São Paulo. Não é preciso passar por alguma situação de violência para começar a apresentar os sintomas de transtornos ligados a ansiedade, depressão e sono. Basta ser um espectador, mesmo que passivo, de uma situação de risco. Essa relação entre violência e doença mental é direta, e seus efeitos são uma das preocupações dos especialistas, como o psiquiatra marroquino Driss Moussaoui.
“Vivemos em uma vila global, ou seja, tudo o que acontece na outra ponta do mundo acontece na minha casa, na minha sala. Ou assisti, ou ouvi. Os atos terroristas são transmitidos 24 horas por dia, estão ali na TV”, explicou durante o XXXIV Congresso Brasileiro de Psiquiatria, que acontece até amanhã em São Paulo.
Esse estímulo, segundo ele, provoca vários impactos. “Primeiro, instiga sentimentos de medo e insegurança nas pessoas. O segundo impacto é nas crianças, que podem não perceber que a mesma cena está sendo repetida e se tornam extremamente perturbadas e ansiosas. O terceiro aspecto negativo é em relação às pessoas que tenham tido algum tipo de transtorno pós-traumático”, afirmou.
Mesmo que acidentes de trânsito ou homicídios por armas de fogo (30 mil óbitos nos Estados Unidos por ano e 45 mil no Brasil) sejam muito mais letais do que atentados, esses dados não causam tanto impacto quanto o terror. “O terrorismo tem impacto sobre a saúde mental, causa efeitos nas vidas diárias de todos os seres humanos, mais ou menos 7 bilhões de pessoas. Ameaça as identidades, causa rupturas de crenças, cria medo, ansiedade e estresse em cada um, pois, se aconteceu lá, talvez aconteça no meu país, na minha cidade, na minha vizinhança”, afirma o médico.
Transtornos de ansiedade, depressão e distúrbios ligados ao sono podem ser as principais consequências desses episódios violentos, mesmo em locais sem histórico de terrorismo, como o Brasil, explica o psiquiatra da Associação de Psiquiatria de Brasília Jorge Rizk.
“Aqui temos muito mais mortes por violência urbana, e isso também tem um impacto mental enorme. Tirando a palavra ‘terrorista’ e substituindo por ‘ato de violência’, é a mesma coisa. Também pode acontecer de alguns episódios mais graves apresentarem algumas recaídas, por essa variação do nível de estresse, de tensão e de preocupação. Essa questão é algo que vai sempre estar refletido tanto no Brasil como em qualquer país”, explica.
Comportamento. Segundo Rizk, a vulnerabilidade desse impacto em adultos vai depender muito do acompanhamento, mas com as crianças é preciso ter mais atenção. Os sintomas podem ser alterações no sono, medo e preocupação o tempo todo, além de sentimento de pânico, comportamento mais triste ou fechado e atenção exagerada ao tema. “Nesses casos, vai depender muito de como são feitos os comentários pelos pais em casa. Dependendo das pessoas que convivem com a criança e começam a falar muito sobre o tema, vai gerando uma ansiedade. Os reflexos podem ser imediatos, ou, se o comportamento for continuado, a repercussão pode durar muito tempo”, aponta o médico.
Para as pessoas que já estão em processo de depressão e ansiedade, esses episódios podem ser mais um agravante, mas para quem se comporta como espectador é importante tomar alguns cuidados. “Com as crianças, é importante que os pais saibam como falar sobre o assunto e assistir junto com elas. Em relação aos adultos, é importante identificar que, por trás desses eventos, há um processo muito maior, cultural e regional e, se começar a sentir que algo está afetando, procurar um profissional”, orienta Rizk.
Estado Islâmico
Distúrbios atingem 20% dos extremistas
CRÉDITO |
![]() |
Segundo estudos, 20% dos jihadistas apresentam distúrbios mentais |
São Paulo. O terrorismo é algo de fácil definição: tudo aquilo que tem como objetivo fazer com que pessoas sintam medo em função de ações espetaculares perpetradas contra indivíduos. Mas, ao mesmo tempo, o psiquiatra Driss Moussaoui afirma que o tema é complexo, uma vez que envolve questões políticas, religiosas e econômicas.
Segundo ele, estudos mostram que 20% dos membros do Estado Islâmico têm algum histórico de distúrbio mental e um em cada cinco já passou por tratamento. “Eles normalmente dizem que amam a morte como amam a vida. Isso é transtorno de personalidade, de comportamento antissocial, uma adição à violência. Dizer que matar alguém é como se fosse um ato de Deus, mostra exatamente o grau do transtorno, da vulnerabilidade psicológica”, diz.
No Marrocos, segundo ele, em uma pesquisa com 5.300 pessoas, descobriu-se que 16% apresentavam um grau de ideação suicida, comportamento suicida e também tentativa de suicídio.
“Sabemos também que uma em cada cinco pessoas, ou seja, 25% de todas as pessoas no mundo, vai ter algum tipo de doença mental alguma vez na vida. Nos EUA essa taxa é de um em cada dois (50%). Além disso, metade das pessoas com esquizofrenia não é tratada na França. Portanto, temos que lutar contra isso”, diz.
Minientrevista
Driss Moussaoui
Psiquiatra marroquino e ex-presidente da Federação Árabe de Psiquiatras
O medo é algo que causa atração?
Tem um fato histórico interessante que mostra quando as pessoas começaram a ler livros sobre crimes e assassinatos. Foi na Inglaterra, no final do século XVII, imediatamente depois de o governo ter garantido que as estradas e as ruas da cidades eram seguras. As pessoas queriam ler sobre assassinatos e crimes porque precisavam produzir adrenalina e noradrenalina. Quantas pessoas amam filmes de horror? Elas querem sentir medo. É como se o sistema imune psicológico precisasse se preparar para tragédias ou catástrofes e precisasse treinar para que tenhamos adrenalina caso apareçam situações de perigo. Por isso, as pessoas são fascinadas por coisas ruins.
O que pode ser feito?
Pesquisa, investigar as causas, não nas pessoas que são terroristas, mas nos que concordam com esses atos. Qual é o processo de pensamento e por que nós nos esquecemos das pessoas mortas em ataques terroristas depois de dois dias? No longo prazo os transtornos permanecem, mas ninguém se preocupa.
Qual seria o caminho?
Trata-se de uma tarefa multidisciplinar, com sociólogos, psicólogos, assistentes sociais, autoridades governamentais. Toda a sociedade deve ser convidada a contribuir. Temos que fazer mais prevenção.
FOTO: ABP/divulgação |
![]() |
Driss Moussaoui alerta para efeitos indiretos da violência |