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Foto: Cristiane Mattos / O Tempo

A chuva mostra a forçados Rios

Cidade de Belo Horizonte Imagens de nuvens Imagens de nuvens

Prevenção de tragédias da chuva foi negligenciada historicamente em BH

Planejada sem considerar seus cursos d'água e desde então pautando seu planejamento urbano sem levar o meio ambiente em conta, capital demonstra que não está pronta para lidar com eventos como os da última semana

Poucas horas após a avassaladora tempestade que atingiu Belo Horizonte na última terça (28), vídeos publicitários da prefeitura de Belo Horizonte na década de 1970 começaram a circular pelas redes sociais. No primeiro deles, o locutor de voz grave conta uma história, à medida em que se veem imagens de um córrego que passava pela cidade. “Era uma vez um Leitão que parecia manso, mas era bravo e sujo, muito sujo. Quando enchia, entrava até na casa dos outros. Às vezes enfurecia (...) O córrego do Leitão não respeitava nada, ninguém”, diz.

No segundo, que mostra uma avenida e carros se movimentando, segue: “Hoje, o Leitão está por baixo dessa nova e ampla avenida. Uma verdadeira passarela negra que vai ajudar a resolver nossos problemas de trânsito. Cenas de enchentes você nunca mais verá. Dessa própria obra, com o tempo, você esquecerá. Mas não deve esquecer, para o bem da cidade, que o dinheiro de impostos está sendo empregado em realizações como a canalização do Leitão”.

Os vídeos refletem um pensamento vigente na capital desde sua fundação. Planejada no fim do século XIX, Belo Horizonte foi instalada onde fica por conta da qualidade e da fartura das águas das bacias dos ribeirões Arrudas e do Onça. De forma contraditória, já na planta, o projeto urbanístico de Aarão Reis – à exceção do Arrudas – ignorou solenemente essa abundância de cursos d’água.

Vários bairros de Belo Horizonte ficaram debaixo d'água com as chuvas de janeiro
Foto: Flávio Tavares / O Tempo

O resultado dessa mentalidade centenária pôde ser visto novamente após as chuvas de janeiro, que embora tenham sido em volume recorde, apenas escancararam um problema que é endêmico da cidade.

De acordo com o arquiteto e urbanista e professor da Escola de Arquitetura da UFMG Roberto Andrés, já no início da cidade, o córrego do Acaba Mundo, o Leitão e o da Serra atravessavam lotes, visto que o planejamento geométrico das ruas não considerava seus cursos. A consequência disso foi que, já na década de 1920, eles começaram a ser canalizados.

“As cabeceiras vão sendo desmatadas e ali passa ser destino de o esgoto. Isso fez com que córregos passassem a ser mal vistos pela população, já que essa prática ocasionou acúmulo de lixo, poluição, mau cheiro. E então as pessoas deixam de vê-lo como elemento natural de convívio, como era no tempo do Curral Del Rei, o arraial que havia antes de Belo Horizonte”, afirma o professor.

A partir da década de 1960, com a chegada a indústria automobilística ao país, esse processo se intensifica, como observa o geógrafo, professor e autor do livro “Rios Invisíveis da Metrópole Mineira” (ed. Clube de Autores), Alessandro Borsagli. “Com isso, veio uma pressão muito forte pela reforma urbana das cidades, por alargamento de vias, abertura de vias expressas, avenidas etc. E os cursos d’água, nesse novo planejamento rodoviarista, entraram em rota de colisão com a cidade, eram vistos como entraves para o desenvolvimento regular da cidade”, explica.

Esse modo de pensar teve continuidade nas décadas seguintes e o Bulevar Arrudas – fruto da canalização e do tamponamento do principal ribeirão da cidade, foi inaugurado em 2007, com novos trechos criados nos anos seguintes –, é símbolo disso. Como consequência direta dessa mentalidade, dos 700 km de cursos d’água da capital, 208 km estão canalizados ou revestidos, ou seja, 29,71%. Destes, 165 km se encontram em canal fechado e 43 km em canal aberto. Há 200 km em leito aberto na malha urbana e 300 km localizados em áreas de preservação.

Por conta disso, o ambientalista, idealizador e fundador do projeto Manuelzão e professor da faculdade de Medicina da UFMG Apolo Heringer Lisboa ressalta a importância de não se criminalizar a chuva. “A chuva foi muito forte, mas não foi ela que causou isso não. O que ela fez foi expor a fragilidade da concepção da gestão das águas em Belo Horizonte e como o poder público está a serviço da indústria das enchentes, dessas empreiteiras que só sabem impermeabilizar o solo e canalizar os rios”, critica.

Fotografia mostra como é o ribeirão Arrudas e projeção de como seria o cenário ideal
Foto: Denilton Dias / O Tempo

Iniciativas pontuais já existem

Propostas elaboradas nas últimas décadas preveem melhor relação entre a cidade e a natureza

Ainda que o pensamento dominante e o planejamento urbano de Belo Horizonte ao longo de sua história tenham sido pautados pela escolha de agir como se os cursos d’água da cidade não existissem, algumas iniciativas nas últimas décadas nadam contra a corrente, apontando para uma melhor convivência entre a vida urbana e a natureza.

Uma delas é o Programa de Recuperação Ambiental de Belo Horizonte Drenurbs, lançado em 2001, como forma de priorizar a reintegração dos cursos d’água à paisagem, em detrimento da canalização como única solução para a drenagem. Em 2010, inclusive, o projeto recebeu uma menção honrosa no Metropolis Awards, premiação organizada pela Associação Mundial de Maiores Metrópoles, que contemplou projetos e experiências que se concentravam na melhoria da população residente em regiões urbanas.

Professor de economia regional e planejamento urbano no Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional da Faculdade de Ciências Econômicas da UFMG, João Tonucci cita também o Plano Diretor de Drenagem Urbana, de 1999, e Plano Municipal de Saneamento de Belo Horizonte, de 2016. “Há também intervenções estruturantes com as bacias de contenção. Portanto, já existe um conjunto de planos, projetos e opções. O problema é que isso, em geral, não é priorizado. A maior parte do orçamento municipal e mesmo de recursos que vêm da União ou do governo do Estado vão na direção contrária”, observa.

Parque Nossa Senhora da Piedade é um dos frutos positivos do programa Drenurbs
Foto: Flávio Tavares / O TEMPO

A secretária de Política Urbana da Prefeitura de Belo Horizonte, Maria Caldas, defende que a ideia de manter os córregos em leito natural está introjetada na gestão atual. “Nós sabemos que canalizações e tamponamentos de rios são conceitos de engenharia ultrapassados. Tanto que a prefeitura suspendeu a licitação, um projeto já com financiamento, da canalização do terceiro trecho do Bulevar Arrudas. Porém, é preciso que se entenda que é uma luta a ser travada pela cidade o tempo todo. Existe essa resistência sempre presente do mercado imobiliário, do exagero, da ideia de ter lucro máximo, que precisa ser enfrentada”, afirma.

Um elemento para complexificar essa equação tem a ver com as transformações no clima da cidade, que, inclusive, podem tornar eventos como os vistos em janeiro mais frequentes. O estudo Análise de Vulnerabilidade às Mudanças Climáticas do Município de Belo Horizonte, de 2016, já apontava nessa direção. Ele prevê a intensificação de eventos como inundações, ondas de calor, deslizamentos e dengue. O relatório indica que 42% dos bairros da capital já se encontram em situação de alta vulnerabilidade e prevê que, se medidas não forem tomadas, essa taxa pode chegar a 68% até 2030.

“Portanto, já estamos avisados há algum tempo que esses regimes mais instáveis vão se intensificar nos próximos anos”, ressalta a secretária Maria Caldas. “Temos que nos preparar para isso, e é uma mudança que vai exigir que se transforme inclusive o modo de pensar como a gente constrói as nossas cidades, levando em consideração, de modo mais profundo, a relação das pessoas com a natureza”.

É preciso levar em conta também que os transbordamentos fazem parte da dinâmica das cidades, como lembra o geógrafo, professor e autor do livro Rios Invisíveis da Metrópole Mineira (ed. Clube de Autores), Alessandro Borsagli.

“Essas ocorrências nunca vão acabar, o que pode ser feito é mitigá-las, mas nunca erradicá-las. Essa chuva que caiu em Belo Horizonte recentemente, poderia ser o curso d’água que fosse, provavelmente também transbordaria. Mas, certamente, causaria muito menos estrago do que causou se (a enxurrada) encontrasse com parques ciliares, com vertentes permeabilizadas e outros recursos como esses”, defende o geógrafo.

Ribeirão Arrudas sofreu com intervenções nas últimas décadas
Foto: Flávio Tavares / O TEMPO

É preciso conviver com os rios

O professor Apolo Heringer ressalta que é urgente uma mudança de paradigma na cidade de Belo Horizonte. “A engenharia ambiental tem outros embasamentos, não é o da força bruta, do concreto, mas da relação amigável de convivência com a natureza. A cidade é um ecossistema humano e, de preferência, tem que conviver com os rios”, diz.

Se não houver essa mudança, de acordo com ele, os custos podem ser altos para todos. “Eu falei que o Arrudas poderia explodir próximo à praça da Estação, na avenida dos Andradas (o volume do ribeirão fez com que água fosse expelida e ao menos 70 grades de concreto fossem arrancadas do canteiro central do bulevar, nas últimas chuvas) e vou ratificar: vai explodir Belo Horizonte toda. A destruição que temos vistos nas ruas significa uma grande energia de baixo para cima, nas laterais, empurrando a terra e as estruturas, rachando tudo. E vai continuar se nada for feito”, alerta.

O urbanista Roberto Andrés endossa o argumento de Heringer e ressalta que o alto grau de impermeabilização da cidade é outro quadro que precisa ser mudado. “As chuvas acabam correndo muito rapidamente para os fundos de vales. Temos uma legislação que prevê a permeabilidade do solo nos lotes, mas sabemos que muitos terrenos não cumprem a regra. Precisamos fazer com que isso seja cumprido e, mais do que isso, criar locais intermediários em praças públicas, jardins e coletores, para que a água possa ser absorvida pelo solo. Distribuir pela cidade a coleta da chuva, pra que não seja toda descarregada nos fundos de vale”, afirma.

Destroços de uma garagem

Novo Plano Diretor propõe urbanização pautada no respeito ao meio ambiente

Diretriz, que entra em vigor na próxima quarta (5), é aposta da prefeitura da capital para implementar novos parâmetros de relação com a cidade e com isso mitigar os efeitos da chuva e das mudanças climáticas

Enquanto as chuvas de verão repetem todo ano o cenário de alagamentos, de riscos geológicos e de vários transtornos — somente nos últimos dias Belo Horizonte foi a cidade que teve o maior número de mortes causadas pelo temporal: das 57 vítimas fatais em todo Estado, 13 foram em BH. —, depois de quatro anos para ser aprovado, o Plano Diretor, em vigor na próxima quarta-feira (5), é a aposta da prefeitura da capital para reestruturar a cidade e evitar um novo caos em meio às mudanças climáticas.

Muito além da polêmica da outorga onerosa, que colocou setores da indústria e o segmento imobiliário contra a aprovação do projeto, o texto prevê novas diretrizes sobre mobilidade, habitação e planejamento urbano. O objetivo, segundo o Executivo, é tornar a capital menos desigual e mais sustentável. No âmbito ambiental, a proposta prevê a criação de conexões ambientais de fundo de vale para cursos ainda em leito natural e aumenta a permeabilidade do solo, além de vetar o tamponamento e a canalização.

Fotografia mostra como é a avenida Prudente de Morais e projeção de como seria o cenário ideal
Foto: André Fossati / O Tempo

Na avaliação de especialistas, se colocadas em prática as diretrizes podem sim evitar muitos danos e ter bons efeitos, uma vez que o plano traça metas a serem feitas a curto, médio e longo prazo. No entanto, o receio é que o que se veja na prática seja uma cidade clandestina e o plano seja mais um documento que não é executado.

Para o arquiteto e urbanista Júlio Torres, vice-presidente da Associação Brasileira de Escritórios de Arquitetura em Minas Gerais (Asbea), é preciso mudar o modelo de gestão. Segundo ele, mais da metade das construções da cidade não seguem os parâmetros legais. “Arriscaria dizer que 10% das construções não levam em consideração o Plano Diretor, temos uma cidade irregular, que faz o que se quer. Apesar de importante, ele (o plano) não vai consertar a cidade. As novas construções, que vão se basear nesse plano, só ficam prontas daqui a quatro anos. Além disso, o plano não fala de regiões específicas, que têm seus gargalos, como a Vilarinho e a Tereza Cristina. A grande questão é que precisamos de obras caras, que demoram anos. Isso não é de interesse dos prefeitos, eles querem medidas imediatas, é o jogo político", avaliou.

“O Plano Diretor tem bons mecanismos, mas prevalece para as novas construções. O grande problema é a falta de conscientização, as pessoas querem cimentar tudo, uma árvore já incomoda. Tem aqueles que depois do projeto aprovado na prefeitura, mudam tudo e constroem mais, sem deixar áreas verdes. As pessoas precisam mudar seus hábitos, temos governos com pouca preocupação ambiental, mas se nada mudar a cidade vai sofrer muito mais”, ressalta a professora da Escola de Arquitetura da UFMG e pesquisadora do Observatório das Metrópoles, Jupira Gomes de Mendonça, que aponta a necessidade de uma revisão das drenagens dos cursos d’água já existentes na cidade.

De acordo com o arquiteto e urbanista e professor na UFMG, Roberto Andrés, além de criar um sistema para que nem toda a água caia no fundo dos vales é preciso colocar nas antigas e novas edificações caixas de retenção de água de chuva que vão acumular a água e irão retardar o escoamento para a rede pluvial, fazendo com que esse volume não contribua para o momento de pico com as enchentes. Outra proposta é investir em corredores ecológicos, parques e áreas verdes, jardins drenantes para facilitar a drenagem da água.

Premiado internacional, Drenurbs busca a reintegração dos cursos d’água à paisagem, em detrimento da canalização como única solução
Foto: Flávio Tavares / O Tempo

“Nas áreas periféricas é preciso retirada de casas que estão em condição de risco, tratamento das encostas com drenagem, sistemas de proteção que as tornem mais resistentes, resilientes no momento das chuvas. Todo um programa de qualificação e melhoria de segurança nas periferias é fundamental para garantir a vida, o bem-estar e a segurança dos moradores da maior parte da cidade”, defende. “Já nas áreas centrais, é aumentar a área no entorno dos cursos d’água, criar parques lineares, áreas de recreação e lazer, que permitam que a água tenha onde cair. A prefeitura aposta em grandes obras de engenharia em que os únicos beneficiados são os construtores, gasta-se muito dinheiro em obras que não funcionam. Há cem anos isso tem sido tentado e não vai resolver dessa maneira”.

O professor de economia regional e planejamento urbano no Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional da Faculdade de Ciências Econômicas da UFMG João Tonucci aponta que um dos caminhos é seguir modelos de cidades que conseguiram se reinventar após escolhas erradas. Um modelo, segundo ele, é Toronto, no Canadá, que na década de 1950, depois da passagem de um furacão e uma grande enchente desapropriou várias casas e criou grandes áreas verdes no meio da cidade.

“Hoje, essa região constitui uma espécie de grande floresta urbana e de um sistema interligado de parques que não serve apenas para fins recreativos, mas também para controlar a drenagem pluvial e ao mesmo tempo o equilíbrio dos sistemas naturais na cidade. A Coreia do Sul, há alguns anos, fez um trabalho grande de reengenharia urbana, abrindo um dos seus rios que era tamponado, sobre o qual havia uma via expressa. Não existe um modelo único. Não vai ter em um passe de mágica, uma caixinha pronta de soluções. O que a gente pode é se espelhar nesses modelos e experiências”, pontuou.

Paisagem na Coreia do Sul, em destaque na tela do celular, mostra abertura de rio, que era tamponado
Foto: Flávio Tavares / O Tempo

Polêmica. Nesta semana, em meio à crise com as chuvas na capital, o prefeito Alexandre Kalil (PSB) alfinetou os empresários, que foram críticos ao Plano Diretor. “Esse Plano Diretor, que foi tão massacrado por esses empresários gananciosos dessa cidade, está aí a resposta para eles. Eles não queriam um Plano Diretor que cuidasse do meio ambiente. A resposta chegou na casa deles, no bairro chique e luxuoso de Belo Horizonte”, afirmou.

A novela do Plano Diretor de BH começou em 2015 quando foi apresentada pelo Poder Executivo, e tramitou na Câmara de Belo Horizonte desde então. Porém, as votações vinham sendo adiadas por contrariar interesses de vários grupos da cidade. Em junho do ano passado acabou aprovado por 35 votos a favor e cinco contra. A sanção do prefeito aconteceu dois meses depois.

Pouco mais de 10 anos após a Prefeitura de BH mapear 80 pontos com risco de alagamento na capital, em dezembro deste ano a reportagem de O Tempo, a prefeitura informou que não planejava uma revisão geral do documento, apesar dos números indicarem que a situação só piorou. Novo levantamento divulgado em outubro de 2019, mês que marcou o início do atual período chuvoso, revelou que a cidade já soma 98 pontos com possibilidade de alagamentos. Somente a região de Venda Nova tem 20 áreas ameaçadas.

Ao todo, segundo levantamento feito pela Companhia Urbanizadora e da Habitação de Belo Horizonte (Urbel), 1.100 edificações em vilas e favelas da cidade são consideradas em situação de risco alto. Em entrevista ao Jornal o Tempo, a secretária municipal de Política Urbana, Maria Caldas, reforçou que prefeitura atua para “ avançar na precisão da emissão dos alertas de chuva e de riscos de inundação, além da adoção de medidas preventivas e protetivas mais eficazes”.

Avenida Prudente de Morais é ponto de recorrentes alagamentos
Foto: Alexandre Mota / O Tempo

Minientrevista com Maria Caldas, secretária de Política Urbana da PBH

O plano entra em vigor na próxima quarta. A partir disso, os problemas vão estar resolvidos?

Em que a implementação das diretrizes pode esbarrar? É preciso urgência na implantação dessas medidas. Se o plano já tivesse sido implementado quando foi elaborado, em 2014, a gente certamente já estaria mitigando o impacto desses eventos. Mas toda tragédia tem um lado ruim e um bom. Pelo menos estamos podendo entender que é necessário ter um lado nessa disputa, e esse lado tem que ser o coletivo, do interesse público e da sustentabilidade, para que a gente possa criar nossos filhos em paz na cidade. Mas o plano é como um guia para conduzir a reconstrução e a construção na cidade.

Então, em áreas muito consolidadas como, por exemplo, o bairro Lourdes, que é excessivamente adensado, onde quase todos os lotes já estão edificados, é muito difícil que a gente possa, com um plano, mitigar isso. Vários projetos vão ser feitos no espaço público, no espaço da calçada, para aumentar a capacidade de drenagem.

Acontece que a área adensada de Belo Horizonte é muito pequena, é só a regional Centro-Sul, perto de todo o território que vai sofrer uma renovação. A maior parte da cidade ainda é composta de casas que vão ser substituídas por edifícios e que, certamente, ao se implantar essa nova maneira de pensar a edificação como parte de um sistema de drenagem, vão mudar. (O plano) Vai preparar a cidade pra ser mais resiliente, mais sustentável.

Por que o Plano Diretor é um assunto tão difícil? Foi de difícil aprovação e, muitas vezes, difícil de ser posto em prática?

Foram entraves e ataques, uma resistência absurda da parte do setor imobiliário, que realmente faz campanha difamatória, usa todo tipo de estratégia para tentar barrar o plano e impedir que a cidade caminhe para a direção de sustentabilidade. Mas, como a gente viu até agora, isso só resultou em transtorno, em atraso.

A gente enfrentou tantos ataques, seja à prefeitura, seja à minha pessoa - eu enfrentei muitos ataques na época da aprovação (do plano) e continuo enfrentando por parte desse segmento que tem muito dinheiro e que vem construindo de forma inadequada e comprometendo o meio ambiente urbano. Faz parte de um processo mesmo de transformação da cultura.

É lamentável, mas entendemos esse processo, sabemos que faz parte da resistência dos que não querem a mudança. A questão ambiental vira e mexe interfere na lógica de uso do espaço, dos terrenos. É preciso deixar parte não construída, é preciso deixar partes serem preservadas. Então, é essa resistência sempre presente do mercado imobiliário, do exagero, da ideia de ter lucro máximo, sem ponderar o prejuízo que a cidade tem, que precisa estar presente na pauta daquilo que está por trás das decisões tomadas muitas vezes para a construção de leis, normas e projetos.

O que será feito agora na cidade a partir da experiência destas últimas chuvas?

É importante entender o seguinte: não existem obras capazes de evitar as consequências das chuvas que aconteceram aqui, mas os pontos mais frequentes de alagamento, como Vilarinho, e esses locais que com muito menos chuva já extrapolam, nesses locais, sim, é preciso fazer obras baseadas em solução de natureza, trabalhando com a contenção a montante, nas bacias, diminuindo o volume de água, ampliando a capacidade do solo de absorver, trabalhando com a consciência das pessoas de não pavimentarem seu quintal.

A ideia de manter os córregos em leito natural já está introjetada na prefeitura. Obviamente, para você deixar um córrego em leito natural, você tem que desocupar toda a área de inundação desse córrego. Aparentemente, a solução é mais cara, mas é óbvio que, no longo prazo, ela é muito mais barata. É um evento climático severo que não se sabe se será um marco ou se será constante, e o que vamos ver daqui pra frente é isso. Estamos tentando arrumar a cidade, mas a recuperação dessas questões vai se dar em médio prazo.

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Data de Publicação: 01/02/2020