, você chega para tratar algum incômodo e voltar para casa. Não se espera uma morte. O processo é feito com coerência, cuidado e agilidade para que os outros pacientes não se enxerguem ali”, disse. 

O momento em que o luto ocupa o setor de oncologia é o mesmo em que Lucas Gabriel tem a primeira interação com seus pais. “Quero dar um futuro melhor para ele. Um futuro que eu não tive”, finaliza Priscila.

Humanização: dura realidade sem perder a sensibilidade

Mesmo que chegadas e partidas sejam a rotina do hospital, os profissionais de saúde não podem perder a sensibilidade com cada paciente. Isso é chamado de “humanização do cuidado”. “Não deixamos de sentir. É um mito dizer que o profissional de saúde não pode sofrer com a dor que presencia. No momento em que nos tornamos enrijecidos com o sentimento alheio, não estamos mais aptos para tratar nossos pacientes”, afirma Daniela Pacheco, psicóloga na Santa Casa.

“Um profissional de saúde está em constante ligação com a vida e a morte. Quando a dor sentida machuca mais do que deveria, a psicologia entra em ação para equilibrar esse sentimento. O objetivo não é acabar com a dor, mas tornar a tristeza suportável”, explicou Daniela. 

*Nome fictício