Quem passeou pelas redes sociais desde o fim de semana certamente teve a impressão de ter feito uma viagem no tempo: muita gente, afinal, tem publicado fotos simulando como se pareceriam daqui a uns 60 anos.
A brincadeira tem feito tanto sucesso que o FaceApp, ferramenta responsável por essa “mágica”, alcançou o primeiro lugar na lista geral de aplicações mais baixadas no Google Play e na App Store.
O que a maioria das pessoas não imagina é que, por trás das imagens com rosto enrugado e cabelos embranquecidos, há uma política de privacidade e uso de dados que abre brecha até para venda dos seus dados a empresas.
“É a mesma receita de sempre: usar uma brincadeira aparentemente inofensiva para coletar dados massificadamente”, alerta o cientista da computação e desenvolvedor de softwares Izaquiel Lopes.
Danilo Pereira, 28, reconhece ter ficado curioso quando viu amigos compartilhando fotos que pareciam ter vindo direto do futuro. Daí, decidiu aderir à moda da vez.
O operador de televendas conta ter ficado impactado com o “realismo” do aplicativo, que parece mesmo acertar qual será sua aparência décadas mais tarde. “Eu fiquei parecido com meu pai, meu irmão ficou igual a nosso avô... Minha mãe ficou impressionada!”, relata.
A tosadeira Talita Luciana, 28, também se rendeu quando a troca de fotos manipuladas virou o principal assunto em um grupo de amigos no WhatsApp.
“Mesmo quando a gente dá zoom não dá para perceber distorções, não parece falso”, comenta, lembrando que o aplicativo não é novo, e já havia tido um primeiro boom de acessos em 2017. “Mas a qualidade aumentou muito com a nova atualização”, diz ela.
Tanto Pereira quanto Talita reconhecem que, na hora da brincadeira, acabaram não pensando muito sobre questões relativas à privacidade. “É assim que a gente cai em golpes...”, reflete ela.
Política frouxa
"Geralmente, as empresas tentam garantir a exclusão de dados dos usuários, caso assim solicitem, e não é muito comum que haja o compartilhamento desses dados com empresas parceiras, a não ser com governos a partir de ordens judiciais”, diz Lopes, expondo que ocorre o oposto no FaceApp.
“Do ponto de vista da segurança de dados, é uma política frouxa. Ao ler, a impressão que fica é que a empresa está disposta a vender as informações para quem quiser pagar”, critica ele. O cientista alerta que as informações pessoais podem ser usadas não só para aprimorar os mecanismos de anúncio de produtos, como também para a disseminação de notícias falsas.
Nas mãos de terceiros
Mais que fotos. A Política de Privacidade do FaceApp, que pertence à empresa russa Wireless Lab, diz que o app pode se apossar não só das fotos cedidas, mas de informações como o IP da máquina usada.
Cliques. Podem ser capturados até mesmo o “número de cliques e como você interage com links no serviço”, as páginas de destino e as que foram visualizadas.
E-mail. Também podem ser coletadas informações de e-mails enviados para os usuários do app, para rastrear quais são abertos e quais links são clicados.
Partilha de dados. O FaceApp comunica, ainda, que pode compartilhar informações de usuários tanto com empresas do grupo quanto com aquelas que venham a se tornar parte do grupo.
Venda. Os dados podem ser compartilhados também com “parceiros de publicidade” e até mesmo “estar entre os itens vendidos ou transferidos”.
Termos de uso. Além disso, o conteúdo do usuário pode ser armazenado mesmo se a sua conta for apagada.