Regulação

Anvisa libera venda de maconha medicinal nas farmácias do país

Em três meses, empresas brasileiras poderão solicitar autorização para produzir os remédios; agência vetou plantio, que foi permitido a empresário ontem por um juiz de Brasília


Publicado em 04 de dezembro de 2019 | 06:00
 
 
 
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A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) liberou ontem a fabricação e a venda de medicamentos à base de Cannabis, mas vetou o cultivo de maconha para fins medicinais e de pesquisa.

A liberação da maconha medicinal pode beneficiar de 1,7 milhão a 3,9 milhões de pacientes, segundo estimativas. Atualmente, os pacientes que necessitam desses remédios (para tratar sintomas do autismo, epilepsia e dores crônicas, por exemplo) precisam importá-los. 

Com a decisão da Anvisa, a  partir de 2020, será possível adquiri-los em farmácias em todo o território nacional. A resolução passa a valer em três meses, quando as empresas poderão solicitar autorização para produzir a Cannabis medicinal. 

Ontem, no fim da reunião, os diretores da Anvisa se parabenizaram. Para pacientes, empresas e políticos, a liberação é um passo importante, mas ainda está longe do ideal.

Perdas e ganhos

“Para mim, é uma derrota, um passo atrás”, afirma Juliana Paolinelli, vice-presidente da Associação Brasileira de Pacientes de Cannabis Medicinal (Ama+me). A associação está na Justiça contra a Anvisa e a União para plantar a erva e produzir remédios por conta própria.

A resolução da agência estipula que as empresas terão de importar substrato de maconha, e não a planta em si, para a produção dos remédios. Para Paonelli, a importação será um obstáculo para diminuir o custo dos medicamentos. Associações falam em gastos de até R$ 3.000 mensais atualmente. 

Quem comercializa medicamentos à base de Cannabis online, como Gustavo Palhares, CEO da brasileira Ease Labs, comemora a resolução. “Ela reforça um ponto essencial da produção do medicamento, que é o controle de qualidade”, diz. Para ele, associações que plantassem por conta própria não teriam o aparato técnico de uma grande empresa.

Os preços dos remédios que Palhares importa variam entre US$ 85 (R$ 357) e US$ 295 (R$ 1.240). Ele acredita que esses valores serão reduzidos em 30% com a produção nacional – mas que poderiam cair ainda mais se o plantio fosse realizado no país. Em agosto, ele disse que pretende investir R$ 30 milhões na produção dos medicamentos em Minas. 

Quem enxerga a Cannabis como commodity agrícola também se frustrou com a proibição do plantio. Sérgio Rocha, CEO da startup de Viçosa Adwa, pretende levar seu software de gestão de cultivo para outros países da América Latina, pois ele ainda não tem utilidade no Brasil. “A expectativa era que fosse liberado cultivar pelo menos para pesquisa,  até para podermos gerar mais informações para a tomada de decisão do governo”, diz o engenheiro agrícola, que é membro do Grupo Brasileiro de Estudos sobre a  Cannabis sativa L.

Na contramão da Anvisa, também ontem um juiz de Brasília autorizou uma empresa brasileira a importar sementes e folhas da maconha para plantio – mas para uso industrial (em tecidos, por exemplo).

Receita especial

Medicamentos com menos de 0,2% de THC (substância responsável pelo “barato” no uso recreativo) serão vendidos com receita tipo B (azul). Já aqueles com concentração superior serão comercializados com a receita tipo A (amarela) e autorizados só a pacientes que tentaram todas as outras alternativas terapêuticas ou estão em estado terminal. É um tipo de receita similar à da morfina. 

Ainda que o termo “maconha medicinal” tenha se popularizado, a Anvisa está tratando os itens como “produtos à base de Cannabis”, e as embalagens não poderão conter dizeres como “remédio” ou “medicamento”.

Minientrevista

“(No Congresso), vamos falar em cultivo, pesquisa e exportação”

Luciano Ducci
Deputado federal (PSB-PR)
Relator do projeto de lei 399/15, que propõe a regulação do uso de Cannabis medicinal

A Anvisa regulamentou a comercialização no Brasil, mas o plantio segue proibido. Foi uma vitória ou uma derrota?

Nem derrota nem vitória. Foi aprovado aquilo que a Anvisa conseguiu aprovar. O que aconteceu foi dentro das possibilidades políticas dela, não da técnica, e não atende a demanda dos pacientes. Vamos ter que importar matéria-prima, mesmo tendo condição de produzir aqui. E a expectativa era ter receituário branco, como se usa para antibióticos, e não o azul, que restringe o acesso.

Em que o projeto de lei sobre o tema pode avançar?

Vamos falar em cultivo, produção de remédio, pesquisa, comercialização, importação e exportação. Aprovando na Câmara e no Senado, passa a valer esse marco regulatório, que se torna lei e está acima da resolução da Anvisa.

Há pressão política e moral na discussão sobre a Cannabis medicinal no Brasil?

Acho que existe por parte de segmentos e em boa parte do governo. É só ver as declarações do ministro (da Cidadania) Osmar Terra sobre esse assunto (tradicionalmente contra).

A comissão discute o uso recreativo da Cannabis?

Não. Não dá para dizer que uma criança que tem 30 convulsões por dia (e usa os remédios) vai ser porta de entrada para uso de drogas. Quem quer fumar maconha vai na esquina e pronto.

 

 

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