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Transposição do descaso

‘O jumento para buscar água sou eu mesmo’

Reportagem contou dez açudes que secaram por causa da seca que já dura três anos em Custódia

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Transposição do descaso
Severino faz força para levantar a carroça e carregar água para a família beber
PUBLICADO EM 08/10/13 - 03h00

Sertão Nordestino. Já há pelo menos dois anos que o aposentado Severino Pereira de Lima, 68, reclama de dores nas pernas e na coluna que o acompanham na lida da roça dia após dia. O problema de saúde, talvez, pudesse ser amenizado se ele mesmo não precisasse puxar uma carroça pesada por cinco quilômetros para buscar água para a família. Com a simplicidade de quem sempre viveu na zona rural de Pernambuco, Severino se define como “um homem que virou jumento”. Ele abriu mão do animal por não ter condição de dar de comer e de beber ao bicho.

“O jumento sou eu mesmo”, brinca o agricultor. Mostrando como faz normalmente para erguer a carroça, o esforço fica evidente na sofrida expressão do homem. As mãos trêmulas não esmorecem diante da dificuldade. Sem muita saída e sem ter como plantar – já que a seca não deixa nada nascer no terreno –, a última empreitada de Severino é a construção de um poço, a uns poucos metros da casa de taipa onde mora com a família.


O aposentado entra no buraco e reclama das dores. “Mas nem assim eu paro”, diz ele, sorrindo. Severino conta também que, se não fosse a aposentadoria, morreria de fome. “Essa terra aqui não tem dado nada para nós”, lamenta. Pouco depois, a mulher dele, Maria de Lourdes Bezerra de Oliveira, 52, e o filho dela, criado por Severino, saem do casebre de pau-a-pique, ainda meio ressabiados com a presença dos forasteiros, e vão se aproximando.

Diante da mulher, o sertanejo abre um sorriso largo. “Ela e esse menino dela, que é meu filho de consideração, são a minha riqueza”. Maria de Lourdes se derrete ao ouvir as palavras do marido. Viúvos, a vida tratou de unir o casal há 16 anos. Os dois têm 11 filhos das uniões passadas.

Com a casa de pau-a-pique caindo, há dois anos Severino tenta erguer uma nova residência, feita à base de tijolos. “Mas não estamos conseguindo. Não sobra dinheiro”, afirma a mulher. Para responder à doce declaração do marido, ela diz que, mesmo com o sofrimento na seca vida do campo, “o amor é maior e vence a dificuldade”.

Há dois anos, Severino plantou mandioca e batata-doce. Choveu muito pouco, mas já foi suficiente para que a fartura chegasse à mesa da família. “Essa terra é boa. Tendo água, dá resultado”, conta. Sobre as obras da transposição, que passarão pela cidade, o agricultor coloca a situação nas mãos de Deus.

“O que Ele mandar, a gente aceita, né?”, diz, resignado com a própria situação. Na saída da reportagem de O TEMPO, Severino diz que está “muito grato” pela visita.

A situação vivida pela família de Severino é uma espécie de resumo de tudo aquilo que se pode ver na zona rural de Custódia, Pernambuco, por onde passa o eixo Leste do canal. Por ali, a exemplo de outras cidades, não chove bem há três anos. O resultado é uma terra seca e poeirenta. Em alguns locais, o solo começa a rachar.

Na cidade, apenas 15 caminhões-pipa atendem a uma demanda que não para de crescer, diante da estiagem. A equipe andou cerca de 40 km pela zona rural da cidade e contou dez açudes que desapareceram. Padeceram diante da seca.


Detalhes

Em Custódia, há apenas 15 caminhões-pipa para atender a toda a zona rural da cidade. Três pertencem à prefeitura, e o restante é do Exército que, no sertão, tem um papel fundamental para levar a água às famílias mais sofridas. O número de caminhões, no entanto, ainda é pequeno diante da necessidade cada vez mais urgente. Os caminhões circulam o dia todo pelas ruas de Custódia. Nos últimos tempos, o trabalho aumentou ainda mais, diante da dificuldade que as áreas mais carentes da cidade têm enfrentado. A prefeitura estima que pelo menos 2.000 pessoas na zona urbana estejam sofrendo sem água encanada. Um dos conjuntos é do Minha Casa, Minha Vida.

Rádio Super

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