Uma trilha rumo ao topo de uma montanha pode despertar as mais diferentes sensações. Você pode se apegar apenas às dificuldades da caminhada, e lamentar porque o percurso é íngreme, tortuoso ou desgastante - ou se sentir estimulado ao pensar que, ao final, será recompensado com uma bonita cachoeira ou com uma vista deslumbrante.
Em se tratando de quem mora em Belo Horizonte, essa escolha - muitas vezes - não faz parte de apenas uma aventura ecológica, mas é algo comum no dia a dia de milhares de pessoas. Isso porque, a capital mineira é conhecida por seus morros e montanhas, sendo uma das que possuem maior altitude: são 852 metros acima do nível do mar.
Para quem sonha em empreender em BH, essa condição geográfica se torna um desafio. De um lado, há algumas questões complexas que envolvem a instalação de um negócio em uma região muito alta, como, por exemplo: a dificuldade de acesso, a necessidade de um estudo geográfico mais aprofundado ou de demanda por reforços na infraestrutura.
Por outro lado, existe a possibilidade de se usar os pontos mais íngremes como uma estratégia para o negócio. Em algumas áreas, espaços construídos em lugares muito altos permitem que o cliente desfrute de uma bela vista panorâmica da cidade, por exemplo. Então, a ideia de ter que se esforçar para subir e chegar ao local pode ser transformada em algo atrativo.
“Se tenho uma pizzaria no morro, posso criar a ‘Pizzaria do Morro’. Às vezes, não vai ser muito fácil chegar até lá, mas se o local tiver uma paisagem bonita ou uma vista encantadora, o empreendedor pode usar isso como um atrativo a mais", orienta o consultor do Sebrae Minas, Gutenberg Almeida. O especialista pontua ainda que o mineiro já aprendeu a lidar bem com os morros, e por isso esse aspecto geográfico não é um dificultador para a criação de negócios.
“Estamos adaptados a essa realidade porque isso faz parte da natureza do Estado. Então, a gente brinca com os nossos morros e se inspira neles. Aliás, exploramos isso muito bem no turismo, não só em BH, mas em cidades como Ouro Preto, por exemplo, que é cheia de ruas íngremes, mas tem um comércio que funciona muito bem,” enfatiza.
O italiano Massimo Battaglini apostou na vista do pôr do sol, na região Oeste de BH, como um diferencial para o seu negócio. Foto: Outland / Divulgação
O pôr do sol
Quem apostou nessa estratégia foi Massimo Battaglini, 48. O italiano que mora há 25 anos em Belo Horizonte é um dos sócios do Outland - um espaço que oferece comida ao ar livre, música e drinks. Localizado na BR 356, no bairro Olhos D'Água, na região Oeste de BH, o local está ancorado numa das montanhas que dá vista para o horizonte da capital mineira. Quem vai até o espaço, além de aproveitar a gastronomia, arte e design em um amplo ambiente a céu aberto, ainda pode desfrutar de um esplêndido pôr-do-sol.
Massimo afirma que a escolha do local foi acertada.“É um privilégio quando você pode estar ao ar livre, sem barreiras na frente dos olhos. Além da vista, aqui no alto você não tem a preocupação com a interrupção da diversão, porque não têm carros passando na sua frente, por exemplo. Então, você se isola do mundo. E outra coisa boa, é que você não incomoda os vizinhos,” revela.
Desafios
Para Eunice Marques, de 53 anos, proprietária do Espaço Terapêutico Viver Bem, o fato de o seu estabelecimento ficar bem no alto de um morro é certamente um complicador. Há seis anos, o empreendimento funciona na rua São Benedito, no bairro São Marcos, região Nordeste de BH. A via é a terceira no ranking das mais íngremes da capital mineira, segundo a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH).
No início, o local era apenas um salão de beleza, mas Eunice foi ampliando os serviços, e atualmente, também oferece vários tipos de terapias. Ela conta que até já se acostumou com o fato de trabalhar e morar em uma rua íngreme. “Aqui, para todo lugar que você olha tem morro. Mas, para mim já é normal,” conta a empreendedora.
No entanto, Eunice afirma que a geolocalização do seu espaço limita parcialmente o atendimento presencial aos clientes. “A maioria das pessoas vem a pé. Algumas chegam a dizer: ‘olha, eu gosto muito do seu trabalho, mas não vou animar ficar subindo esse morro aí.’ E aí, esses clientes acabam encontrando outro local mais acessível e perto da casa deles.”
Apesar disso, manter o estabelecimento na rua São Benedito é uma forma de a empresária economizar com as despesas. Isso porque, o local é de propriedade dela. “Antes, o meu salão era em um lugar mais plano. Então, eu tinha uma clientela três vezes maior que a de hoje. Mas, eu tinha que pagar o aluguel porque o imóvel não era meu. Eu tinha mais clientes, mas em compensação, tinha mais gastos também”, revela.
Eunice Marques, de 53 anos, tem o seu estabelecimento rua São Benedito, no bairro São Marcos, região Nordeste de BH (Foto: Flávio Tavares/O Tempo)
As exigências do topo
A ampliação dos serviços é o que ajuda Eunice a manter a renda. É que ela faz alguns dos atendimentos terapêuticos de forma online. Essa possibilidade, inclusive, é listada pelo presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas de Belo Horizonte (CDL/BH), Marcelo de Souza e Silva, como algo que deve ser considerado na hora de escolher um ponto para um empreendimento físico.
De acordo com Marcelo, se o volume de venda do negócio não implicar na necessidade de movimentação constante de clientes, a localização pode não interferir nos resultados. “A prestação de serviço de uma gráfica, por exemplo, não depende tanto da presença da pessoa no estabelecimento, porque normalmente o atendimento ao cliente pode ser feito de forma online,” explica.
Porém, o presidente pontua que, caso o dono de uma padaria - por exemplo - que demanda alta movimentação de clientes, opte por fixar o seu estabelecimento em uma rua íngreme, ele precisa contar com alguns facilitadores para o acesso do consumidor, como: estacionamento, calçadas em boas condições, corrimões de apoio, escadas, dentre outros.
Outro ponto a ser considerado é se existe local para carga e descarga. “Como você vai receber ou despachar as mercadorias se estiver em um ponto muito no alto, ou em rua muito estreita, por exemplo? Você precisa de um lugar seguro para parar e descarregar os produtos.” Mas, para não focar apenas nos aspectos desfavoráveis, Marcelo destaca um ponto positivo: os aluguéis em regiões de muitos morros costumam ser mais baratos.
Bruno Lopes da Silva, de 34, tem um lava a jato na rua Copérnico de Pinto Coelho (Foto: Flávio Tavares/O Tempo)
Arriscando mais alto
Há 19 anos o microempresário Bruno Lopes da Silva, de 34, tem um lava a jato na rua Copérnico de Pinto Coelho - a segunda mais íngreme de BH, conforme o Mapa de Declividade, feito pela prefeitura da capital e Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Atualmente, o negócio não fica no ponto mais alto da via. “Com certeza o acesso aqui é melhor, já que não é preciso escalar o morro”, admite. Mas isso em breve mudará porque o lavador de carros decidiu arriscar e instalar o seu espaço no topo da rua.
“Vou transferir o lava a jato para uma área maior e fechada. Não tenho medo de ir lá pra cima, pois todos já me conhecem. Como tenho muitos anos de trabalho na região, acho que subir toda a rua, apesar de ela ser íngreme, não vai ser um problema para os meus clientes. Além disso, apesar da inclinação, os carros conseguem subir”, detalha.
Redirecionando o pico
Para o consultor do Sebrae Minas, Gutenberg Almeida, uma solução para um negócio não acessível ou fora do fluxo, pode ser investir em serviços de tele-entrega ou direcionar o atendimento para um público específico. “Hoje, a gente tem a vantagem dos anúncios geolocalizados e da divulgação mais segmentada, que podem ajudar muito,” destaca.
Atualmente, existem também ferramentas que auxiliam os empreendedores e fornecem análises de territórios. Uma delas é a Mapfry, que permite consultar os principais pontos de interesse em uma determinada região, e avaliar o perfil de cada área. O recurso fornece informações com base em dados combinados do Censo Demográfico e do Google.