A filosofia que pauta a cozinha do chef Jaime Solares pode ser comparada à famosa Lei de Lavoisier: “na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”. É simples. Em vez de ir para o lixo, as cascas da cebola e da cenoura, por exemplo, podem ser reaproveitadas. O osso da carne, por sua vez, serve de base a caldos. Os caules de vegetais e as cascas de bananas são insumos para uma farofa rica em nutrientes, à base de farinha de pão dormido que também seria jogado fora. O arroz que sobrou do almoço vira bolinho, feito com queijo, para ser servido como petisco. E se tiver sobra da feijoada do fim de semana, é hora de pensar no recheio do pastel, oferecido em um menu especial em seu estabelecimento, a Borracharia Gastrobar, que prioriza também produtores locais e ingredientes sazonais, respeitando ao máximo a disponibilidade dos insumos na natureza. “O que restou do alimento só vai para o lixo depois que dele foi extraído o máximo que poderia oferecer”.
Jaime faz parte de um seleto grupo de chefs que já há alguns anos mudou sua maneira de cozinhar, de forma a aproveitar todas as partes do alimento e integrar cascas, caules e raízes – que seriam descartados – em receitas. “Eu cresci em uma cultura que prega que é melhor sobrar do que faltar, mas é justamente o contrário que a gente vê em outros países. Hoje, como a gastronomia se internacionalizou, todo mundo tem essa noção de ir contra o desperdício nas cozinhas”, pontua ele.
A economia resultante dessa prática é um forte incentivo para que os chefs sigam inventando fórmulas para aproveitar produtos e restos. No Brasil, estima-se que a cada ano são desperdiçadas 41 mil toneladas de alimentos, de acordo com a instituição de pesquisa internacional World Resources Institute (WRI) Brasil. O dado coloca o Brasil entre os dez países que mais desperdiçam comida.
Entre os produtos usados com regularidade nas cozinhas, frutas, hortaliças, raízes e tubérculos costumam ser os mais descartados. Mas o chef Lucas Peloso, do restaurante Santafé, faz questão de não engrossar esse time. Sua cozinha se empenha em usar o máximo de cada ingrediente, em receitas simples e saborosas, que resultam em pratos como a conserva de casca e aparas de berinjela. “Cozinho as aparas com açúcar e vinho tinto de boa qualidade. Após 48 horas, a redução é ótima para temperar saladas ou servir como sugestão de antepasto”, explica ele.
Reutilização. A pele do salmão também não vai para o lixo – ao contrário, torna-se uma espécie de torresmo após ser assada, adquirindo uma textura crocante. Já a abóbora é assada e servida integralmente com um toque de laranja, mel, queijo gorgonzola e pimenta calabresa. “A intenção não é só evitar o descarte dos alimentos, mas sim ressaltar que ele pode ser consumido com qualidade – e da melhor maneira possível”, defende Peloso.
As cascas de batata e cenoura, por exemplo, podem ser empanadas em uma mistura de ovo e farinha de rosca e fritas em óleo quente. “É uma ótima opção para petiscar”, sugere Jaime Solares, da Borracharia Gastrobar.
Desperdício zero também é a máxima do restaurante Addoca. O chef Allan Fré é um dos incentivadores de processos culinários que aproveitam ao máximo os ingredientes utilizados, e é por isso que o local tem próprio frigorífico, onde recebe o animal fresco. Assim, o açougueiro prepara os cortes com o máximo de aproveitamento possível, dando mais chances de novos preparos.
Que tal uma galinhada com farofinha de casca de banana? O Gastrô te ensina como fazer. Assista:
Restaurantes reunidos em ações que estimulam a sustentabilidade
É fato: hoje, desperdiça-se muito menos nas cozinhas profissionais do que anos atrás. E é por esse motivo que seguir adotando iniciativas que visam tonificar a diminuição do desperdício alimentar é uma atitude mais do que pertinente. É justamente essa uma das diretrizes do Circuito Aproxima, que acontece na capital mineira até 11 de novembro. Ao todo, são 26 estabelecimentos com pratos e ações sustentáveis, como a preferência dada a produtores locais, bem como a opção por canudos de papel para as bebidas, coleta seletiva do lixo e, claro, aproveitamento integral dos alimentos.
Uma das participantes do circuito, a Organic Saladeria incluiu em seu menu chás feitos à base de casca de laranja e abacaxi. Já os talos de couve são refogados para dar crocância à farofa de quinoa que acompanha a salada, prato pensando especialmente para o evento. “Sabemos que o desperdício em restaurantes é grande, por isso tentamos minimizá-lo ao máximo. Assim, aproveitamos todas as partes dos alimentos, inclusive as que seriam descartadas”, conta a proprietária Tayla Casalechi.
A cenoura, por exemplo, é comprada com as folhas, que se tornam a base do molho pesto e, automaticamente, uma ótima forma para não desperdiçar nada. O tutano, parte gordurosa e rica em sabores que fica no interior do osso do boi, também passou a integrar os menus da cidade, em vez de serem descartados. No Adocca, por exemplo, o tutano é servido diretamente no osso, acompanhado de picles de maçã verde, farofa de migas e rabanete fresco.
RECEITA
Bolinho de arroz
Receita do chef Jaime Solares, do Borracharia Gastrobar
INGREDIENTES
1 kg de arroz cozido (aproveitar o que já estiver pronto na geladeira)
2 ovos
100 g de farinha de rosca
½ cebola picada em cubos pequenos
½ dente de alho picadinho
1 colher de sopa de queijo ralado (aproveitar o que tiver na geladeira, pode misturar mais de um tipo)
1 colher de sopa de cebolinha picada
1 colher de sopa de salsinha picada
1 colher de sopa de coentro picado
1 colher de café de cúrcuma
1 colher de café de cominho
1 colher de café de pimenta calabresa
Sal a gosto
MODO DE PREPARO
Em uma tigela grande, coloque todos os ingredientes. O arroz deve ser colocado inteiro, não precisa triturar ou amassar os grãos. Misture bem até formar uma massa, cubra com plástico-filme e deixe na geladeira por duas horas descansando. Molde os bolinhos em forma de rolha e frite em óleo quente. Sirva com geleia de pimenta.
Serviço
Restaurante SantaFé. R. Pernambuco, 800 Funcionários. (31) 3261-0987
Organic Saladeria. R. Sergipe, 1.370 Funcionários. (31) 3281-6182
Borracharia Gastrobar. Av. Afonso Pena, 4.321 Serra. (31) 2127-4321
Adocca. R. Hermilo Alves, 20, Santa Tereza. (31) 99148-0163
Circuito Aproxima – Gastronomia Sustentável. Até dia 11 de novembro, com vários estabelecimentos participantes. Veja a programação em www.projetoaproxima.com.br/circuito-aproxima