Em 2014, a Confederação Nacional do Transporte (CNT) apresentou um Plano de Transporte e Logística estimando que o país precisaria de R$ 987,18 bilhões – praticamente R$ 1 trilhão – para desenvolver os 2.045 projetos existentes para o setor. Não bastasse o valor alto, seriam necessários cerca de cem anos para que todos fossem executados, levando em consideração o ritmo de investimentos do governo federal, que, em 2018, tem um Orçamento de R$ 10 bilhões para o setor de transporte.
Em 2015, o governo federal lançou com pompa, circunstância e apresentações para empresários estrangeiros um Plano de Investimento em Logística (PIL). Previa R$ 198,4 bilhões no período de 2015 a 2018. O ano de 2018 chegou, o plano já deu lugar a outro, e o Ministério dos Transportes não informa quais partes dele foram, de fato, realizadas.
Mesmo que tudo fosse executado, seria insuficiente para mudar a direção da dependência que o país tem do transporte rodoviário, que, em 195,2 mil quilômetros de rodovias, concentra 54% do transporte de cargas. Se todas as obras previstas fossem realizadas, até 2035 o país ainda seguiria sobre rodas. Os dados estão no estudo “Projeções para a Infraestrutura de Logística de Transportes no Brasil”, divulgado pela Fundação Dom Cabral (FDC) no mês passado.
O estudo da FDC – que leva em conta o Plano de Investimento em Logística (PIL) lançado pelo governo federal em 2015 – estima que, até 2025, as ferrovias aumentem sua representatividade no transporte de cargas dos atuais 26,4% para 29,5%. O problema é que, dez anos depois, em 2035, a tendência é que esse avanço já esteja diluído por dois motivos: o crescimento do volume de produção de cargas de 36,8% e do transporte em toneladas, de 43,7%. Além disso, até lá, cerca de metade dos 1,71 milhão de quilômetros de estradas brasileiras deve estar em péssimas ou inaceitáveis condições de conforto e conveniência.
“Continuaremos em um país sobre rodas se não houver um plano nacional, de prioridade do Estado brasileiro de infraestrutura de transporte para o Brasil suficientemente forte e ousado para não só melhorar a qualidade das rodovias, como também para ampliar o potencial das ferrovias e hidrovias e do transporte de cabotagem”, afirma Paulo Resende, diretor da Plataforma de Infraestrutura em Logística de Transportes (Pilt) e coordenador do Núcleo de Logística, Infraestrutura e Suply Chain da FDC.
Mudar a direção dessa realidade, que leva a nação ao atraso, é algo que demanda alto investimento e tempo, fatores escassos em um país em crise financeira. Nos últimos cinco anos houve seguidas quedas no Orçamento do governo federal para o Ministério dos Transportes, Portos e Aviação Civil, situação que leva a uma tendência à deterioração permanente do setor e à manutenção da dependência das rodovias para a movimentação de cargas.
“É preciso um investimento mais longo e consistente, sem variações orçamentárias negativas entre um governo e outro. No Brasil, o plano de integração e logística ainda é desconexo e de referência política grande, em que interesses de alguns políticos priorizam determinadas obras, deixando de lado outras mais importantes”, critica o diretor executivo da CNT, Bruno Batista.
Segundo o Ministério dos Transportes, o PIL deu lugar aos programas Avançar e Avançar Parcerias. No primeiro, estão previstos investimentos de R$ 141 bilhões entre 2016 e 2018, sendo que R$ 77 bilhões já foram empenhados e, até dezembro deste ano, a previsão é de execução de mais R$ 64,7 bilhões. No segundo, serão investidos R$ 161,7 bilhões junto com a iniciativa privada.
De casa para o trabalho, Paulo Henrique, 24, gasta cerca de 120 minutos. Do trabalho para casa, entre o Buritis, na região Oeste de Belo Horizonte, e o Riacho, em Contagem, na região metropolitana, são mais 150 minutos, por causa do horário de pico. Apesar de estar acima da média de tempo de deslocamento do trabalhador brasileiro – que, segundo estudo da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan), é de 114 minutos –, a rotina de Paulo é um retrato de muitas realidades no país. Na região metropolitana de Belo Horizonte, o tempo médio do trajeto casa-trabalho-casa é de 125 minutos.
“Eu poderia dedicar esse tempo ao estudo, ao aumento da produtividade no trabalho e até ao descanso. Esse desgaste impacta meu rendimento, principalmente nos últimos dias da semana”, diz Paulo.
A economia também perde. O levantamento da Firjan aponta que, todo ano, os congestionamentos e a precariedade do transporte coletivo tiram da economia brasileira cerca de 4,4% do Produto Interno Bruto (PIB). Os dados mais recentes foram compilados há três anos. Considerando esse mesmo percentual sobre o PIB de 2017 (R$ 6,6 trilhões), estima-se que as perdas seriam de R$ 290,4 bilhões por ano.
“O tempo que as pessoas perdem no trânsito por causa da imobilidade poderia ser usado para gerar riqueza. Mas também poderia ser aproveitado com suas famílias, e essa perda não dá nem para mensurar”, afirma o sócio da Inter.B Consultoria Internacional de Negócios Cláudio Frischtak, autor do livro “Mobilidade Urbana: Desafios e Perspectivas para as Cidades Brasileiras”.
“Nossas cidades estão em processo de espraiamento, com pessoas morando mais longe. O transporte público é ruim; os governantes se sentem na obrigação de facilitar o uso do automóvel e acham que estão resolvendo, enquanto, na verdade, estão contratando uma crise de mobilidade no longo prazo. Tem é que investir em transporte de massa, criar pedágios urbanos e cobrar mais caro pelo estacionamento”, avalia Frischtak.
Segundo o estudo “Desafios da mobilidade urbana do Brasil”, feito em 2016 pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), para priorizar o transporte coletivo também é importante onerar o uso de carros por meio de medidas como a taxação da gasolina – algo que seria certamente mal recebidp pela população e, portanto, difícil de ser bancado por políticos. Outras soluções seriam implantar mais faixas e corredores exclusivos para ônibus e investir em financiamento extratarifário da operação.
De acordo com o Ipea, várias políticas reforçaram o estímulo ao transporte individual no país, como a atração de investimentos da indústria automobilística na década de 90, a redução de impostos para incentivar a venda de motos e carros e o reajuste das tarifas de ônibus acima da inflação. Diante desse modelo, aumentam os congestionamentos, a poluição e as mortes no trânsito – são mais de 37,3 mil todos os anos no Brasil, conforme o DataSUS.
De 2013 para 2018, a frota de automóveis cresceu 24% em Belo Horizonte, e as tarifas de ônibus aumentaram 44% – de R$ 2,80 para R$ 4,05. O metrô da cidade não avança desde 2002 e, para atender ao aumento da demanda, teria que saltar dos atuais 28,1 km para 199,5 km, segundo estimativa da Confederação Nacional do Transporte (CNT).