Em diferentes culturas – grega, cristã, judaica, árabe – a oliveira carrega uma simbologia positiva, remetendo à piedade, ao triunfo, à paz. Uma das primeiras plantas cultivadas pelo homem, já em 4.000 a.C., é muito identificada com a região mediterrânea, onde a gastronomia tem relação íntima com o azeite. Há alguns séculos, o cultivo da planta se espalhou pelo mundo, chegando a lugares como a África do Sul, a China, a Nova Zelândia e o Uruguai.
No Brasil, porém, essa cultura é recente. A primeira extração de azeite feita no país data de 2008, na cidade de Maria da Fé, região Sul de Minas. Em franca expansão desde então, a produção no Estado dá sinais de que tem muito potencial, inclusive destacando-se internacionalmente. No último dia 10, dois produtos mineiros (Irarema, pela segunda vez, e Casa Mantiva) levaram medalha de ouro na New York Olive Oil Competition, competição internacional de azeite de oliva nos Estados Unidos, que avaliou produtos de 26 países – outras nove marcas brasileiras, do Rio Grande do Sul, também foram premiadas.
Assim como o vinho, o café e a cerveja, um azeite de qualidade tem muitas nuances. Um dos principais fatores responsáveis pelo destaque da produção mineira no concurso, de acordo com a azeitóloga Ana Beloto, tem a ver com isso: suas características únicas. “É um produto muito genuíno nosso, com notas sensoriais muito tropicais. Notas de goiaba, papaia, frutos tropicais, e também um frescor herbáceo muito grande. Não só os premiados, mas toda a produção mineira carrega a nossa tropicalidade”, pontua.
Autor do “Guia dos Azeites do Brasil” e um dos jurados da New York Olive Oil Competition, Sandro Marques explica que essas características têm justamente a ver com o terreno em que as oliveiras são cultivadas e que o destaque do Brasil já tem provocado mudanças de paradigma nas próprias competições. Afinal, os azeites brasileiros trazem especificidades que não são encontradas nos produtos de países. “Até poucos anos atrás, o Conselho Oleícola Internacional previa os possíveis atributos sensoriais do azeite, e havia uma entrada chamada ‘frutas exóticas’. À medida que começamos a produzir, isso foi questionado: por que essas frutas são exóticas? Pra quem? Provavelmente, para o europeu. Mas isso foi revisto e, nas avaliações recentes, essa caixa foi alterada para ‘frutas tropicais’. Estamos começando a trazer características nossas, que trazem maior complexidade ao azeite”, afirma.
Frescor. Além das peculiaridades do sabor, a existência de uma produção local de azeites beneficia o consumidor mineiro pela rapidez com que o produto pode chegar à mesa. Ao contrário do vinho, o azeite tem qualidade inversamente proporcional à sua maturidade e deve ser consumido o mais rápido possível. É como um suco de laranja: faz toda diferença tomá-lo recém-espremido ou muitas horas depois.
Aliás, a época do ano em que estamos é um período excelente para se adquirir azeites mineiros, afinal sua extração se dá entre fevereiro e abril. “Uma das principais vantagens de se ter uma produção tão próxima é justamente a questão do frescor. O sabor e o aroma chegam extremamente realçados”, observa Ana.
O gastrônomo Eduardo Maya – que, aliás, tem seu próprio olival – corrobora a visão da azeitóloga. “É diferente consumir um produto importado, cujas azeitonas foram colhidas em setembro e outubro, mas que só chega aqui em março, abril, maio, e o local, que chega em menos de um mês. O importado não deixa de ser bom, mas não se compara ao recém-extraído”, garante.
Mantiqueira é polo produtor
Se concentram na região da serra da Mantiqueira os olivais mineiros. A planta foi trazida em 1935 por um português que imigrou para Maria da Fé. Nos anos 40, o engenheiro agrônomo Washington Viglioni deu início aos primeiros trabalhos de pesquisa com a oliveira. E nos anos 70, a recém-criada Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (Epamig) assumiu as pesquisas, sendo pioneira no país nesse ramo.
Em fevereiro de 2008, a Epamig realizou a extração do primeiro azeite de oliva extravirgem brasileiro, em que 40 L foram produzidos. Foi esse o pontapé inicial para estimular os produtores da região a começarem seus cultivos, como explica o engenheiro agrônomo e pesquisador da Epamig Pedro Henrique Abreu Moura. “Já havia produção de mudas aqui (na instituição) anterior à primeira extração. Depois que foi realizada, houve uma demanda muito grande por elas. Desde então, a Epamig provê apoio e acompanhamento técnicos para os produtores, assim como trabalha na difusão da tecnologia”, afirma.
Dos 40 L produzidos em 2008, passou-se a 80 mil em 2018. Cerca de 160 produtores atuam na região, e estima-se que haja 50 marcas de azeite oriundas da Mantiqueira.
As condições climáticas da serra foram fundamentais para o sucesso da aposta, como observa Sandro Marques, autor do “Guia de Azeites do Brasil”. “A oliveira gosta de uma terra mais drenada e precisa de uma boa quantidade de frio, cerca de 400 horas por ano, para hibernar e florescer. Essas condições existem na Mantiqueira, onde conseguiu-se criar olivais muito bons”, diz.
Azeites premiados têm sabor complexo
Foram premiados com medalha de ouro na New York Olive Oil Competition os azeites mineiros Irarema, da fazenda homônima, em Poços de Caldas, e Reserva Mantiva, uma variação do Casa Mantiva, feito na fazenda Serra dos Rosas, que fica na cidade de Consolação. O Irarema é um blend com as variedades koroneiki, arbequina, arbosana e grappolo. De acordo com a avaliação do concurso, tem notas aromáticas de chá verde, folha de oliveira, pimenta preta, alcachofra e rúcula. Já o Reserva Mantiva mistura koroneiki e grappolo, e tem notas de alcachofra, amêndoa, rúcula, maçã e tomate.
O produtor Carlos Diniz, responsável pela fazenda Serra dos Rosas, que também produz queijo artesanal, cosméticos à base de azeite e azeitona em conserva, explica que seu produto está na categoria médio, ou seja, tem equilibrados os níveis de frutado, amargor e picância, que são as três variáveis observadas no azeite. “Para nós, é ótimo saber que estamos na categoria de intensidade média. O que eu acho que eles viram de principal no nosso produto é a expressão da variedade do nosso clima, do solo, do sabor, dos aromas e do frescor”, afirma.
Turismo. Além de movimentarem a economia com a produção de azeites, algumas fazendas da serra da Mantiqueira têm fomentado o turismo recebendo grupos para visitas guiadas em suas dependências. “Hoje mesmo estou recebendo algumas pessoas que vêm conhecer nosso processo, degustar nossos azeites. Há outros produtores que fazem o mesmo. É bacana porque insere a olivicultura no turismo gastronômico rural”, pondera.
Quanto mais, melhor para todos
O preço dos azeites mineiros pode assustar o consumidor acostumado com o produto importado encontrado nas gôndolas de supermercado – 250 mL das marcas locais custam entre R$ 49 e R$ 64 –, mas, além ser um produto de qualidade, o que já justificaria a diferença de preço, a cadeia produtiva do Estado ainda está em desenvolvimento. Conforme a atividade for se consolidando, a tendência é esse preço baixar.
O próprio aumento do consumo, inclusive, pode impulsionar isso, como pondera a azeitóloga Ana Beloto. “Na Grécia, o consumo per capita anual de azeite é de 20 L. Aqui, ainda é de apenas 500 mL, mas já melhorou muito. Em 2004, era de 40 mL. Aumentar o consumo e a produção e torná-la cada vez mais profissional tende a fazer esses preços caírem”, afirma.
Tipos cultivados. A variedade de maior volume produzido na Mantiqueira é a arbequina. “Ela é catalã e se adaptou muito bem no mundo todo, por isso o volume maior. Tem um azeite muito delicado, com aromas suaves, de baixa picância e baixo amargor. É bastante agradável para quem está começando a conhecer mais esse universo e às vezes se assusta com o padrão estrangeiro, de azeites mais amargos, mais potentes”, explica Sandro Marques, autor do “Guia de Azeites do Brasil”, acrescentando que o produto da arbequina, por ser muito versátil, é muito usado, na Espanha, em pâtisserie, sobremesas, bolos e pães.
Além dela, também é abundante a grappolo, que é italiana, mas também tem uma versão mineira desenvolvida pela Epamig. Ela dá um azeite um pouco mais potente que a arbequina. Há também plantações de koroneiki, variedade grega que gera um produto um pouco mais amargo e picante. Arbosana, picual e maria-da-fé, que ainda não tem produção comercial, também são cultivadas na região.
Na hora de comprar azeite, lembre-se
Cuidados. Para escolher um bom azeite, é preciso considerar que ele tem três inimigos: a luz, o calor e o oxigênio. Por isso, deve-se dar preferência a vidros escuros, embalagens bem vedadas e locais de armazenamento frescos.
Refrigerado. O azeite deve ficar a uma temperatura menor que 18ºC, por isso, deve ser guardado na geladeira, se necessário. Tendo em vista que quanto mais fresco, melhor o azeite, é preciso atenção às datas de fabricação e validade.
Para ter as primeiras experiências com o azeite mineiro
Degustação. A azeitóloga Ana Beloto e o jornalista gastronômico especialista em queijos artesanais mineiros Eduardo Tristão Girão conduzem, na próxima quinta (23), às 19h30, a degustação Mantiqueira na Mesa, em que queijos e azeites mineiros serão harmonizados. O evento acontece no Grande Hotel Ronaldo Fraga (r. Ceará, 1.205, Funcionários) e custa R$ 160. Mais informações e inscrições pelo telefone (31) 98738-7403.
Onde comprar. Azeites mineiros e nacionais são vendidos no Roça Capital (na unidade do Mercado Central e na da av. Bandeirantes, 1.725, Mangabeiras), nos supermercados Verdemar, em padarias como a Cum Panio (r. do Ouro, 292, Serra), em empórios como a Casa Bonomi (av. Afonso Pena, 2.600, Funcionários), em mercados distritais como o do Cruzeiro, e na loja Néctar do Cerrado (r. Ouro Fino, 452, Cruzeiro).