Conte-nos um pouco sobre sua experiência no grupo Sursem. É no contexto da batalha epistêmica pela inclusão ou expulsão de uma imagem humana do universo, que teve início em 1998, no Centro de Teoria e Pesquisa do Instituto Esalen, espaço alternativo de educação e pesquisa localizado no Big Sur, na costa da Califórnia, nos Estados Unidos, uma iniciativa de pesquisa multidisciplinar que reuniu entre 40 e 50 pesquisadores do mundo inteiro. O grupo Sursem (um acrônimo para “seminários do Big Sur”) trabalhou em cima da tese subversiva e dissidente dentro do contexto do sistema acadêmico-científico contemporâneo, segundo a qual a mente não poderia ser entendida, explicada e reduzida inteiramente ao funcionamento do cérebro. Defendendo a efetividade da consciência contra o seu cerceamento pelas neurociências e pelas ciências cognitivas dominantes, o grupo Sursem pretende apresentar evidências empíricas, teorias e modelos que sugerem que a consciência independe do cérebro e, quiçá, que “algo” de nossa mente possa sobreviver à morte corpórea. De fato, o acrônimo Sursem também significa, alternativamente, “seminários da sobrevivência”.
Qual a relevância das pesquisas desenvolvidas pelo Grupo Sursem? Reproduzo as palavras do físico teórico Steven Weinberg, que em um livro de divulgação científica afirmou que, “quanto mais compreensível parece o universo, mais sem sentido ele se mostra aos nossos olhos”. A visão de mundo apresentada pelas neurociências, as ciências cognitivas e as filosofias da mente dominantes, ou seja, mais comumente encontradas no sistema acadêmico moderno, parece respaldar o ponto de vista de Weinberg. Já no início do século passado, o sociólogo Max Weber, em seu ensaio “A Ciência como Vocação”, constatava que o que sabemos por meio da astronomia, da biologia, da física e da química não apenas não poderia nos ensinar nada sobre o sentido do mundo, como, muito pelo contrário, esses saberes secavam pela raiz a fé na existência de qualquer coisa que se possa ter por “sentido” do mundo. Ou seja, as ciências empíricas modernas tornaram inoperante a própria busca pelo “sentido” do mundo. Não obstante, como o psiquiatra Viktor Frankl apontou em sua carreira dedicada à atenção das moléstias psíquicas provocadas pelo que ele chamava de “proliferação do vácuo existencial”, o ser humano sempre buscou, em todos os lugares, em todas as épocas, um “sentido último” para a sua existência. Assim, a relevância das pesquisas levadas a cabo pelo grupo Sursem, ao recuperar a consciência como algo constituinte do tecido do cosmo, consiste em aludir, de certo modo, a esse “sentido do mundo”, uma visão que muda, completamente, ao menos quando comparada com a visão científica convencional hegemônica, nossa visão sobre nós mesmos, a sociedade e a identidade humana, assim como nossa compreensão da realidade. A consciência, como a vivenciamos, forma o nosso senso de identidade, propósito, significado e liberdade. Assim, caso a consciência seja parte da realidade (ou seja, se a mente for, em última instância, irredutível ao cérebro), a busca pelo sentido do mundo (ou significado da existência) torna-se, novamente, legítima e relevante.
Essa é a base do seu curso online “Mente além do cérebro”? Meu trabalho enquanto pesquisador em história e filosofia das ciências não é o de endossar nem contestar essas pesquisas dissidentes, mas entendê-las sob as perspectivas históricas, filosóficas e epistêmicas. Eu nunca havia encontrado um grupo de acadêmicos de tal envergadura, com uma construção tão sólida e consistente, propondo-se a enfrentar, a partir de uma perspectiva multidisciplinar e transdisciplinar, questões tão espinhosas do sistema de saberes moderno.Em primeiro lugar, nas neurociências e nas ciências cognitivas, há uma pluralidade de métodos, ferramentas e protocolos experimentais, porém, muita confusão conceitual. Assim, deve-se, inicialmente, limpar esse terreno conceitual. Em segundo lugar, há uma enorme base empírica ignorada ou insuficientemente estudada pelo mainstream. Abordo tudo isso no meu curso, por meio de uma linguagem clara, fácil e acessível, incluindo estudos sobre experiências de quase-morte, centros secundários de consciência, fenômenos paranormais, crises de “aparição”, “visões de leito de morte”, estados alterados de consciência e experiências místicas.
A consciência sobrevive à morte do corpo físico? É ela que abriga nosso “DNA” espiritual? É difícil até mesmo formular essa pergunta, uma vez que se pressupõe uma definição adequada de “eu” (ego ou self), ou seja, daquilo que sobrevive à morte corpórea - o problema de se conhecer a natureza da consciência e sua relação com o nosso senso de identidade. Ademais, como o “nascer” e o “morrer” se definem, mutualmente, a partir do conceito de vida, faz-se necessário também entendê-la (sua origem, sua natureza, sua relação com o seu substrato material). É o que buscou investigar, por exemplo, o físico Erwin Schrödinger, em seu célebre ensaio seminal, de 1944, “O que é a vida?”. De todo modo, a despeito do que a nossa cultura científica possa querer nos conduzir a acreditar, estamos somente engatinhando nesse entendimento. O filósofo Wittgenstein, em sua obra mais célebre, afirmou que “mesmo que todas as questões científicas possíveis tenham obtido respostas, nossos problemas de vida não terão sido sequer tocados”. É provável, portanto, que muitas dessas questões estejam, inclusive, fora do alcance do escrutínio científico, ou seja, que não façam sentido, ou não tenham expressão em nosso vocabulário científico. A questão é saber se somos apenas um “computador feito de carne” (como colocou o cientista cognitivo do MIT Marvin Minsky) ou “algo mais”. O problema mente-cérebro, a saber, a questão a respeito da relação entre processos cerebrais e a nossa experiência subjetiva, pode ser a melhor chance de abordar essa questão na linguagem científica-filosófica contemporânea.
AGENDA:O próximo curso “Mente além do cérebro” (100% online) acontecerá nos dias 6 e 7 de junho. Informações e inscrição: www.mentealemdocerebro.com.br. Telefone: (31) 99294-3272 (WhatsApp).