Questionável

Pimenta-biquinho: decoração comestível ou ingrediente?

Iguaria é comum entre os pratos participantes desta edição do Comida di Buteco BH; afinal, ela faz ou não diferença no sabor prato?

Por Lorena K. Martins
Publicado em 29 de abril de 2024 | 07:23
 
 
 
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Não é só uma folha de alface murcha, que geralmente se faz de aparador para uma caprichada porção de fritas com carne que se faz um petisco quando ele chega à mesa. Basta sentar na calçada de um autêntico boteco em Belo Horizonte e pedir um tira-gosto para perceber, quase sempre, que um ingrediente segue onipresente em todos eles: a pimenta-biquinho. Conhecida pelo seu sabor doce e sem ardência, a biquinho – batizada assim por conta do seu formato – está ornando vários petiscos dos 121 bares participantes desta edição do Comida di Buteco, que acontece até o dia 5 de maio. Mas, ainda sim, há uma dúvida perene: é apenas uma decoração comestível ou faz diferença no sabor da receita? 

Se, geralmente, a primeira atitude de muitos comensais quando chega um prato coberto por pimenta-biquinho é tirar uma por uma e colocá-la de escanteio, isso não acontece entre os clientes que frequentam a Cantina Arte Quintal. “Ninguém tira, é impressionante. Quando o prato chega à mesa, a primeira coisa que o cliente faz é tirar fotos. A pimenta-biquinho dá um toque especial ao nosso tira-gosto”, confirma Wagner Torres, sócio do bar que estreou nesta edição do Comida di Buteco com o prato batizado de Costelinha do Serro. 

Feito com o corte suíno ao molho barbecue e castanha-de-caju, o petisco foi inspirado na culinária da região mineira do Serro. “A biquinho também é cultivada na roça por algumas famílias daquela região. Têm duas funções: agregar sabor e enfeitar, porque quem não gosta de pimenta se encanta com o visual do prato. Costumo dizer que comemos com os olhos, correto?” explica. 

Além do adorno

Por mais que seja ótima para adornar os pratos, o seu gosto faz a diferença em muitas receitas, como o Frango Atolado do bar e restaurante Bom Sabor. “Além de decorar, o seu sabor adocicado, levemente ácido, e a sua ausência de ardor, é mais um ingrediente que ajuda a realçar o sabor e o aroma do nosso prato”, explica Adrieli Santos Costa, chef de cozinha do estabelecimento que também está participando dessa edição do concurso com a receita feita com frango marinado em especiarias, purê de farinha de milho, couve e, claro, a pimenta-biquinho. 

“De modo geral o público aprova muito bem a utilização dela nos pratos que servimos. Acredito que um ponto relevante é a ausência de picância, o que a torna consumível por todo o público e, ainda, traz aroma e sabor à comida”, defende. 

O mesmo ingrediente também é essencial para as receitas do Avalanche Espeteria. “Utilizamos muito a conserva dela em vários pratos do nosso bar e em saladas. Ela não é só um enfeite porque tem muita gente que gosta de comê-la pura também. Ela é bem saborosa e tem um ardor bem levinho”, explica o proprietário Wesley Luan da Silva Moura. Mas para participar do Comida di Buteco com o Maria Conga e Filó, ele preparou uma geleia mesclando o ingrediente com a goiabada, uma receita de família e que, de acordo com ele, combina muito bem com o restante do prato: uma porção de torresminho e pastel de angu recheado de carne seca com requeijão e alho-poró com muçarela. “Todo mundo está gostando muito da geleia e pedindo a receita. Entre os molhos que servimos, para acompanhar, esse é o mais pedido”, conta.

Contradição

Enquanto chefs e donos dos bares participantes do Comida di Buteco explicam sobre a versatilidade do ingrediente e defendem sobre o seu apelo decorativo, que acabou se tornando também uma característica da cozinha mineira de boteco, clientes têm opiniões diversas.

De fato, a presença dela faz diferença no prato – há quem ache o suprassumo da beleza os petiscos adornados pelos pontinhos vermelhos. O jornalista gastronômico Nenel Neto, autor do perfil Baixa Gastronomia, opina que o excesso, entretanto, pode ser visto como “cafona” para comensais que, assim como ele, está exaurido da presença dela em receitas servidas nos bares. “Vivemos uma espécie de ditadura da pimenta-biquinho. Tem até na batata frita. Acho esse tipo de ‘perfumaria’ dispensável”, disse.

Marcelo Wanderley, produtor na área gastronômica e realizador do portal Cumbucca, acredita sobre a tradição da pimenta-biquinho adornando um tira-gosto de boteco. "Ela faz parte da nossa cultura, é um clássico na finalização dos petiscos de botecos. Muitas, ou na maioria das vezes, não consigo enxergar a sua harmonização. Mas para o botequeiro profissional, toda tradição é uma festa", eslarece.

Para Bernardo Cançado, um dos criadores do perfil Oncêvai no Instagram, gosta do ingrediente e defente o seu uso com parcimônia. "Gosto da pimenta biquinho, ainda que sua ardência seja imperceptível ao paladar. Porém, penso que o seu uso deveria se restringir tão somente à aplicação culinária. Se o estabelecimento for utilizá-la em um drink, uma conserva, em um petisco ou em um molho, que seja então para somar ao sabor daquilo que é servido", exemplifica. "Seu uso como decoração não me agrada e aplicação deliberada em todos os pratos e tira-gostos de um mesmo estabelecimento me incomoda bastante. Infelizmente, tem sido muito comum por aí", conclui.

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